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A última luta de Álvaro Brasileiro

A última luta de Álvaro Brasileiro

Histórico comunista de Alpiarça é recordado como um homem de carácter e de convicções

Deputado, lutador pela liberdade, activista anti-fascista foi preso político durante o regime de Salazar. Já em democracia ocupou diversos cargos políticos a nível local e nacional. Quem privou com ele recorda-o como uma pessoa serena, afectuosa e coerente com as suas convicções.

Um homem de carácter e de convicções, de palavra serena, que nunca deixou as diferenças ideológicas afectarem o relacionamento com adversários políticos. Um lutador pela liberdade e um exemplo para certos radicalismos que voltaram a surgir na nossa cena política. A opinião insuspeita é do deputado do PSD Miguel Relvas e resume o modo de estar na vida de Álvaro Brasileiro, um histórico militante comunista de Alpiarça que faleceu a 13 de Maio, aos 74 anos, depois de se ter sentido mal quando realizava um exame de diagnóstico no Centro de Radiologia em Santarém. Sofria de doença prolongada e tinha estado internado recentemente no Hospital de Santarém.O funeral de Álvaro Favas Brasileiro, realizado no dia seguinte, constituiu uma enorme manifestação de pesar, onde se incorporaram pessoas de vários quadrantes políticos para além de dirigentes nacionais e regionais do Partido Comunista Português. A actual presidente da Câmara de Alpiarça, Vanda Nunes (PS), e a candidata socialista à liderança desse município, Sónia Sanfona, fizeram também questão de prestar uma última homenagem ao lutador anti-fascista.“A democracia portuguesa perde um homem bom, a região perde um defensor e eu perco um amigo”, resume Miguel Relvas, que conheceu Álvaro Brasileiro na Assembleia da República onde foi deputado entre 1979 e 1991. “Eu era muito novo. Teve comigo muitas vezes uma atitude simpaticamente paternalista. E é demonstrativo que, independentemente das ideologias, as pessoas podem ser de carácter e de valores”, acrescenta o também presidente da Assembleia Municipal de Tomar.Álvaro Brasileiro, filho de camponeses pobres, nasceu em Alpiarça a 2 de Março de 1935. Ficou sem pais ainda criança. Desde sempre ligado à actividade agrícola, fez a sua primeira seara de melão em 1958 nos campos de Valada do Ribatejo. Nesse ano apoiou a candidatura de Humberto Delgado à Presidência da República. Em 1963 é preso pela GNR de Alpiarça. Passa pelas prisões de Aljube e de Caxias. Julgado no tribunal plenário da Boa Hora, é condenado a 16 meses de prisão correccional e a cinco anos de perda de direitos cívicos.A prisão não lhe arrefece os ânimos na luta pelos direitos e liberdades. Em 1969 faz parte da comissão de apoio à campanha eleitoral do MDP-CDE. Ajuda a criar comissões de defesa dos seareiros de melão e tomate. Em 1972 participa no congresso da oposição democrática em Aveiro. Em 1973 é candidato à Assembleia Nacional nas listas do MDP-CDE. Não é eleito.A democracia abre-lhe as portas da Assembleia da República em 1979, para onde é eleito deputado pelo PCP e para onde viajava de camioneta da carreira. É no Parlamento que José Niza, então deputado do PS, o conhece. “Recordo-o como um homem afável, simples e cordato, uma pessoa simpática. Convivíamos sobretudo em actividades políticas, como por exemplo a inauguração da Feira Nacional de Agricultura”.José Niza recorda que nessa altura o PCP tinha sempre pessoas ligadas à agricultura no seu grupo parlamentar. Na Assembleia Constituinte tinha sido António Abalada, também de Alpiarça. Em 1979 surgiu Álvaro Brasileiro, que nas funções de deputado chegou a presidente da Comissão Parlamentar de Agricultura e Pescas. “Sempre nos demos bem e politicamente nunca tivemos qualquer confrontação. Lembro-me de ele uma vez convidar alguns deputados do PS para conhecermos a Cooperativa Agrícola Mouchão do Inglês, de que era cooperante, e passámos lá uma tarde muito agradável”, recorda o ex-deputado socialista, músico e compositor.O militante comunista foi vereador na Câmara de Alpiarça e eleito da assembleia municipal, sendo um dos mais activos autarcas comunista do distrito. Há cerca de um ano, Álvaro Brasileiro participou num debate promovido pela CDU onde comparou os socialistas de Alpiarça a outros bichos. “Depois do 25 de Abril criámos um belo edifício em Alpiarça e depois deixámos entrar os ratos, os fungos, as baratas e todo o tipo de bicheza. É altura de fazer uma desinfestação e colocar este edifício (o município) ao serviço do povo”.Depoimentos“Era uma pessoa moderada que procurou sempre em Alpiarça situações de consenso com todas as forças políticas”Mário Pereira – vereador da CDU e candidato à presidência da Câmara de Alpiarça“Estivemos presos juntos em 1963. Foi aí que nos conhecemos. Depois estivemos juntos na Assembleia da República. O Álvaro é aquele tipo de pessoas em que não se perde o seu exemplo. Um exemplo de consistência, persistência, coerência...”Sérgio Ribeiro – militante do PCP e ex-deputado“Numa pessoa a capacidade de abnegadamente lutar por aquilo em que acredita é sempre uma coisa de valorizar independentemente de nos dividirem muitas vezes as opções”Sónia Sanfona – deputada do PS e candidata à Câmara de Alpiarça“Era uma pessoa ávida de melhorar as coisas, a vida das pessoas, de grande sensibilidade e bom senso. Era uma pessoa de grande valor”Sérgio Carrinho – presidente da Câmara da Chamusca “É uma perda imensa para Alpiarça. E eu enquanto presidente de câmara e alpiarcense não podia deixar de estar aqui hoje (no funeral)”.Vanda Nunes – presidente da Câmara de Alpiarça
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