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O lado feminino do socorro

O lado feminino do socorro

Quartéis já não são um “mundo de homens”

Nas corporações de Alverca, Alhandra e Póvoa de Santa Iria são cada vez mais as mulheres entre bombeiros. A profissão já deixou de ser “um mundo só de homens” e é cada vez mais um mundo “delas”. Sentem-se reconhecidas nos quartéis, mas não fora deles.

Determinadas, ambiciosas, lutadoras e bombeiras. São cada vez mais as mulheres que decidem ingressar nas fileiras das várias corporações do concelho de Vila Franca de Xira. Mais do que nunca “elas” agora é que incentivam e levam os homens para os quartéis. Maridos e namorados não resistem ao chamamento feito pelo sexo oposto. Sentem-se perfeitamente inseridas e respeitadas no meio que “já não é mais um mundo só de homens”. Convictas das suas capacidades físicas e intelectuais, vieram para ficar e “fazer frente aos bombeiros”. “As mulheres têm muito a ambição da carreira. Conseguem superar com mais facilidade as dificuldades em relação aos homens. São mais lutadoras”, defende Marisa Caetano de 25 anos e bombeira nos voluntários de Alhandra, desde os catorze. “Enquanto que os homens, por pequenos motivos, vão desanimando e deixam as coisas para trás. Ser bombeira já não é um tabu”, complementa Sara Pinheiro de 21 anos, que presta serviço no quartel da Póvoa de Santa Iria há pouco mais de um ano.Para Solange Leandro de 18 anos e estagiária nos voluntários de Alverca, “os bombeiros sempre foram associados aos homens mas agora há muitas mulheres a entrar para qualquer corporação”.Questões familiares e de proximidade com o meio levaram as três jovens a vestirem a farda dos “soldados da paz”. Os pais de Marisa são bombeiros. “Nasci e cresci no quartel. O meu marido não era bombeiro e passou a ser”, revela a funcionária administrativa. Foram as histórias que ouviu ao longo dos anos contadas por familiares bombeiros, que influenciaram Solange. “É aquele bichinho que vai mexendo connosco desde pequenos, porque ouvimos falar de grandes momentos que eles passaram. Isso leva-nos a querer experimentar também” garante a estudante de humanidades.Para Sara, finalista do curso de psicologia, as constantes idas ao quartel visitar uma pessoa amiga, eram uma oportunidade para sentir a adrenalina de ouvir o telefone tocar e ver as ambulâncias a sair. “Desde pequenina que me lembro de ficar apaixonada por sirenes de bombeiros”, assegura a bombeira da Póvoa de Santa Iria.As três jovens sentem-se perfeitamente inseridas nos respectivos quartéis e afirmam que nunca foram discriminadas pelo facto de serem mulheres. Têm camaratas e balneários próprios. Afirmam que “vivem num ambiente familiar” onde é possível criar verdadeiras amizades, mesmo com pessoas que se conhecem há pouco tempo, fruto do “espirito de corpo e ajuda” que reina nos quartéis onde prestam serviço.As praxes, como molharem as divisas ou levarem com baldes de água, e as brincadeiras são uma constante, principalmente com as mais novas, mas sempre dentro de certos limites. ”Os homens, entre eles, têm os seus lugares específicos onde brincam à maneira deles” conta Marisa.A bombeira mais experiente lamenta que a sociedade ainda tenha uma ideia errada sobre o “ambiente” que se vive nos quartéis e deixa uma sugestão. “As pessoas deviam ir mais aos bombeiros. Visitar, ver o que se passa e conhecer o nosso mundo. Nós como mulheres, somos um pouco postas de parte pela sociedade, porque acham que o ambiente de bombeiros é mau ambiente para as mulheres. Isso não é verdade”, defende.Marisa conta uma realidade com a qual se depara. “Tenho muitas amigas na casa dos 40 anos que dizem. “O meu marido foi bombeiro, mas tirei-o de lá. Aquelas mulheres todas!!”. Acho que não preciso de dizer mais nada”, revela Marisa, ao mesmo tempo que arranca um sorriso às duas colegas.Sara acrescenta que o limite do respeito são as mulheres que determinam. “Só nos faltam ao respeito se nós deixarmos. As coisas só acontecem se dermos espaço e liberdade aos outros para que isso aconteça”, assegura.Solange lamenta que as pessoas não reconheçam muitas vezes o esforço que é desenvolvido dentro do quartel. “Não sabem o trabalho que temos a preparar tudo para quando for preciso. Damos sempre o nosso melhor para tentar ajudar”, diz a jovem.As três bombeiras defendem que os condutores deviam ter mais sensibilidade quando vêem uma ambulância em emergência. “Estamos fartas de apitar, as sirenes tocam e ninguém se desvia. Isso mostra alguma falta de respeito. Nunca sabem quando serão eles a precisar de ajuda”, diz Sara.Ser bombeira não é fácil. As exigências são muitas. Mas as orgulhosas mulheres já conseguiram o respeito de todos aqueles com quem trabalham no dia a dia e o espaço nos quartéis de Alverca, Alhandra e Póvoa de Santa Iria. Falta mudar um pouco a mentalidade de uma franja da sociedade portuguesa, no sentido de olharem para as bombeiras, não como mulheres, mas como profissionais, muitas vezes com melhores desempenhos do que os homens. “Elas” vieram para ficar e estão a ganhar o “combate”.Histórias marcantesAjudar o próximo sem nada pedir é o lema dos bombeiros. Mas todos têm as suas fraquezas e limitações. O que ficam, são as histórias vividas e sentidas na primeira pessoa, por cada uma das três jovens. Sara Pinheiro recorda com tristeza um episódio.” Fui com dois colegas meus e quando cheguei a uma casa, era uma senhora que tinha abortado. Ter que tocar, mexer no feto, isso marcou-me porque sei o que é ver o meu sobrinho a nascer e ver uma criança que não nasceu, foi muito complicado para mim”, confessa a jovem da Póvoa de Santa Iria, que evita fazer trabalhos com idosos porque “custam muito”.A primeira pessoa que faleceu à frente de Marisa Caetano vítima de um Acidente Vascular Cerebral (AVC), deixou marcas na bombeira de Alhandra. “Fizemos as manobras de reanimação até ao hospital e senti que não tinha sido capaz. Por mais que a gente tente e faça o nosso melhor há coisas que nos ultrapassam. Lembro-me que passei a tarde toda em frente ao cais de Alhandra, triste e a chorar”, recorda. A bombeira admite que não lida nada bem com acidentes onde estejam envolvidas crianças. Não vai “para não fazer figuras tristes”, pois esse é o seu “limite”.Como só está nos bombeiros há poucos meses, Solange Leandro lembra o transporte que fez com uma idosa. “A senhora disse que se tivesse uma grande fortuna doava aos bombeiros. Porque sabe que não somos devidamente valorizados”, lembra a jovem bombeira de Alverca.
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