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Quando a procissão é sempre a subir só a fé é que nos empurra

Romaria do Senhor da Boa Morte em Vila Franca de Xira com muita gente e calor

Pessoas mais idosas esfregam joelhos com pomadas e tomam analgésicos para aguentar o percurso. Cortejo teve paragem forçada por se ter partido caixa de vidro onde é transportada a escultura de Cristo.

No local da antiga Escola Básica de Povos, Vila Franca de Xira, às dez da manhã já se orava o “Pai Nosso” mas a procissão não podia arrancar sem o Padre Ezequiel. “Ele garantiu que não se esquecia que tinha este serviço para fazer”, garantia uma fiel. Meia hora depois do previsto, já com o pároco e os acólitos a postos, começava a romaria do Senhor da Boa Morte, que na Quinta-Feira da Ascenção de cada ano, junta crentes de todo o concelho numa procissão de tributo a Jesus Cristo. Lisete Barbosa, 70 anos, foi uma das fiéis que chegara mais cedo para se preparar para o percurso. À chegada, a vilafranquense tinha à sua espera Deonilde Correia, 76, que viera acompanhar o marido, um dos responsáveis por carregar a estátua do “santo”. Dois dedos de conversa, e já com uma amiga que ali chegou, Deonilde revela o segredo para aguentar a caminhada de quatro quilómetros a pé, monte acima. “Esfreguei ontem à noite os joelhos com uma pomada e tomei, de manhã, um comprimido para as dores”, conta. À ordem do pároco, campinos e leigos, todos homens, carregam a imagem de Cristo morto, numa caixa vidrada, ao som de orações e cânticos religiosos. Alguém nota que as contas do santo estão soltas, e a tampa é removida para resolver a situação. Já seguro, o Senhor da Boa Morte parte nos ombros dos fiéis. Ricardo Barradas, 30 anos, pai há duas semanas, tirou cinco dias de férias após a licença de paternidade para poder carregar a estátua. “Custa um bocadinho na subida, mas faz-se. Participo desde os 15 anos, sempre que posso. A minha mãe faz parte da comissão de festas, tal como a minha tia”, esclarece. O cortejo sai do local onde em tempos esteve instalada a antiga igreja de Nossa Senhora da Conceição de Povos, rumo à estrada que conduz ao monte. À saída, mais uma dezenas pessoas se junta ao grupo, uma idosa chora, sentada num banco, com um andarilho entre as mãos, por não poder acompanhar a romaria. Os fiéis prosseguem. No meio, uma jovem com auscultadores ouve a sua música favorita, ao lado do pai. Deonilde vai perto do cortejo dos carregadores, com uma amiga mais à frente. Lisete ficou mais atrás, sentindo o calor do Sol na camisa negra. Com a Lezíria como cenário, o cortejo pára de repente a menos de metade do percurso. O som de vidro a partir-se alarmou quem transportava a figura do Senhor da Boa Morte. A tampa é retirada e os carregadores revezam-se. Ricardo Barradas vem para o lugar da esquerda, atrás. “Com os balanços, a tampa caiu. Se quem transporta a figura tiver a mesma altura de ombros, tudo corre bem”, conta Joaquim Roque, um dos fiéis encarregues de transportar o santo. A multidão retoma a marcha. “Há uns anos, as pessoas traziam o farnel cá para cima e passavam cá a tarde, agora algumas até trazem boleia, e a juventude não participa como antigamente”, recorda Joaquim Roque. No cortejo, Ricardo é o mais novo. Os outros, entre leigos e campinos, ultrapassaram já os cinquenta anos de idade. Perto da última subida, com a igreja do Senhor da Boa Morte à vista, Lisete Barbosa continua a marcha, em ritmo lento. “Está a correr bem, com um bocadinho de cansaço”, responde a O MIRANTE, quase sem olhar. A oração e a concentração no caminho tomam conta da atenção da idosa. Chegados ao alto do Senhor da Boa Morte, os fiéis separam-se. Uns seguem o cortejo para dentro da igreja, onde vai decorrer a missa. Outros rumam ao castiçal, para queimar velas. Dentro do templo, a cerimónia corre sem pressas. Maria da Luz Rosinha, Presidente da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, participou na procissão com o vereador Francisco Vale Antunes o presidente da junta de Vila Franca de Xira, José Fidalgo, e leu parte da parábola aos fiéis. No final da missa, o cortejo, com a figura de Cristo aos ombros, contorna o templo dirige-se ao ponto mais alto do monte. O padre abençoa os campos e roga por um bom ano, como é tradição. A estátua regressa ao local da igreja de onde saíra na noite anterior. Os crentes escolhem entre descer de novo até Povos, na viatura de familiares ou almoçar no local. Lisete vai descer a pé “Sinto-me mais confortada. O meu marido gostava muito de cá vir e enquanto tiver forças continuarei a fazer a romaria”, conta. Deonilde também vai caminhar, na companhia do esposo. No alto, ficam os que querem apreciar a paisagem e a tarde. É uma da tarde e daqui a duas horas actuam ranchos folclóricos. Duas procissões alternativasJúlio e Ofélia Rato acompanharam a procissão do Senhor da Boa Morte, mas à distância. “É a primeira vez que fazemos este caminho. Saímos mais tarde, da zona da estação de comboios até aqui”, conta Júlio, adepto de caminhadas. De farnel na mão e com garrafas de água, o casal alhandrense aprecia a sombra de várias oliveiras do local, ao lado de várias famílias, enquanto decorre a missa. “Tendo companhia, a distância ainda se nota menos”, garante o marido. Feita fica a promessa de voltar, desta vez de bicicleta, com amigos.Quem desceu o monte montado em duas rodas foi Domingos Gonçalves, 74 anos, mas só depois da cerimónia religiosa. O sénior subiu ao Alto do Senhor da Boa Morte de bicicleta nas mãos, para “na descida custar menos”. Frequentador habitual da romaria garante “ir muito à missa e a todas as procissões”. Conta ver espíritos de pessoas que já faleceram, desde os 13 anos, e garante que “não fazem mal a ninguém, só pedem que se reze muito por eles”.

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