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Mesmo com o restaurante cheio de água os clientes não paravam de comer

Memórias do empregado mais antigo do restaurante pioneiro da Sopa de Pedra

Jorge Pereira serve os clientes de “O Toucinho”, em Almeirim, há 35 anos. É um empregado todo-o-terreno que até já teve de servir de socorrista quando as pessoas não aguentam a potente Sopa de Pedra.

Houve tempos em que Jorge Pereira, o empregado de mesa mais antigo de “O Toucinho”, restaurante pioneiro da Sopa de Pedra em Almeirim, tinha umas galochas guardadas dentro do armário para enfiar à pressa nos pés. Era normal no Inverno, sempre que chovia demasiado, o restaurante inundar-se porque estava numa quota abaixo da rua. Enquanto Jorge e os colegas andavam numa azáfama a tirar a água do estabelecimento para a rua, com uma mangueira e um motor de bombagem, os clientes mesmo com os pés dentro de água ou em cima do banco de madeira que estava à frente não paravam de comer. Esta é apenas uma das muitas memórias da profissão de Jorge Pereira, 53 anos de idade, dos quais 35 passados a servir as pessoas que afluem a Almeirim à procura da Sopa de Pedra. Um prato pesado que já levou alguns para o hospital. De vez em quando há clientes que se sentem mal porque estão há muito tempo sem comer e depois enchem o estômago da sopa de carne, enchidos, feijão e batatas. “Lembro-me uma vez de um senhor que já vinha há várias horas de viagem e estava esfomeado. Depois de um prato de Sopa de Pedra comecei a notar que estava a suar e a ficar branco. Perguntei-lhe se estava a sentir-se bem e ele disse que sim. Logo que virei costas caiu em cima da mesa e tivemos que chamar os bombeiros”. No primeiro dia de trabalho do empregado, tinha 18 anos, não entornou a travessa nem sujou algum cliente. Mas passados alguns anos, já com muita experiência, a abrir uma garrafa de vinho tinto o fundo partiu-se e a vítima foi uma senhora de saia branca que nem queria acreditar no que lhe tinha acontecido. Depois de um momento de estupefacção, e quando a cliente se acalmou, Jorge usou a diplomacia e o episódio ficou-se por um pedido de desculpas. Não teve que pagar a roupa e a cliente até pagou a conta. “Antigamente as pessoas não eram tão exigentes e compreendiam os azares que aconteciam. Se fosse hoje se calhar o pedido de desculpas não chegava”, sublinha. Para os clientes mais chatos a comida é temperada com gentileza. Mas nem sempre isso é o suficiente. Às vezes tem que se regar bem com diálogo, como aconteceu com um freguês que depois de comer uma valente costeleta de novilho resolveu pedir o livro de reclamações. “Nunca cheguei a perceber qual era o problema, apesar de lhe perguntar várias vezes. Se calhar aquele dia estava a correr-lhe mal”, lembra. Dias mais tarde voltou ao restaurante e já mais bem disposto e em jeito de brincadeira voltou-se para Jorge Pereira e perguntou se o livro estava a jeito. A risada abriu o caminho para a amizade. O nome do pão tradicional de Almeirim é que dá azo a momentos divertidos. Há quem não se lembre ou não saiba dizer caralhotas e solte da boca outro nome a atirar para o obsceno e acabado em “…adas”. Mas também há os que o fazem só por brincadeira. Quase impossível é conseguir que um estrangeiro pronuncie o nome. Mas o que é certo é que, garante Jorge, “quem aqui entra não sai sem comer”.

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