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“As colectividades têm que ir à procura das mulheres”

“As colectividades têm que ir à procura das mulheres”

Sociedade Euterpe Alhandrense tem 148 anos, as contas em dia e não sabe o que são vazios directivos

Numa altura em que o movimento associativo atravessa uma crise a Sociedade Euterpe Alhandrense é excepção à regra. A colectividade apresenta uma situação financeira estável, não teve vazios directivos nos últimos 20 anos e continua a crescer. Tem uma mulher à frente da direcção. A primeira em 148 anos de história. Ana Paula Barão, 42 anos, está desde Maio ao leme da colectividade fundada em 1862. Em entrevista a O MIRANTE a professora, que elogia o trabalho de direcções anteriores, tem o sonho de criar um conservatório de dança.Jorge Afonso da Silva

Que secções tem a Sociedade Euterpe Alhandrense (SEA)?A banda de música, o conservatório, o coro da colectividade e do conservatório, teatro e diversas actividades gímnicas.Isso envolve muita gente...Algumas centenas se contarmos com as actividades gímnicas. Temos crescido de ano para ano e falta-nos ainda explorar os bairros novos que apareceram do lado de lá da linha do comboio. Precisamos de arranjar uma máquina mais eficaz de promoção das actividades nessa zona.Tem sido fácil encontrar dirigentes para a colectividade?Nos últimos 20 anos não tivemos vazios directivos. Nesta nova direcção, um núcleo de 50 por cento de dirigentes decidiu ficar. Os que saíram fizeram-no apenas por questões pessoais que não tinham que ver nem com o projecto nem com a relação das pessoas. E todos levaram o seu mandato até ao fim o que é muito importante. Até agora não temos sentido a crise do associativismo que graça um pouco por todo o lado.Qual é a situação financeira da SEA?É estável mas não dá para grandes malabarismos. Neste momento não há dívidas. Temos conseguido pagar aos fornecedores, professores e funcionários a tempo e horas. Quanto é despesa mensal da Instituição? É muita. Temos 35 professores no conservatório, três funcionários a tempo inteiro e um em part-time. Há que juntar a estes, mais seis professores que trabalham nas actividades gímnicas. O nosso orçamento ronda os 500 mil euros anuais.De onde é que vem o dinheiro?A câmara apoia o movimento associativo através de um protocolo com a banda e o teatro. Recebemos o financiamento do Ministério da Educação relativo ao ensino oficial da música no conservatório, que dá para equilibrar as contas. Mais as quotas dos sócios.Dá para suportar todos os gastos?Dá. Mas às vezes surgem necessidades pontuais já que, tirando as quotas que são regulares, os subsídios são sazonais. Nessas alturas apertamos um pouco mais e procuramos arranjar outras formas alternativas de angariar dinheiro.Como arranjam essas alternativas de financiamento?É preciso disponibilidade, alguma criatividade e imaginação. E depois há uma coisa que é preciso que esteja presente no movimento associativo que é o amor à camisola. Ninguém na direcção é remunerado. A não ser os elementos das direcções técnicas. Temos uma técnica para a educação física, uma técnica pedagógica para o conservatório, um maestro para a banda e um encenador para o teatro.Com as contas equilibradas quais são então as dificuldades?Não nos chegam tantas solicitações quanto gostaríamos porque a crise chega a todo o lado. Fornecemos um bem que as pessoas não consideram uma prioridade. Vamos tendo algumas actuações. Depois há aquelas dificuldades que nos surgem no dia-a-dia. Mas não são desmotivadoras nem impeditivas de continuar a trabalhar. A SEA é um exemplo?Sim. Ao nível do associativismo e até dos próprios sócios. Já se nota um pendor muito grande de mulheres a serem sócias. Há uns anos decidimos fazer um placard com as fotografias de todos os sócios. As mais antigas, a preto e branco, são essencialmente de homens. Nas fotos a cores já são as mulheres em maior número. A estabilidade financeira é a razão do sucesso?Ajuda bastante. O que não significa que a SEA não tenha passado já momentos mais complicados quando tivemos pagamentos em atraso aos fornecedores e aos professores do conservatório. Mas mesmo nessa altura, com mais dificuldades, não houve problemas em arranjar direcção. Mas se calhar as colectividades também têm de ir à procura de um outro mercado. As mulheres são um bom mercado (sorrisos).Há muitos jovens interessados em aprender música?Muitos. O conservatório cresceu 30 por cento o ano passado e este ano vai pelo mesmo caminho. A escola precisou de mais de uma década para se estabilizar e hoje em dia a qualidade no ensino da música é boa. Ao fim de 12 anos começa a haver uma identidade e uma marca de escola de artes. E temos mais projectos.Tais como…Criar um pólo cultural de ensino artístico forte. Sabemos que é ambicioso, mas temos o objectivo de criar um conservatório de dança. O conservatório de música nasceu num local improvável na região. O facto é que sobreviveu e continua a crescer. Isso dá confiança para nos lançarmos noutros projectos.E têm instalações capazes de suportar essa ambição?Há duas formas de encarar os projectos: Ou esperamos para ter as condições ideais e iniciamos. Ou mantemos as condições que temos e vamos avançando aos poucos. Mas temos as condições suficientes para começar com o conservatório de dança. Quando é que irá avançar o projecto?Está em elaboração. Não quero avançar datas mas no prazo de um a dois anos. Não podemos esperar muito mais tempo pois se não tivermos projectos novos, acabamos por nos acomodar.As actuais instalações satisfazem as necessidades da SEA?Têm de satisfazer. Vamo-nos adaptando às necessidades.Estão subaproveitadas?Sim. Porque na altura, a arquitectura foi concebida com determinados objectivos. Hoje vemos estes corredores enormes e mesmo respeitando as medidas legais poderíamos rentabilizar melhor o espaço. Isso implicaria obras e investimento…Já tivemos dois projectos. Ou remodelar este edifício ou fazer um de raiz, em Alhandra, mas noutro local. Se já tivemos essa perspectiva é porque ela ainda está presente. Não no imediato mas a vontade existe. Mas para já vamo-nos mantendo por aqui. Esta direcção ainda é nova e isso é um sonho a médio longo prazo. Não queremos dar um passo maior que a perna.Gostava de concretizar esse sonho durante o seu mandato?O mandato é de dois anos. Muito curto para assumir um projecto dessa dimensão. Alguém que venha para uma direcção terá de ter a perspectiva de reeleição e dar continuidade ao trabalho. Mas espera recandidatar-se daqui a dois anos…Não assumo esse compromisso. Posso é garantir que estou a gostar do trabalho que tem sido feito por todos. Uma verdadeira equipa. Estava com algum receio mas as coisas estão a correr bem. Se me recandidatar, posso orgulhar-me do que fiz. Se não acontecer, é porque surgiram outros projectos. Na certeza porém, se depender de mim ou desta direcção não criarmos um vazio de direcção, é obvio que avançaremos.Falou em vazio directivo. Tem conhecimento da situação do Ateneu Artístico Vilafranquense (AAV) sem voluntários para assumir a direcção?Tive alguns ecos. A Sociedade Euterpe Alhandrense deve às direcções anteriores a estabilização das contas. Conseguiram arranjar formas e projectos que possibilitaram esta saúde financeira. Depois, perceberam que as colectividades teriam que dar um salto qualitativo para corresponder aos interesses das pessoas que já não são os mesmos de há 20 anos. Teve de se ir adaptando à realidade. O ateneu também. Mas o AAV tem também uma dívida de 375 mil euros…Não conheço muito bem a situação do ateneu nem como chegaram a esse ponto. Essa dívida foi construída com o quê? Já passamos anos em que tínhamos dívidas. Mas o trabalho do ano seguinte era o de tentar solucioná-las até conseguir equilibrar contas. É diferente entrarmos numa casa minimamente arrumada ou herdando essas responsabilidades. Mesmo a nível pessoal estamos sempre implicados. Damos a cara e ficamos colados à Instituição. Lamenta a situação?Tenho pena pela situação do ateneu. Tal como a Sociedade Euterpe Alhandrense está para Alhandra, o Ateneu Artístico Vilafranquense está para Vila Franca de Xira. Não me regozijo com a situação do ateneu. Pelo contrário.Como vê o futuro do associativismo?As colectividades têm de ser criativas e de se modernizar. A tradição é óptima para nos dar algum alento em termos de referências mas é preciso alargar o leque de actividades e ofertas. Depois há que ter muito cuidado para não dar um passo maior que a perna. Devemos ter consciência das nossas limitações e assumir isso com humildade.Fazem falta mais jovens nas colectividades?Fazem. Tenho uma ideia positiva da juventude. Aos jovens falta uma certa capacidade de dedicação. Mas temos de reconhecer que eles vão desenvolvendo outros interesses. Também não sei até que ponto o movimento associativo não tem que se adaptar a esses interesses para os conseguir captar. Tem de haver aqui um equilíbrio e deixá-los crescer dentro da sua individualidade. “Estamos disponíveis para ver quais as condições de cedência dos livros”A transformação do antigo Teatro Salvador Marques, em Alhandra, numa biblioteca municipal, já foi aprovada pela Câmara Municipal de Vila Franca de Xira. De acordo com as estimativas da autarquia o equipamento deverá ser uma realidade no início do próximo mandato. Um dos objectivos é o de albergar as centenas de livros, metidos em caixotes na sede do Alhandra Sporting Club, e os mais de dois mil livros – maior parte partituras musicais antigas – que neste momento se encontram numa sala da Sociedade Euterpe Alhandrense (SEA). Em ambos os casos com acesso restrito aos sócios.A presidente da SEA afirma que o espólio foi salvaguardado e que a colectividade não tem condições para ter uma biblioteca a funcionar. “Não é a nossa vocação”, assegura Ana Paula Barão.Sobre a possibilidade de o vasto espólio passar para a futura Biblioteca Municipal de Alhandra, a responsável diz estar disponível para ver quais as condições de cedência dos livros. “Quando a questão se colocar iremos discuti-la em reunião de direcção. Em que moldes é que os livros vão? Como doação? Temporariamente ou definitivamente? São questões a abordar na altura certa. Mas a euterpe não vê nada contra o disponibilizar os livros à população”, garante.Banda de música é ex-líbris da Euterpe AlhandrenseO maestro alertou, no início do ano, para a falta de músicos e de renovação da banda. Como está a situação?Houve um forte incremento e investimento da nossa parte pois era uma necessidade. Por isso criamos uma escola de música vocacionada para ir alimentando a banda de música. A adesão dos jovens aumentou mais de 50 por cento nos últimos meses. A banda tem cerca de 35 elementos, é a valência mais antiga da casa e há músicos que estão cá há 50 anos. São os músicos que pagam as fardas?Não. Houve uma iniciativa da CIMPOR há dois anos em que cada trabalhador fazia um donativo e a empresa contribuía com esse valor vezes sete. O dinheiro angariado serviu para comprar as fardas novas da banda e do coro da Sociedade. A banda de música é o ex-líbris da colectividade do ponto de vista regional. Os trabalhadores da CIMPOR aderiram em massa, o que não aconteceu noutros pontos do país onde a empresa desenvolveu a mesma iniciativa.Como explica essa adesão? Há um grande espírito de solidariedade que se manifesta de diferentes formas. Muitos trabalhadores da CIMPOR são também sócios da casa há muitos anos. Há uma ligação afectiva e uma identificação com a Euterpe. Agradeço aos trabalhadores da CIMPOR a ajuda. Os músicos recebem algum subsídio?Não. Apenas o maestro. Está connosco há 10 anos e tem feito um trabalho de continuidade. Os músicos vêm porque gostam mesmo de tocar. Agora percebo o sacrifício de mulheres casadas, com filhos e uma profissão e que arranjam tempo para à quinta-feira virem ao ensaio e depois se houver algum serviço irem fazê-lo. Não têm nenhum apoio?Quando se faz a opção de ir tocar para uma banda por gosto é porque se quer mesmo tocar. Temos quatro crianças e aí sim, dentro do limite de lugares da carrinha, conseguimos assegurar o transporte para os ensaios. Quando a banda têm de se deslocar, ou o faz ao abrigo do protocolo com a câmara, então alugamos um autocarro. Mas com a ajuda CIMPOR vamos adquirir um autocarro de 19 lugares, que nos vai dar uma grande ajuda.Os elementos da banda são da região?De Vialonga, Alhandra, Vila Franca de Xira, Arruda, Sub-Serra. Professora com espírito empreendedor que trabalha com gosto à causaAna Paula Barão completa esta quinta-feira 42 anos. Natural de Lisboa, veio para a terra que acolheu Soeiro Pereira Gomes em 1989 e há 18 anos que é professora na Escola Secundária de Azambuja. Mora no Bairro Chabital em Alhandra e tem uma filha de 17 anos e um filho de 14 que - de acordo com a primeira presidente mulher da Sociedade Euterpe Alhandrense (SEA) em 148 anos - são os seus grandes apoios.Quando chegou a Alhandra já tinha passado pela experiência de ter estado numa outra colectividade. O desejo de querer envolver-se na vida cultural da terra que a tinha acabado de acolher, levou-a a procurar uma colectividade de Alhandra. Em 1989 fez-se sócia da SEA e nos últimos quatro anos fez parte da direcção liderada por Jorge Zacarias, que esteve à frente dos destinos da colectividade durante os últimos 19 anos e que decidiu não se recandidatar.Garante que não é impossível conciliar a vida pessoal, profissional e o tempo dedicado à colectividade, mas admite que é difícil e é necessário criar prioridades. “Abdica-se de muita coisa mas não quero que fique a ideia do sacrifício em prol de um bem comum. Faço porque gosto. Por satisfação. Se acreditamos muito num projecto acaba tudo por ser compensador”, garante quem dedica em média duas e meia a três horas por dia à SEA. Para enfrentar o desafio durante os próximos dois anos de mandato, escolheu para a acompanhar, numa direcção de 13 elementos, mais quatro mulheres. A presidente da assembleia também é do sexo feminino. “As mulheres têm um peso significativo na liderança da euterpe”, garante.
“As colectividades têm que ir à procura das mulheres”

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