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No tempo do poço da morte quando se vendiam brinquedos de lata e penicos de loiça

A feira de Santa Iria realiza-se em Tomar há mais de 300 anos e cada época tem os seus encantos

É entrar meus senhores que aqui moram memórias de coisas de encantar que se reavivam todos os anos quando as antigas crianças voltam à feira.

“Os palhaços andavam pelas ruas, a distribuir panfletos do circo. As barracas de comes e bebes iam abrindo timidamente as portas, mostrando as mesas e bancos corridos, os pipos de vinho e os copos alinhados. As louceiras desembrulhavam cuidadosamente, as loiças, os bonecos, os santinhos, os belos penicos, decorados, com paisagens bucólicas, flores e até imagens piedosas”. É este o olhar que Maria Águeda Costa, 64 anos, doméstica, relança sobre a Feira de Santa Iria da sua meninice. Aquela que era iluminada “com uma luz fraquinha” e na qual eram penduradas nas bancas de roupa as samarras com golas de raposa e os safões de pele, atacadas com cordões. Aquela em que os brinquedos de madeira, de lata, as bonecas de papelão ou celulóide, “enchiam de sonhos, as cabecinhas miúdas, de grandes olhos, arregalados pela cobiça, de tais tesouros. Naquele tempo, as mulheres, de grandes aventais, lenços, mais ou menos garridos na cabeça e xailes de lã (na Santa Iria já faz frio), tomavam conta da mercadoria, enquanto falam, de um modo cantante, que eu ainda conservo”, aponta desiludida com as luzes psicadélicas e a música ao vivo e gravada que ecoa agora no largo da feira. A feira de Santa Iria realiza-se em Tomar há mais de 300 anos e vem-se modificando-se de ano para ano. Actualmente divide-se entre a Várzea Grande, onde são instalados os divertimentos e a Praça da República, onde tem lugar a Feira das Passas. No recinto do mercado municipal são montadas as tasquinhas de comes e bebes onde o frango assado é rei. Mas nem sempre assim foi. Que o diga Vítor Antunes da Silva, 60 anos, um cantoneiro reformado, que defende que a feira antigamente “era mais divertida e melhor”. Lembra-se, sobretudo da sardinha assada, que se vendia nos terrenos localizados em frente da Rodoviária, junto à Várzea Grande. O frango assado era petisco ainda desconhecido e só viria posteriormente. “Naquele tempo as pessoas compravam as sardinhas e depois iam-nas assar nas fogueiras que por ali haviam. Cada vendedor tinha uma fogueira”, contou. A sardinhada era sempre degustada na companhia dos pais e do irmão no dia em que escolhiam ir ao circo que, à época, era “grátis às damas”. A acompanhar a nova água-pé e gasosa para os meninos. A mãe comprava um pão de quilo na Padaria Mesquita (onde hoje funciona a Farmácia Central) para ajudar a compor o petisco. Também a célebre Feira das Passas está diferente. Conta Maria Águeda Costa que o dia 19 de Outubro era, por excelência, o dia da feira das passas. Munidas de seiras de palha ou, cabazes de verga, numa época em que os sacos de plástico não existiam, as senhoras rumavam à feira para comprar os belos frutos secos que no feriado de Todos-os-Santos, a 1 de Novembro, iriam distribuir pelos meninos que pediam “O pão por Deus”. Os frutos secos que restavam seriam para no Natal seguinte enfeitar a mesa da Consoada. A memória mais remota que José Antunes, 87 anos, retém da Feira de Santa Iria é do célebre “Poço da Morte”, divertimento que o levava à feira todos os anos. Já tinha mais de 20 anos quando viu, pela primeira vez, as acrobacias de mota que tinham lugar dentro de um poço de madeira. “Era um espectáculo grandioso que deixava toda a gente de boca aberta”, recorda. José Antunes recorda as filas enormes que se faziam junto “à barraca redonda que parecia com um moinho antigo” e onde um motard fazia manobras impressionantes.” Nunca o vi falhar”, recorda. E teve pena de não ter ido ao certame em 2006, quando o poço da Morte regressou à Feira de Santa Iria após muitos anos de interregno.

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