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Lutar pelo sonho de ser toureiro aos 16 anos

Lutar pelo sonho de ser toureiro aos 16 anos

Festival taurino animou Praça de Toiros da vila de Azambuja

Têm 16 anos e em comum a vontade de ser toureiros. João Martins e Diogo Damas, dois dos alunos mais avançados da Escola de Toureio de Azambuja, animaram o festival taurino do último domingo.

João Martins aventura-se com o capote frente ao novilho na Praça de Toiros de Azambuja. Ar inocente - de quem tem 16 anos e enfrenta o primeiro animal na arena – mas garra e estilo que fazem arrancar palmas nas bancadas aos primeiros movimentos.Na manta bicolor que agita não consta ainda o nome do rapaz que quer ser matador de toiros, mas da Escola de Toureio de Azambuja, secção da Associação Cultural Poisada do Campino, que na tarde de domingo, 25 de Outubro, proporcionou ao ainda “bezerrista” a primeira entrada em cena, num espectáculo que teve como objectivo angariação de fundos para a escola.Enverga traje cinzento, à espanhola, confeccionado por um alfaiate de Porto Alto e ajustado à medida dos seus sonhos. E o que é ser toureiro? A resposta há pelo menos dois anos que ganha raízes dentro de si: “É a profissão mas bonita do mundo”, diz com a emoção própria de quem fala de ambições.João Martins vive em Alenquer, mas estuda Marketing no 10º ano na Escola Secundária de Azambuja. É na vila vizinha que todas as terças e quintas-feiras mergulha profundamente no treino de três horas que lhe permite continuar a acalentar o sonho. Em casa, onde toda a gente fala de toiros e cavalos, também se dedica ao treino. E no dia em que pela primeira vez entrou na arena o irmão, o cavaleiro Tiago Martins, também integrou o cartel. Entrou na praça com o pé direito, depois de uma oração solitária antes de enfrentar o primeiro novilho. Azambuja é um óptimo sítio para começar, acredita João Martins. El Rui, Miguel Ángel Perera e o Morante são referências além fronteiras. Cá dentro é Pedrito de Portugal e Vítor Mendes que fazem sonhar. João Martins sabe os sacrifícios que os esperam e a provável ida para Espanha – “onde se fazem os toureiros” – mas é por ter a noção exacta do que a arte lhe pede que se vai poupando aos entretenimentos de quem tem a sua idade. Porque é preciso conciliar a arte com o estudo. “Gosto de sair, mas poupo-me para estar fresco”, justifica-se. Diogo Damas também o faz. Não fuma e não bebe. Um começo de sacerdócio, segundo os mestres mais antigos do toureio. Os tempos livres são dedicados ao futebol entre amigos. Treinar o corpo e disciplinar a alma. O aluno do nono ano de Manique do Intendente, onde reside, está decidido a tornar-se emigrante. Quer rumar a Espanha e tentar por lá a sorte na arte que aprende vai para seis anos em Azambuja.É a quarta vez que o novilheiro praticante entra na arena e por lá vence o medo. Quer fazer carreira no toureio. O seu objectivo é acabar o nono ano e ir para Espanha tourear. Ser matador de toiros é a sua ambição. O pai foi forcado. A mãe é neta de um campino. O irmão enfrenta o toiro de caras no grupo de Amadores da Moita. Quer ser toureiro, como aqueles homens vestidos de traje de luzes que admira. “Figuras espectaculares, humildes principalmente”. Até chegar lá um longo caminho o espera. É preciso treinar todos os dias, aprender a compreender o toiro, envolver o público e mentalizar-se de que vai correr tudo bem porque “o perigo tanto pode acontecer aqui como acontecer numa estrada”.Discotecas e bares são coisas para o futuro. E namorada?, pergunta-se-lhe. “Não… Um dia mais tarde. Quero concentrar-me no toiro, no toiro e no toiro”. Palavra de quem quer ser toureiro.“Em Portugal brincamos aos toureiros”É preciso um jovem que revolucione a Festa, diz José FialhoÉ preciso um jovem que revolucione o toureio a pé em Portugal e que chame a atenção do público. Quem o diz é José Fialho, director e professor da Escola de Toureio de Azambuja, secção da Associação Cultural Poisada do Campino, que no domingo organizou um festival taurino para angariação de fundos para a escola. “Digo isto com muita mágoa, mas em Portugal parece que andamos a brincar aos toureiros. As empresas não montam corridas mistas ou novilhadas. Como se podem fazer toureiros se não há corridas para eles?”, interroga-se.O director da escola, que ajuda os alunos a lutar pelo sonho de singrar na festa, lembra que há centenas de cavaleiros em Portugal e garante que as empresas montam muitos cartéis incluindo-os porque há até quem pague o toiro. “Muitos cavaleiros pagam o toiro caso contrário não toureavam. Só toureiam os filhos dos senhores que já têm nome”, critica o homem que já teve o sonho de ser toureiro. “O toureio a pé é complicado. Se aparecesse um miúdo a dizer: ‘estou aqui e eu é que mando” seria meio caminho andado”, antevê.Para se ser toureiro, defende o professor, é muito importante ter aficion, força de vontade e empenho a ponto de tourear todos os dias. “Costumo dizer que se é toureiro 24 horas por dia”. Tem que ter, sobretudo, coração. Uma “máquina muito forte” para suportar estar à frente do animal.Além disso o toureiro tem que ter arte, “maneiras de estar à frente do toiro”, mantendo a sua dignidade e elegância. Não arredar pé. O que mexe é a muleta ou o capote. “Não é toureiro qualquer pessoa que o queira ser. Ou teríamos muito toureiros”.José Fialho não teve possibilidades de rumar a Espanha para fazer carreira, mas lutou como pôde pelo sonho. “Não via mais nada à minha frente e treinava várias horas por dia”, recorda. Passava os dias na “Monumental Caixote” a praticar e seguia para tentaderos, a pé, de trouxa às costas. Rumou a Coruche e Vila Franca de Xira. “Apanhava o comboio e ia até à Ponta de Erva a pé. Às vezes não havia tenta. Voltava para trás e não toureava”.Para ser toureiro é preciso ter a sorte de ter muitas ajudas, reconhece quem as não teve. “De qualquer forma não sei se teria sido figura. Isso é uma coisa que só Deus sabe”.O festival taurino de Azambuja, que decorreu no domingo coincidiu também com o encontro de antigos praticantes. “Todos os anos fazemos este encontro para reunir todas as pessoas que um dia quiseram ser toureiros. E alguns têm já 80 anos”, ilustra.Como José Fialho também houve uma mulher – Ana Maria de Azambuja – que a seu tempo fez vergar alguns toureiros da praça. “Era valente e de grande coração. Uma toureira com garra”, diz José Fialho que na escola de toureio alberga também raparigas com a mesma paixão.
Lutar pelo sonho de ser toureiro aos 16 anos

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