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“A psicologia do desporto ajuda a fazer a diferença”

“A psicologia do desporto ajuda a fazer a diferença”

Paulo Malico Sousa é o psicólogo da equipa de hóquei do Benfica

Professor universitário e investigador científico Paulo Malico Sousa é, desde Setembro, o psicólogo da equipa sénior de hóquei em patins do Benfica. Em entrevista a O MIRANTE, o vilafranquense de 39 anos – que tem um currículo académico impressionante – garante que a psicologia do desporto “ajuda a fazer a diferença”, mas lamenta que em Portugal esse reconhecimento tarde em chegar, ao contrário do que já acontece lá fora. Considera “sério, realista e meritório”, o trabalho da direcção da União Desportiva Vilafranquense, o clube do seu coração.Jorge Afonso da Silva

Como surgiu o convite do Benfica?O professor Luís Sénica – treinador da equipa sénior de hóquei em patins do Benfica – saiu da selecção e entendeu que deveria ter a trabalhar com ele um psicólogo. Foram apresentadas várias propostas e a minha foi aceite. Pediram-me para fazer o diagnóstico da situação individual e colectiva do grupo e, se as coisas corressem bem havia a possibilidade de fazer um contrato e de dar continuidade a esse trabalho inicial. Senti-me bem, o clube e a equipa técnica gostaram da minha prestação e assinei por um ano com o Benfica. Desde o início da época que faço parte da estrutura técnica do hóquei sénior do Benfica juntamente com o professor Luís Sénica e o professor Nuno Ferrão que é o treinador adjunto.Contratar psicólogos para as equipas técnicas é uma coisa recente em Portugal…Não tem muitos anos. As intervenções que têm acontecido ao nível da psicologia em alta competição no nosso país têm sido esporádicas e com pouca continuidade. Excepto a intervenção do colega Pedro Almeida, que esteve no Benfica com o Jesualdo Ferreira e o Toni e que tem um trabalho com mais de 10 anos. Ao contrário do que acontece noutros países onde já há uma larga tradição na intervenção psicológica no alto rendimento. Na América os psicólogos fazem parte das equipas técnicas em modalidades como o basebol, basquetebol ou hóquei. Desde a época 2001/2002, altura em que o Real Madrid criou um gabinete de psicologia, que tem havido uma tendência crescente em toda a Europa, em particular na Espanha, onde muitos clubes seguiram o exemplo, de se trabalhar de uma forma efectiva nessa área. Acha que só agora estamos a dar os primeiros passos?Sim. Com dificuldade e resistência por parte de alguns treinadores menos informados. Depois, a conjuntura económica não potencia, neste momento, a entrada de mais um elemento para uma equipa técnica. O processo é lento mas consistente no sentido de se integrar alguém especialista na área da psicologia para ajudar no treino mental dos atletas, que é uma das quatro vertentes fundamentais no alto rendimento. O treino psicológico é tão importante quanto o treino físico, técnico e táctico. Estas quatro dimensões estão de mãos dadas e quando as primeiras intervenções começarem a dar resultado, acredito que alguns treinadores menos sensibilizados para esta questão, vão perceber a importância do psicólogo na melhoria do rendimento dos atletas. Normalmente são os treinadores mais bem informados, aqueles que têm formação académica ao nível superior, que mais rapidamente têm essa percepção e recorrem aos serviços de um especialista em psicologia do desporto para os ajudar nessa área. Como será no futuro?Acredito que o panorama vai mudar. Até porque estamos a preparar ao nível do ensino superior vários alunos que terão essa competência específica. Já há licenciaturas, pós-graduações e mestrados em psicologia do desporto na Escola Superior de Desporto de Rio Maior e na Faculdade de Motricidade Humana. Quando é que se deve iniciar essa intervenção psicológica?Deve-se começar nos escalões de formação. São os atletas mais jovens que mais facilmente adquirem competências psicológicas básicas, em contraponto com os atletas mais veteranos, que mais dificilmente conseguem moldar o seu comportamento através das técnicas de modificação comportamental que vamos implementando. A ideia é fazer estas intervenções o mais cedo possível. Ao nível dos iniciados, com 12,14 anos, seria a altura ideal para se começar o treino psicológico, como se faz no treino físico, técnico ou táctico. Seria interessante fazer a evolução do processo mental a partir daí.Como é que é feito o trabalho psicológico numa equipa de alta competição?Há vários modelos de intervenção. Preconizo um modelo que consiste em várias fases ao longo da época. A primeira consiste num diagnóstico da situação feito na pré-época. O psicólogo vai para o terreno, equipado como mais um elemento da equipa técnica, faz observação directa e sistemática do comportamento dos atletas em treino e depois em competição. Através de uma grelha de registo de dados que ele próprio constrói, vai avaliando algumas componentes dos atletas. Depois, é feito uma bateria de testes e provas psicológicas especificamente vocacionados para o contexto desportivo. Cruzam-se os dados e numa entrevista final chega-se ao perfil psicológico e a um diagnóstico mais claro sobre cada um dos atletas. A partir daí inicia-se a segunda fase que é um trabalho mais de gabinete, em que através de técnicas de modificação comportamental, cientificamente comprovadas e validadas, vamos encetar melhorias nas diversas vertentes mentais para que o atleta seja cada vez melhor. É possível evoluir psicologicamente?É possível melhorar competências psicológicas da mesma forma que é possível melhorar as competências físicas, técnicas e tácticas. Treinando-as e tornando mais elástico o nosso cérebro. Cada atleta é um caso e cada indivíduo tem o seu potencial de evolução à semelhança de todas as áreas de intervenção da psicologia. Acha que isso fará a diferença no resultado final?A psicologia ajuda a fazer a diferença. O objectivo da psicologia não é resolver mas sim ajudar a resolver. Por si só o treino psicológico não contribuiu com nada. Mas integrado num modelo de treino em que também se valoriza a vertente técnica, física e táctica, de certeza que ajuda. Quando uma componente falha as outras também. A psicologia do desporto ajuda a melhorar o rendimento e as competências psicológicas dos atletas.“Direcção da UDV tem feito trabalho sério, realista e meritório”Considera que a psicologia também se pode aplicar aos escalões inferiores?Na média e baixa competição não podemos ter planos de intervenção ao mesmo nível daqueles que são aplicados em alta competição. Porque o atleta trabalha, chega atrasado à hora do treino e depois de terminar vai-se logo embora ou o psicólogo não tem um espaço próprio para intervir. A situação tem contornos diferentes e as coisas devem ser vistas na sua proporcionalidade e ajustadas à realidade de cada um. Mas é possível intervir ao nível dos escalões inferiores. Há atletas que competem na média e baixa competição, que pela sua idade e potencial de evolução, se trabalhassem a componente psicológica, poderiam chegar à alta competição.Que leitura faz da realidade desportiva do concelho?Em tempos, no Alverca e no Vilafranquense trabalhou-se muito para além daquilo que eram as possibilidades reais dos dois principais clubes do concelho. Deu-se um passo maior que a perna. No Vilafranquense não era compatível pagar-se o que se pagava aos jogadores do hóquei e do futebol. O clube não tinha recursos financeiros nem patrocínios que pudessem suportar tão altos vencimentos. No Alverca e no Alhandra – embora não sejam realidades que domine tão bem – presumo que tenham acontecido situações semelhantes. Muitos clubes pretenderam evoluir mais rapidamente do que a estrutura poderia suportar e foram triturados pelo próprio percurso. Foi a ambição desmedida de alguém que fez com que caíssemos no abismo e agora dificilmente sairemos daí.Como vê a gestão que está a ser feita na União Desportiva Vilafranquense (UDV)?Tenho acompanhado com algum pormenor e apreciado com muito entusiasmo o trabalho sério, realista e meritório que esta direcção, que agora assumiu o segundo mandato, está a desenvolver. Têm feito um esforço muito grande e lavado um pouco a cara do clube. Neste momento, mais importante do que os resultados desportivos, é a própria subsistência da UDV. Estão a trabalhar com os recursos disponíveis e o caminho é esse. Como é o clube da minha terra, do qual sou sócio desde sempre, gostava de deixar este meu reconhecimento para quem tem feito das fraquezas forças para que a UDV subsista. Concorda com o caminho que está a ser seguido?É o único possível. O futuro passa, ou pela aposta na formação, ou pelo desaparecimento. Temos de começar a dar passos lentos, mas consistentes, ou então desaparecemos. Não há outra saída. Deve-se pagar apenas aquilo que se pode de acordo com a nossa realidade. Estou em sintonia com o que se está a fazer no vilafranquense. Os nossos recursos actuais não passam por ter equipas de futebol nos nacionais nem equipas competitivas no hóquei em patins. Não há patrocinadores que disponibilizem verbas. Não se pode hipotecar o futuro do clube com uma ou duas presenças numa liga mais forte e depois não haver recursos para o sustentar nessa liga.Compreendeu que a equipa sénior de hóquei em patins tivesse acabado?Perfeitamente. Tem que se assumir de uma vez por todas que não temos condições para ter uma equipa competitiva a esse nível. Enquanto sócio é essa a minha leitura. Não há condições financeiras para uma realidade desse tipo. Por muito que nos custe – e a mim custou-me particularmente muito, pois o meu avô materno (António Carlos Sousa) foi um dos fundadores do hóquei em patins em Vila Franca de Xira – há que aceitar e compreender a decisão. Mas sei que é uma modalidade muito querida pelos vilafranquenses e foi uma bandeira do clube e mesmo da cidade.UDV e Alverca tinham muita tradição no hóquei em patins…Na altura em que jogavam no mesmo escalão, havia muita competitividade entre o Alverca e a UDV em hóquei em patins. Era a modalidade que alimentava essa rivalidade entre os dois clubes mais representativos do concelho. Com o fim das duas equipas seniores de hóquei em patins, essa rivalidade retornou com o futebol pois ambos os clubes disputam a primeira divisão da associação de Futebol de Lisboa.Professor e investigador científico com um currículo impressionantePaulo Malico Sousa nasceu a 17 de Junho de 1970 na Praceta Vida Ribatejana em Vila Franca de Xira, onde viveu até aos 33 anos. Após o casamento mudou-se para o Carregado – onde hoje reside – mas assume-se um vilafranquense de corpo e alma. É sócio e adepto da União Desportiva Vilafranquense (UDV) e tem acompanhado de perto a vida do clube da sua terra e do seu coração.Antes de ingressar na universidade fez todo o percurso escolar na terra de Alves Redol. Frequentou o ensino primário na antiga escola do adro – hoje parque de estacionamento da Junta de Freguesia de Vila Franca de Xira –, fez o ciclo preparatório onde está actualmente sediado o quartel dos bombeiros e o ensino secundário na Escola Professor Reynaldo dos Santos na zona do Bom Retiro.Depois de ter acabado o 12º ano ingressou na faculdade, estudou cinco anos gestão de empresas mas não concluiu o curso. Aos 24 anos optou pela área que “achava ser a sua vocação”. Psicologia. A partir daí nunca mais parou. É licenciado em psicologia social das organizações pela Universidade Lusófona, mestre em psicologia do desporto pela Faculdade de Motricidade Humana e é, actualmente, o único português com doutoramento europeu em ciências do desporto na variante de psicologia do desporto (titulo de “Doctor Europeo”). “O doutoramento tem que ser feito em duas universidades da União Europeia (UE), (Faculdade de Motricidade Humana e Faculdade Medicina Córdoba, Espanha), escrito e defendido em dois idiomas, tem que ter no júri professores catedráticos de dois países da EU e tem que ser avalizado por professores de três países da EU”, explica Paulo Malico Sousa que defendeu a tese em 2008.De momento é docente universitário em quatro estabelecimentos de ensino em cursos de licenciaturas, mestrados ou doutoramentos: Escola Superior de Rio Maior (Instituto Politécnico de Santarém), Instituto Piaget (Almada), Faculdade de Motricidade Humana e na Faculdade de Medicina de Córdoba, Espanha. Foi ainda professor de psicologia nos cursos de treinador de futebol e de futsal da Associação de Futebol de Santarém, entre 2001 a 2004. Na época 2001/2002 foi psicólogo da equipa sénior do Estoril Praia. Em 2004/1005 exerceu a mesma função, mas desta vez na equipa do Santa Clara dos Açores e, desde Setembro último, ingressou como psicólogo na equipa técnica dos seniores de hóquei em patins do Benfica Paulo Malico Sousa é ainda investigador científico. Tem 9 artigos publicados em revistas nacionais e internacionais. Dois deles editados em revistas de factor de impacto mundial. Além disso já teve várias intervenções em congressos sobre a psicologia do desporto nomeadamente em Portugal, Espanha e Brasil e continua a ser convidado com regularidade.“Pais projectam nos filhos aquilo que não conseguiram ser”“Devem ser as crianças e adolescentes a criar a sua própria vida e a trilhar o seu próprio caminho. Não serem os pais a inventar a vida que querem para os filhos”. A ideia é defendida por Paulo Malico Sousa. Apesar de nunca ter trabalhado directamente com jovens, o psicólogo considera que, muitas vezes, os progenitores “projectam nos filhos aquilo que não conseguiram ser enquanto adolescentes e jovens. Os filhos carregam esse peso”, refere.No contexto desportivo, o triângulo pais, treinadores e atletas é “muito difícil de gerir neste momento porque as expectativas dos pais são elevadas e em muitos casos querem que os filhos sejam estrelas”. As “influências e pressões que estes exercem sobre os filhos e treinadores reflecte-se no equilíbrio do triângulo”. Em termos culturais, o psicólogo defende que ainda não estamos evoluídos ao ponto de se poder sanar esses obstáculos, mas que essa não é uma realidade só nossa, apesar de em termos gerais as coisas estarem a melhorar. A formação académica dos jovens treinadores e o trabalho que se já vai fazendo na pedagogia comportamental têm ajudado a adquirir essa sensibilidade.Paulo Malico Sousa dá o exemplo de um trabalho efectuado por um professor espanhol tendo por base a seguinte pergunta: “O que é que os pais perguntam aos filhos depois de um jogo de futebol? Ganhaste Filho?”. Quando a pergunta devia ser: “Divertiste-te filho?”.
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