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“Adoro a política e encaro-a com espírito de missão”

“Adoro a política e encaro-a com espírito de missão”

Francisco do Vale Antunes é presidente do SMAS e vereador da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira

Foi fundador de um clube recreativo no bairro operário onde cresceu, no Sobralinho. Aos 14 anos já trabalhava numa fábrica, mas continuou a estudar até chegar a técnico oficial de contas. Foi mobilizado para o Ultramar, ensinou a ler e a escrever e no regresso a Portugal recusou o facilitismo do ensino superior. O vereador da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira e presidente dos Serviços Municipais de Água e Saneamento, Francisco do Vale Antunes, é um autarca discreto que se confessa apaixonado pela política que encara com espírito de missão.

Nasceu no concelho de Arruda dos Vinhos, mas veio muito jovem para Vila Franca de Xira.Os meus pais migraram para o concelho de Vila Franca de Xira tinha eu oito ou nove anos. O meu pai trabalhou na indústria local como operário. Por aqui fui ficando a trabalhar e a estudar à noite a partir dos 14 anos na Escola Comercial e Industrial de Vila Franca de Xira. Constitui família e continuo a residir no Sobralinho. Os meus pais regressaram à aldeia onde vou sempre que posso cumprimentá-los e usufruir um pouco deles. Como foi viver num bairro fabril?No Bairro do Torrão, no Sobralinho, ajudei a formar um clube e embrenhei-me nas questões sociais e nas questões recrea-tivas e desportivas. Foi a minha grande escola conviver com as pessoas a nível de operariado. Nasci numa família humilde que me deu uma base sólida sobre o que é a vida. Criei raízes de respeito para com o próximo e valores de ética dos quais não abdico e que me foram transmitidos pelos meus pais. Ajudou a criar um clube?Fui fundador do Clube Recreativo do Torrão em conjunto com dois jovens. Na tasca da D. Isaura havia umas rifas. Quem ganhasse a última, onde estava as fotografias dos jogadores de futebol, recebia uma bola. A partir dessa bola criámos o clube. Éramos menores. Abordámos pessoas de maior idade, ganhando-as para aquele projecto. Esse clube teve uma componente social muito forte. Um dos objectivos na altura, não havia ainda a freguesia do Sobralinho, era tentar saber junto do presidente de junta quais as famílias mais carenciadas. Depois esforçávamo-os para conseguir roupas e cabazes para minimizar as dificuldades dessas mesmas famílias pelo Natal. Muitas pessoas ajudaram-nos a criar o clube num bairro que é muito pobre e que entretanto foi definhando pelas empresas que entretanto também foram fechando, mas houve um senhor – João Coutinho – que foi uma alma da dinamização daquele clube.O que se fazia no clube?A componente cultural era muito forte. Tínhamos uma biblioteca e dávamos aulas de Esperanto. Foi ali que aprendi a ser homem com esses homens e algumas mulheres também. Criaram em mim princípios de disponibilidade social que me fazem hoje pensar no próximo. Cimentaram aquilo que hoje sou. O que é importante quando se lida com a coisa pública. Quando o dinheiro é nosso fazemos ao dinheiro o que queremos. Quando o dinheiro é do comum temos que pensar muito bem antes de gastar. Orgulho-me de ser autarca numa das câmaras do país que paga a tempo e horas aos fornecedores e que cumprem rigorosamente os factores de gestão. Começou a trabalhar por opção ou necessidade?Era filho único. Os meus pais têm algumas propriedades na Carvalha, onde nasci, uma aldeia pobre, de minifúndio, muito vincado, mas tinham algumas dificuldades e houve oportunidade de vir para a indústria no concelho de Vila Franca de Xira. E onde arranjou emprego?Estava há dois dias no Sobralinho. Tinha nove anos. Fui até ao café mais próximo tentar aproximar-me dos miúdos. Ouvi a D. Amélia do café dizer que precisava de um miúdo para a ajudar na mercearia. Saí disparado a correr para ir ter com a minha mãe. Ao terceiro dia estava atrás de um balcão na mercearia da D. Amélia. Depois concorri para a fábrica Macol onde o meu pai trabalhava. Fui admitido e pedi à empresa para ir estudar. O administrador, à época o senhor António Saraiva Lobo, chamou-me ao gabinete e disse-me que por cada ano que passasse me aumentava 20 escudos. E enquanto esteve na fábrica cumpriu religiosamente o prometido porque eu fui sempre passando. Criou em mim um factor de exigência e responsabilidade grande que tento transmitir às pessoas com quem trabalho. Não tinha ainda os 14 anos quando me pagaram o primeiro ordenado. Foi uma alegria ter aquele pecúlio. Qual era a sua função?Fui trabalhar para o escritório como telefonista e apontador. Ouvia histórias peculiares daquela gente. Um dia estava no PBX com aquelas alavancas e recebi um telefonema para o senhor engenheiro Dias Lopes. Tinha acabado de sujar as mãos num tinteiro e ia limpar de seguida. Eu tentava que ele fosse atender num dos telefones do escritório e ele teimava em vir ao PBX. Quando pegou no telefone percebeu o porquê da minha insistência (risos)E concluiu o liceu a trabalhar.A trabalhar tirei o curso geral de comércio. Na altura, na área da indústria, havia cursos importantes, de serralheiro, torneiro e electricista, que infelizmente acabaram. Eram formadores de homens e formadores de bons profissionais. Davam garantia de emprego quer na área comercial quer na área industrial. Tinham uma componente pedagógica, que se está a tentar recuperar, útil para quem não segue a via académica.É uma pessoa exigente consigo própria. Como é lidar com os colaboradores do SMAS e da câmara?Tento transmitir primeiro muita responsabilidade. Nessa transmissão de responsabilidade tento ser exemplo. Exemplo de assiduidade, pontualidade e responsabilidade. Trabalhamos com a coisa pública e somos todos muito visíveis. Temos que tentar atingir a melhor performance possível independentemente do lugar que tenhamos na estrutura. Seja, no caso dos Serviços Municipais de Água e Saneamento, o cabouqueiro, com toda a dignidade que têm, seja o canalizador, o engenheiro chefe de divisão ou a administrativa. Nunca me ponho em bicos de pés. Se for preciso levanto-me da secretária e vou apanhar o papel. Evito que se instale medo, mas antes o respeito e imagem de exigência e pró-actividade motivando-as para melhorar as suas possibilidades. Não quer dizer que não tenha cometido erros. Quem não decide não comete erros, mas prefiro uma eventual menos boa decisão a uma omissão de decisão.É uma pessoa discreta. Porque é que aceitou entrar na política?Adoro a política e encaro-a com espírito de missão. Gosto de estar bem documentado para as abordagens que me são feitas quer em reuniões de câmara, quer em assembleias municipais. Não gosto do show off. Gosto de me levantar de manhã, olhar para o espelho e sentir que sou o mesmo Vale Antunes com nove anos e projectos de desejos de formação pessoal que nunca devem ser dados como atingidos. Ainda não se decepcionou?Acho que a palavra decepcionado é forte e não estou. A política autárquica é aliciante tal como a vejo e como a vê a generalidade dos autarcas. É resolver os problemas das pessoas. Frustra-me quando não consigo. A morosidade às vezes da burocracia leva a que a solução tarde, mas estar próximo das pessoas e ter actividade política no âmbito autárquico é estimulante. Tento motivar os técnicos mais novos e que os menos jovens não se sintam desamparados contribuindo com a sua experiência para que as coisas se desenvolvam.Um autarca discreto de princípios vincadosFrancisco do Vale Antunes tem 60 anos. Nasceu na Carvalha, uma aldeia da freguesia de S. Tiago dos Velhos, concelho de Arruda dos Vinhos, mas veio ainda menino para Vila Franca de Xira. O pai era operário fabril na Macol e a família foi viver para o actual bairro do torrão onde Vale Antunes se fez homem. Trabalhou ao balcão da mercearia da D. Amélia e ajudou a fundar o Clube Recreativo do Torrão. Aos 14 anos entrou para a fábrica onde estava o pai. Delirou com o primeiro ordenado, mas não ficou por aí. Quis ser trabalhador estudante e o patrão prometeu-lhe que o aumentaria se fosse bem sucedido. Assim foi. Vinte escudos de aumento por cada ano que passou. O técnico oficial de contas de formação, que concluiu o curso comercial na Escola Comercial e Industrial de Vila Franca de Xira, é filho único, pessoa de rigor e de princípios vincados. Foi mobilizado para o Ultramar em 1972, chorou quando soube a notícia, mas aproveitou a passagem por Angola – onde aprendeu a cheirar a canela – para se envolver num projecto pedagógico: ensinar camaradas a ler e a escrever. Pertenceu aos Serviços Secretos do Exército. Habituou-se a não levar os assuntos do trabalho para casa. Foi responsável da área financeira da multinacional Cargill que conseguiu trazer do coração de Lisboa para o Sobralinho. “As multinacionais são impessoais, mas têm graus de exigência bem balizados. Em termos profissionais foi das melhores coisas que fiz na vida”, confessa.Foi autarca de freguesia no Sobralinho, mas durante esses dez anos na empresa hibernou para a política. O convite da amiga Maria da Luz Rosinha fê-lo regressar mais tarde. Certificou-se de que tinha o apoio da família antes de aceitar o desafio de integrar as listas do PS. Tem dois filhos, a trabalhar na área do design industrial e criativo. Reside no Sobralinho e gosta de percorrer a pé o passeio ribeirinho. Quando recebeu o pelouro da higiene pública como vereador da Câmara de Vila Franca de Xira quis sentir no terreno as dificuldades e ficou surpreendido quando o senhor Abílio, entretanto reformado, lhe disse que era a primeira vez que um vereador fazia aquele percurso e já ali estava há trinta anos. “Apareci junto do parque auto à meia-noite. É uma questão de opção. Não fiscalizo, gosto apenas de perceber as dificuldades”. Mais tarde fez questão de fazer um outro percurso, dentro dos camiões de recolha de resíduos sólidos urbanos, na noite chuvosa de Natal de 2008, num dos circuitos mais complicados da zona de Arcena. “É um trabalho complicado, mas penso que reconhecido pelas pessoas. Se a linha de água tem problemas calço as galochas e vou lá para dentro. Gosto de estar bem informado para decidir com menos margem de erro”. A política é uma paixão para Francisco do Vale Antunes. Criou um núcleo político do Partido Socialista na empresa onde trabalhou. “Entendo que num partido político, seja qual for, temos direito à diferença e a não estar de acordo. No Partido Socialista nunca me senti coagido a não estar de acordo com os meus princípios”. Tratamento de esgotos no concelho de Vila Franca de Xira em pleno em 2011Como é que a esta altura e com tanto dinheiro disponibilizado a cobertura da rede de saneamento não é ainda de 100 por cento?No concelho de Vila Franca de Xira, já de alguns anos a esta parte, a recolha dos efluentes ronda os níveis de 100 por cento. Isso não acontece em zonas mais dispersas onde existem as chamadas fossas sépticas. A recolha é feita pelos SMAS e seguem depois para o tratamento respectivo. E em termos de tratamento?É diferente. Mais de 90 por cento dos esgotos produzidos na freguesia de Castanheira do Ribatejo, Vila Franca de Xira, uma parte de S. João dos Montes e Alhandra já estão a ser devidamente tratados na Etar de Vila Franca de Xira. Temos algumas dificuldades no lugar das Quintas [Castanheira do Ribatejo]. Cachoeiras está a ser tratada na Etar que lá está localizada. Os esgotos da Granja e Alpriate, em Vialonga, são tratados na Etar de Frielas que pertence a Loures. Alguma indústria tem que instalar Etar’s de pré tratamento para que o efluente tenha condições para ser tratado sem ferir os processos químicos. E a Etar de Alverca?A Etar de Alverca, considerando que falta ligar Forte da Casa, Póvoa e Vialonga, talvez esteja a tratar um terço do seu potencial. Entrou em funcionamento a 1 de Janeiro. Para o Forte da Casa, Póvoa de Santa Iria e Vialonga a Cimtejo está a construir as estações elevatórias e os emissários que permitirão que estas freguesias fiquem depois todas ligadas à Etar. Iniciámos o ano de 2010 com o tratamento anual de cerca de cinco milhões e meio de metros cúbicos de esgoto doméstico. Faltará depois adicionar estas três freguesias. Alverca já está a receber os lixiviados de Mato da Cruz da Valorsul. O Sobralinho vai ficar totalmente ligado a partir de 1 de Abril. Trancoso e Calhandriz vai ter uma ligação para Alverca. Veremos o ciclo fechado do tratamento das águas em finais de 2011 com resultados palpáveis no Tejo. Quase a olho nu vemos esta questão a reflectir-se positivamente no rio, potenciando o esforço da câmara municipal na requalificação da zona ribeirinha.E em relação aos separativos?Em várias freguesias estamos a gastar cerca de dois milhões de euros por ano para fazer os separativos: as águas residuais seguem para tratamento e as águas pluviais para o Tejo. Ganhamos dois factores: não tratamos águas limpas, o que tem custos suportados pelo erário público e criamos lâminas de água para que nos dias de maior pluviosidade não saltem tampas. Em Vialonga choviam uns pingos e ficava a rua inundada, como dizia o ex-presidente da junta, Manuel Valente. Desde que os separativos foram construídos nunca mais tivemos esse problema. Este problema está a demorar mais do que devia a ser resolvido.Vila Franca de Xira faz parte da Cimtejo tal como outros municípios. Houve durante vários anos dificuldades financeiras da Cimtejo que deu origem a alguns atrasos de obra. Essas dificuldades foram ultrapassadas há dois ou três anos, o que permitiu que a Cimtejo tivesse capacidade para lançar concursos e recursos financeiros para os solver.Vila Franca de Xira, tal como Mafra, fez questão de cumprir sempre os deveres financeiros ao contrário de outros municípios que só mais recentemente tivera essa possibilidade. Fomos vítimas dessas dificuldades financeiras da Cimtejo.O militar dos serviços secretos do Exército chorou quando soube que estava mobilizado para a GuerraFoi mobilizado para o Ultramar. Como foi essa experiência?Disseram-me que não iria para o Ultramar se conseguisse ficar entre os dez primeiros do curso. Inscrevi-me no ensino superior. Houve um levantamento do rancho. Havia hippies e alguns entravam no quartel com uma mochila nas costas que dizia: make love not war (faça amor e não guerra). Uma vez identificados foram descredenciados. Repescaram toda a gente. Consegui ficar em oitavo lugar em 202 homens. Trabalhava de manhã na empresa e ia à tarde ao serviço militar. Estive dois anos no continente e quando pensava que não ia para o Ultramar acabei por ser mobilizado.Como recebeu essa notícia?Quando soube que estava mobilizado chorei. Sou filho único. Foi uma frustração ir para o Ultramar. Esforcei-me para ficar dentro dos primeiros dez. Era operador numa área relacionada com os Serviços Secretos do Exército. Achava impossível estar durante dois anos longe dos meus pais. Não fui filho da mamã porque não comi o pão que o Diabo amassou, mas comi muitas dificuldades dos meus pais que tiveram uma vida digna, mas difícil. No Ultramar percebi uma coisa: o ser humano está preparado para coisas impensáveis em relação àquilo que é a sua capacidade de adaptação e sofrimento. É a génese humana. E em Angola?A minha companhia era de naturais de Angola. Uma mescla magnífica. Foi possível ser professor daqueles que não sabiam ler ou escrever e acabar a missão e deixá-los com a formação académica possível e que dava uma equivalência ao quarto ano. Foi das coisas mais bonitas que vivi. Juntávamo-nos no refeitório a ensinar aqueles rapazes a ler e a escrever. Angola foi um país que me apaixonou e que gostava de visitar com a minha mulher e com os meus filhos, mas que infelizmente tardou a pacificar-se. Por essa razão fui adiando a ida a Angola. Até que há poucos anos um amigo foi assassinado com a família numa caçada e abandonei mesmo essa ideia. Desejo a Angola tudo de bom.O seu trabalho era decifrar mensagens. Hoje já existe sofisticação informática que permite gerir todos aqueles segredos, mas à época era tudo manual. A informação passava-se por regras estritamente confidenciais. Fascinava-me aquele trabalho. Quando uma mensagem dava indecifrável tínhamos que informar a hierarquia. Um dia sentei-me na secretária lutando contra um indecifrável. Era uma mensagem com um grau de urgência enorme. Lutei jogando com tudo o que era a minha imaginação e o que tinha aprendido. Ao fim de largos minutos consegui ler a mensagem. Sozinho no gabinete dei berros de alegria. No dia seguinte recebemos uma mensagem do comando a pedir a presença imediata em Luanda. A mensagem seguiu para várias companhias e aquela tinha sido a única que não tinha acusado indecifrável.Acabou por seguir mais tarde os seus estudos?Quando regressei a Portugal encontro o facilitismo académico. Com toda a facilidade se conseguia terminar cursos de engenharia. Enquanto aquela situação durou não quis ir para uma escola onde aprenderia eventualmente pouco e teria o canudo rápido na mão. Optei por ir fazendo cursos de formação específica em várias áreas. Tive sempre essa facilidade nas empresas por onde passei e atingi alguns lugares de topo.
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