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A arte de moldar a madeira em formas redondas

A arte de moldar a madeira em formas redondas

Fernando Gomes é dos poucos torneiros de madeira de Pernes que continuam a tradição

Trabalha com a naturalidade e destreza de quem quase não fez outra coisa desde os dez anos. Ricardo Carreira

Fernando Gomes começou a trabalhar aos dez anos e desde então que praticamente dedicou a sua vida profissional à arte de trabalhar a madeira no torno. Apenas um interregno entre os 14 e os 33 anos, numa recauchutagem de pneus, o afastou do trabalho com a madeira. Em Pernes, terra onde nasceu e vive há 66 anos, pouco mais havia que fazer do que os torneados de madeira que chegaram a envolver 1.300 operários e 130 torneiros.São quatro da tarde de sexta-feira e Fernando Gomes tem dezenas de bases de madeira para bonecos para fazer. De forma octogonal, as bases são trabalhadas na serralharia de oficina de Manuel Joaquim Duarte, que produz mil e um objectos em madeira. Um dos cantos da oficina é do artesão. Em pé durante todo o dia de trabalho, Fernando Gomes faz rodar o torno eléctrico a mais de duas mil rotações por minuto. Prende cada base com um parafuso que se encrosta na madeira. Com a peça a girar o compasso marca as linhas na base. Com o ferro chanfrado (espécie de formão) desbasta até onde deseja. A gaiva (outra espécie de formão) ajuda a moldar o efeito pretendido. Com lixa alisa a madeira na base e à volta. Passaram pouco mais de 30 segundos. Fernando fá-lo com a naturalidade e destreza de quem quase não fez outra coisa desde os dez anos de idade. Nos últimos tempos tem produzido mais pulseiras, chávenas, biberões e outros objectos de tamanho normal ou miniaturas. As peças de madeira, em pinho ou choupo, podem ter 16 centímetros de espessura ou mais. O artesão tanto tem 50 como 1500 para fabricar, dependendo das encomendas. O torno é eléctrico, e ao longo dos anos substituiu equipamentos idênticos. Os primeiros eram movidos pela força da água no moinho em rotação no rio Alviela. Mais tarde chegaram os tornos movidos a gasóleo. Trabalhar de pé é doloroso, o que mais lhe custa, e não tanto a dureza de cortar e moldar a madeira. Só há poucas semanas Fernando Gomes se feriu a sério num dedo, o que lhe valeu 15 dias de paragem. De resto trabalha impávido e sereno. Nem as aparas e pó projectados do corte da madeira para cima do chapéu, da bata e da cara incomodam o torneiro. “Não ingerimos rebuçados à base de pinho para ficarmos bem da garganta? Aqui é mais directo, comemos o pó”, diz com uma gargalhada. O calendário de parede ao lado com uma mulher tal como veio ao mundo é o seu motor de arranque.Fernando Gomes gosta sobretudo de trabalhar nas feiras e ver como as pessoas ficam pasmadas a olhar para um pedaço de madeira que, de repente, se transforma num objecto familiar. Depois vê a peça numa loja e quase nem a reconhece com acabamentos finais.Tendo feito um pouco de tudo em matéria de peças, Fernando Gomes recorda um episódio, há cerca de quatro anos, quando apareceu na oficina um cliente com um pedaço de madeira de 20 centímetros de espessura que queria que se transformasse numa pinha. Fernando Gomes foi chamado e ficou cerca de duas horas a fazer a pinha. “No final o homem quis pagar. O patrão disse para pagar ao funcionário. Eu disse para lhe pagar a ele”, diz Fernando Gomes com um sorriso, lembrando que ficou com dez euros.Fernando Gomes diz ter uma amargura: o facto de a profissão de torneiro de madeira ser mal acarinhada. Por quem? - perguntamos. Pelas câmaras municipais, pela Câmara de Santarém e pelo centro de formação profissional, que não ajudam a manter a arte, responde. “Não custaria muito apostar na arte do torneio. Após seis meses de formação um técnico fica minimamente apto para o trabalho. Depois é preciso ter gosto. Nunca mais me esqueço que a SIC foi ao Largo do Seminário em Santarém, onde estiveram vários artesãos de cestaria, tornearia, vidro, trabalhadores rurais, e o presidente da câmara passou por nós sem parar e acabou a falar de gastronomia num restaurante. Assim não se vai lá”, garante. Além disso, Fernando Gomes considera que desde o pós 25 de Abril vários empresários industrializaram demasiado a tornearia de madeira, fazendo-a perder o cariz artesanal.
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