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“O PS e o PSD não existem no distrito”

“O PS e o PSD não existem no distrito”

Nelson Carvalho, militante socialista e ex-presidente da Câmara de Abrantes, crítico com os principais partidos

Após dezasseis anos como presidente da Câmara de Abrantes, Nelson Carvalho, 55 anos, não se recandidatou ao cargo ambicionando voos mais altos na política. A condição de arguido num processo relacionado com a actividade autárquica tem-lhe barrado o caminho. Diz já ter saudades da agitação da vida pública e critica as distritais do PS e do PSD pela sua falta de intervenção na região.

Há um ano decidiu não se recandidatar à presidência da Câmara de Abrantes. É uma pausa sabática?Fi-lo com a noção de que não nos devemos eternizar, mesmo tendo condições para o fazer. E, sinceramente, tinha condições para fazer mais um mandato. Com essa decisão tinha a perspectiva de vir a exercer outro cargo político…Claro, tinha essa expectativa. Então o que aconteceu para que, até este momento não tenha sido nomeado para qualquer cargo?Em 2007 fui constituído arguido no âmbito de um processo que tem a ver com a actividade da câmara. E ainda estou nessa condição. O processo é de 2005 e tem andado muito devagarinho. Já podia e devia estar resolvido, mas infelizmente não está. Estando nesta situação entendeu-se que devíamos esperar até que a situação estivesse clarificada. Esse factor inibiu-o.Toda a gente sabe quais eram as manchetes dos jornais em Setembro e Outubro. E o partido e o Governo entenderam que seria vantajoso esperar que o processo se esclarecesse. Até para resguardo da minha imagem. É um processo assim tão complicado?Tem a ver com uma empreitada. Acabei de entregar no Ministério Público um documento que andei a elaborar nos últimos dois meses para ver se se consegue uma decisão rápida, porque isso está a bloquear-me. A decisão de não se recandidatar à câmara já tinha a ver com o processo?Quando me candidatei pela primeira vez disse que o meu horizonte era para 15 anos. Já tinha feito 16. E tinha o dever para com a comunidade que me elegeu de abrir novas vias e proporcionar a renovação. Eu só podia fazer mais um mandato e já não significaria uma projecção de futuro, embora tivesse a convicção que seria eleito se me recandidatasse. Qual era o cargo para o qual estava indicado?Falava-se na presidência da CCDR – Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo. Creio que tinha todas as condições para ser um bom presidente, dada a minha experiência e o meu perfil político e administrativo. Mas também havia quem preferisse ver-me no governo civil. Agora começa a ser difícil conseguir uma nomeação porque os cargos já estão preenchidos.Não sei. Neste momento só espero que a decisão do meu processo seja rápida. Sente falta da agitação da vida pública?Sinto. Mas se me perguntar se sinto saudades de ser presidente de câmara, digo que essa é uma fase arrumada da minha vida. Não sente um vazio de poder?De poder não, mas sim de actividade. Fui sempre uma pessoa com um nível de actividade muito intenso e é evidente que se sente essa falta. Estou convencido que ainda terei uma oportunidade na actividade política. Como é que ocupa agora o seu tempo?(Risos) Faço coisas que há muito não fazia, como por exemplo ler. Tenho lido agora essencialmente coisas sobre geopolítica, geoestratégia, o estado do mundo. Tenho um blogue (http://2margens.blogspot.com) onde vou escrevendo umas coisas, trato do jardim e continuo a acompanhar atentamente o que se passa na política nacional.O seu blogue tem comentários de âmbito nacional. A política local e regional já não lhe interessa ou não se quer comprometer?Sobre a política local tenho um dever de reserva. Quem abandona o lugar de condutor e passa para o banco de trás não deve andar o tempo todo a dizer por onde se tem que seguir. Porque na vida política local já não sou protagonista. Qualquer comentário que fizesse podia ser constrangedor, para uns e outros, oposição ou poder.A sua sucessora na Câmara de Abrantes tem estado à altura?É uma mulher com espírito de liderança, tem ideias, tem uma visão global das coisas. Está em início de mandato e lembro-me de que o meu início de mandato também foi difícil. Tem condições para fazer um bom trabalho.Ainda considera que a política precisa de mais técnicos e menos juristas?Houve uma altura em que necessitámos muito de juristas, na fase de consolidação da democracia. Hoje temos que ter uma visão de desenvolvimento. Assim começa a ser mais importante uma visão inspirada na economia, nas ciências sociais, na tecnologia… Devemos fazer um esforço no sentido de fazer chegar à vida política pessoas com formação nas áreas técnicas e científicas.Foi candidato derrotado à liderança distrital do PS há quatro anos. Foi o ponto final nas aspirações partidárias?Nunca nos devemos atirar contra um comboio em andamento. No máximo devemos entrar nele de lado. Não perdi por muitos votos. Mas, tendo perdido, não posso andar a dizer mal de quem ganha, nem ter uma participação muito activa que pode ser vista como um exercício de rancor, que não é o caso. “Paulo Fonseca tem pouco tempo para a liderança partidária”Acha que tem sido feito o melhor pelo PS no distrito? O PS e o PSD, para sermos francos, no distrito não existem. É normal que existam alturas de grande actividade nos partidos, como as campanhas eleitorais ou confrontos internos. O problema é que depois disso desaparecem completamente. As questões do distrito não têm sido tratadas pelos principais partidos. Não há candidatura à liderança das distritais e até das concelhias que não diga que um dos propósitos é a abertura do partido à sociedade. É mera retórica?Tem sido. Tem havido pessoas que se preocupam com isso mas normalmente não estão em lugares determinantes. Nos partidos com vocação de governo existe efectivamente um aparelhismo. Há duas maneiras de exercer o poder. Uma é rodear-me dos melhores. Mas há quem veja isto ao contrário, que juntando os melhores à sua volta tem potenciais concorrentes. Portanto afasta-os e só promove os medíocres. E esta visão é muito praticada. Isso vê-se mais nos níveis mais baixos da liderança, quer em concelhias quer em distritais. O PS distrital precisa de um líder sem responsabilidades autárquicas, uma pessoa mais liberta?O partido tem estado demasiado refém e prisioneiro da actividade que Paulo Fonseca tem tido e o partido chegou a um ponto quase de não existência. Hoje Paulo Fonseca tem outros desafios. Ganhou com trabalho continuado a Câmara de Ourém e tem pela frente um percurso autárquico. Mas ser presidente de câmara dá muito trabalho e exige uma dedicação muito grande. Isso dá-lhe pouco tempo para a liderança partidária. Tem havido alguma dificuldade de renovação, mesmo ao nível das autarquias…Nos últimos 20 anos, o PS tem tido algumas derrotas importantes nas autarquias, por erros próprios, por falta de dinâmica, de capacidade de renovação, por uma cultura de grande conflitualidade interna. Podíamos falar de Santarém, de Tomar, do Entroncamento... Por esgotamento e fraccionamento interno e por incapacidade de renovação o partido perdeu muito. Há portanto a necessidade de chamar mais jovens para o PS?Sim, mas a grande questão não é a quantidade. Uma secção com 500 militantes é melhor que uma com 200? Tenho dúvidas. Em Abrantes interessou-me pouco a quantidade e procurei que o PS fosse muito atractivo junto de quadros e de profissionais de qualidade. Para que pudessem ser a referência para quem surgisse com algum valor e visse no PS o local natural para o exercício da actividade política.“Na última década a cidade que mais cresceu foi Abrantes”Muitas vozes locais e externas dizem que Abrantes tem perdido importância e poder de afirmação para cidades como Torres Novas ou Tomar. Concorda?Não partilho nada disso. Pelo contrário. Na última década a cidade que mais cresceu em termos populacionais foi Abrantes. Mas também em termos de actividade económica, de indústria, Abrantes não ficou propriamente atrás de ninguém. Abrantes já tinha algumas indústrias de peso...Era forte mas reforçou essa dinâmica. Com o parque industrial, com os investimentos no Pego, é claramente uma cidade que está a dar cartas na região e que se posicionou com uma boa estratégia que está a dar frutos. Este investimento que se conseguiu sedear em Abrantes, da RPP Solar, coloca-nos no mercado internacional. Foi um investimento ganho a Santarém, pelo que se diz.Foi ganho! A quem, não era uma questão minha. O investidor estava com dificuldades e obviamente Abrantes posicionou-se de modo sério, de modo qualificado e competitivo.O projecto já está em andamento?Está em construção com um ritmo muito rápido, muito positivo. Deve ser o maior investimento privado que está a acontecer no país. Numa área estratégica como é a da energia, da energia renovável e das exportações. Fala-se em 800 milhões de euros de investimento ao longo de alguns anos, o que em época de crise faz lembrar aquele adágio popular: quando a esmola é grande, o pobre desconfia…Nós temos em Portugal o defeito de pensar pequeno. Hoje toda a gente diz: temos que pensar à escala global. Mas se alguém se atreve a pensar à escala global, diz-se logo que é de desconfiar, que nós somos pequeninos. Acho isso um defeito. Há que pensar grande. E pensar global é um valor. Colocar um pé atrás não é propriamente um defeito, será mais uma precaução.Temos de pensar globalmente, temos de pensar para o mercado mundial, para a exportação. O investimento está a andar, vê-se progredir com toda a velocidade. Tem parceiros tecnológicos sérios e credíveis, tem parceiros financeiros, foi reconhecido como projecto de interesse nacional.Já há quem chame a Abrantes a capital da energia.Antes de sair ainda lancei um cartaz e um boletim municipal a dizer isso: “Abrantes capital da energia”.Então é o senhor o pai da criança.Sim, fui eu que lancei essa ideia. Não tanto como slogan mas como programa de trabalho. Abrantes, para lá de concentrar actividades na área das energias e na área das renováveis, tem um programa político na área da racionalização energética, na área da sustentabilidade. Criámos uma agência regional de energia, no âmbito da associação de municípios, que tem sede em Abrantes. Nesse âmbito, todos os edifícios públicos devem passar a ter telhados revestidos de painéis solares a curto prazo. Porque é uma forma de reduzir a sua própria factura energética. O efeito A23 tem estado dentro das expectativas?A A23 foi decisiva. Ainda fui presidente de câmara sem a A23. Isso significava que o eixo da A1 ia crescendo e o nosso ia definhando. A auto-estrada chegou a Abrantes em 1995 e hoje estamos no centro das grandes acessibilidades. Com uma ligação fácil e rápida a Lisboa, Porto, Espanha.Tem-se falado muito ultimamente de insegurança em Abrantes. Há razões para alarme?De cada vez que ocorre um caso as pessoas ficam alarmadas. Apesar de tudo creio que são casos esporádicos. Há um ou outro grupo de jovens com alguma propensão para organizar desacatos. A polícia faz o que pode mas, enfim, não se exime a críticas.E o Ministério Público?Também não se exime a críticas. Ouvem-se críticas relativamente à existência de processos não resolvidos. Apesar de tudo, acho que não é um fenómeno do dia a dia. Isto saltou agora para as páginas dos jornais porque um cidadão e a filha foram agredidos circunstancialmente. Mas é evidente que na consciência pública se vai criando essa sensação. Não creio que Abrantes seja menos segura que a maior parte das cidades do interior do país. A urbanização crescente, a chegada de novas populações às cidades, significa sempre algum acréscimo de pequenos incidentes e de pequena criminalidade. Convergência entre Lezíria e Médio Tejo é decisivaFaz algum sentido o distrito estar dividido em duas comunidades intermunicipais que trabalham cada uma por si?Não faz sentido nenhum. Isso significou que o distrito passou a não existir. A Lezíria está inserida no Alentejo e o Médio Tejo está no Centro. Percebo essa operação do ponto de vista estritamente táctico na abordagem do quadro comunitário de apoio. Permitiu ganhos financeiros. Mas dever-se-ia ter mantido, e eu procurei insistir nisso, uma convergência estratégica. Ainda se chegou a definir que iria ser criado um conselho de coordenação estratégica. Porque somos parte da região de Lisboa e Vale do Tejo e, independentemente destas operações tácticas, o nosso território é esse. Não há portanto volta a dar.Tem que haver uma estratégia de estar neste território do modo mais útil possível, explorando a vantagem que é a proximidade à primeira cidade do país e talvez a única região do país com grande visibilidade europeia, que é Lisboa. E que pode também ser uma ameaça se não houver uma estratégia. Espero que com a proximidade do fim deste quadro comunitário, em 2013, cessando as razões que determinaram esta separação, possa iniciar-se uma nova convergência, uma nova reapreciação, a partir de uma estratégia conjunta.Que é viável?Há uma dificuldade: os presidentes de câmara há 10 ou 12 anos conheciam-se todos. Ia a Santarém com uma regularidade enorme e conversávamos todos com imensa frequência. Hoje praticamente muitos deles nem se conhecem. E isso torna muito mais difícil esta reaproximação. Achei importante que o presidente da Nersant fizesse referência a essa questão, mas também não posso deixar de estranhar que tenha sido ele a sentir necessidade de o fazer. Ou seja, que não tenha sido o PSD ou o PS…Também nessa questão esses partidos não existem a nível regional.Exactamente. Deviam ter aqui um papel de liderança e estão quietos e calados, como se esta não fosse a grande questão estratégica para o distrito de Santarém. Como se ganham os autarcas para essa causa?Neste momento não sei, porque há muitos autarcas novos. Que nunca tiveram a experiência desse trabalho de concertação que foi pioneiro em Portugal e que permitiu, por exemplo, às nossas associações de municípios fazerem a contratualização da gestão de fundos comunitários. Os novos autarcas têm menos noção do valor desta convergência estratégica. Já começaram a trabalhar noutro quadro. É por isso que a acção dos partidos é também importante. Espero que retomem este desafio e o possam tratar de modo adequado, podendo de facto iniciar um trabalho de aproximação e de definição de estratégia.Não tem havido também uma certa rivalidade entre Lezíria e Médio Tejo que tenha levado os autarcas a terem estado tantos anos de costas voltadas?Não. Rivalidade não. Acho que houve uma separação efectiva. Na Lezíria têm a cabeça em Évora, onde está o quadro comunitário de apoio, e o Médio Tejo tem a cabeça em Coimbra pelas mesmas razões. Vai-se a Coimbra ou vai-se a Évora. Os locais ou as ocasiões de encontro são muito menores.Também não se vêem projectos intermunicipais com muita frequência e que acabem por agregar vontades.Há alguns na Lezíria e há alguns aqui no Médio Tejo.Mas essas duas sub-regiões não são estanques e no entanto não parece haver interacção entre elas.Não há. Deixou claramente de haver. Sobretudo na área do desenvolvimento económico e da competitividade era central que houvesse. É necessário ultrapassar essa lógica de minifúndio, é preciso destruí-la e valorizar o intermunicipal e estas estratégias territoriais alargadas. É necessária a convergência das duas associações de municípios, da associação empresarial, dos dois politécnicos. Os distritos correm o risco de desaparecer enquanto unidades administrativas com a regionalização.Mas vai haver sempre unidade, mesmo com a regionalização. E sobretudo unidades territoriais. O Vale do Tejo será sempre, chamem-lhe o que quiserem, e esteja em que contexto estiver, uma unidade territorial. A diferença é: ou é uma unidade territorial forte ou fraca. Este contexto determinou que é fraca. É preciso para lhe dar força esta convergência e esta reunificação das vontades do território.
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