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Solar de Benavente foi coração do fado no Ribatejo

Solar de Benavente foi coração do fado no Ribatejo

Hermínia Silva era estrela da canção portuguesa na década de sessenta

Na década de sessenta o coração do fado no Ribatejo pulsava em Benavente. Hermínia Silva era uma das vozes da canção portuguesa que agitava o ambiente de província. O edifício, símbolo cultural da vila, está de portas fechadas, mas os proprietários não colocam de lado a hipótese de voltar a dar vida ao espaço.

“Passei ontem pela rua onde morava/ a cantada e recantada Mariquinhas/ E qual não é meu espanto, olho e vejo por encanto/ outra vez lá na janela as tabuinhas/ Corri e bati à porta e até fiquei quase morta/ quando ela se abriu, p’las alminhas/ Pois quem veio a porta abrir e a sorrir/ Era mesmo a mariquinhas!”. Hermínia Silva cantava assim a “Casa da Mariquinhas” no Solar de Benavente na década de sessenta do século passado. A porta principal do restaurante abria-se, na década de ouro, para deixar entrar a voz da canção portuguesa que vivia em Lisboa, mas fazia encher a sala da vila ribatejana nos serões de fado. Ao domingo Hermínia Silva cantava o fado a Benavente e trazia o elenco. Foi um sucesso enquanto restaurante típico. Ao espectáculo de fado juntava-se depois o folclore e a animação com um conjunto de baile. “O solar marcou gerações de homens e mulheres”, diz o presidente da Câmara Municipal de Benavente, António José Ganhão (CDU), que tem boas recordações do local que frequentava aos 18 anos. “Era um espaço que tinha consumo mínimo obrigatório na altura com reserva de direito de admissão. Era condição que se levasse pelo menos um casaco. Não se exigia propriamente gravata, mas a apresentação mínima”, descreve. Os sapatos de domingo também eram requisito para entrar no solar de Benavente, o que não representava um problema de maior já que à época as sapatilhas serviam apenas para jogar futebol.Ao Solar chegava gente de Lisboa. Foi um ponto de animação turística importante para a vila. Lustres a pender do tecto, cortinados, loiças finas. Pinturas de paisagens e retratos. O vinho não era servido pelo cliente, pormenoriza João Costa, 74 anos. Nos anos áureos do Solar não visitou o espaço, ocupado que estava no fulgor de trabalho de soldador, mas chegou a observar a entrada triunfal de Hermínia Silva. Em terra de trabalhadores do campo muitos eram os que não se atreviam a entrar no Solar por considerarem que o espaço estava acima das suas possibilidades. Nos anos de 1966/ 1967 Silvério Rodrigues, hoje com 68 anos, era um dos que engrossava as filas para entrar no Solar. Ouvia a canção portuguesa, que mais tarde haveria de abraçar como amador, e provava a acorda de sável e o ensopado de enguia. Em noite de sessão de fados chegava a gastar vinte escudos.Silêncio que se vai cantar o fado: Hermínia Silva, Tony de Matos, Anita Guerreiro, Madalena Iglesias, Tonicha, António Calvário e até o Max da “Mula da Cooperativa”. Maria da Piedade Mendonça de Carvalho, conhecida entre os amigos de Benavente por “Maruga”, 62 anos, neta de Amália Madueño Diaz, proprietária do espaço, era jovem na década de ouro do Solar de Benavente, mas conversa vivas as memórias de um espaço que marcou a vida cultural de uma vila a quem os familiares quiseram transformar no “coração do fado do Ribatejo”. José Carlos Carrilho, engenheiro de som reformado, 68 anos, pinta de cores mais esbatidas o cenário de então. “O fado era vendido entre caldeirada e açorda de sável. Era a cultura do talher entre meia dúzia de canções”, opina.Pedro Vermelho, 81 anos, nunca entrou no Solar, excepção para algumas festas de passagem de ano, mas recorda-se de ver o motorista, o senhor Angélico, pegar no carro para ir buscar Hermínia Silva a Lisboa. “Era uma casa cheia”, remata Gerardo Andrade, 75 anos, do outro lado do balcão de uma loja típica da rua onde o Solar se ergue ainda. Continua o mesmo edifício imponente, a fazer a curva da estrada principal da vila, mas há muito que o fado se calou e as portas estão, por agora, fechadas.Um edifício com históriaO primeiro registo do Solar de Benavente, na Rua Domingos Pedrosa, data de 1878. Era proprietário João da Silva Correia. Em 1905 o espaço passa para a família Neto e só em 1955 é vendido a Calheiros Lopes que em 1960 aluga o solar à avó de Maria da Piedade Mendonça de Carvalho, “Maruga”, uma das herdeiras. Foram poucos meses de arrendamento. Em Dezembro de 1961 Amália Madueño Diaz acaba por comprar a propriedade a Calheiro Lopes. O marido de Hermínia Silva – a fadista que ajudou a dar vida ao espaço na década de sessenta - era sócio de Amália Madueño Diaz na sociedade que geria o solar. O conhecimento vem dos tempos do Solar da Hermínia no Bairro Alto, em Lisboa. O espaço, que chegou também a ser conhecido como o Solar da Hermínia em Benavente, funcionava como restaurante e na parte superior alugavam-se quartos. Persistiu até meados da década de 80, segundo os actuais proprietários. “O restaurante ainda reabriu, bem como o café, que esteve aberto até há pouco tempo, só que neste momento as condições de degradação, com excepção da adega do solar que estaria em condições de reabrir imediatamente, não permitem dar vida àquele património que é importantíssimo para Benavente”, explica o presidente da Câmara de Benavente. António José Ganhão revela que não deu entrada nos serviços da câmara qualquer projecto para reabilitar o espaço, mas a família dos proprietários não coloca de lado a hipótese de dar vida ao espaço mantendo o carácter típico de um espaço com história no concelho e no Ribatejo.
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