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Memórias de um tempo em que a escola ensinava os jovens a trabalhar

Memórias de um tempo em que a escola ensinava os jovens a trabalhar

Antigos alunos da escola industrial de Vila Franca juntaram-se em almoço de convívio

A Associação dos Antigos Alunos da Escola Industrial e Comercial de Vila Franca de Xira juntou perto de 60 antigos estudantes num almoço de convívio onde se evocaram memórias, histórias de vida e aventuras.

Chegam timidamente ao restaurante. Quase a lembrar um primeiro dia de aulas. Os antigos alunos da Escola Industrial e Comercial de Vila Franca de Xira, que voltam a reunir-se para mais um almoço convívio no sábado, 17 de Abril, trazem também uma vontade fervorosa de reencontrar velhos amigos e colegas dos bancos da escola. O sentimento pode ser semelhante ao do primeiro dia de aulas, mas tudo o resto mudou. A maioria envelheceu, outros foram atingidos pelo reumático e há até os que chegam com problemas cardíacos. “O médico não me deixa mas acho que um martini não vai enferrujar o aparelho!”, ironiza com voz de ferro um dos participantes em tom de gracejo. Colocou um “pacemaker” no Verão passado mas já ergue o copo num brinde. A maioria já está reformada e consegue olhar a vida de outra forma.É sempre assim nestes encontros, agora mais frequentes, desde que foi criada a 6 de Março de 2009 a Associação dos Antigos Alunos, que visa preservar a memória do estabelecimento de ensino vilafranquense que, até hoje e com todas as reestruturações de que foi alvo, já formou perto de 26 mil jovens. Um grupo de quase 60 alunos esteve presente no almoço convívio realizado no Hotel das Lezírias. À mesa, homens e mulheres lembraram velhos tempos de escola, de quando os homens vestiam batas e as senhoras ainda usavam lacinhos. “Agora a miudagem vai para as aulas com as calças mais baixas que o rabo. Algo está mal”, questiona um dos antigos alunos, que não esquece a dureza da disciplina. Entre as memórias e as histórias, numa coisa todos estão de acordo: o fim das escolas industriais foi um erro.“Antigamente tínhamos a parte teórica e prática, através das oficinas, que nos ajudava bastante para a vida futura e para arranjar trabalho. Acabei por não desempenhar a função de electricista, que foi o curso que tirei, mas foi graças ao ensino da escola industrial que consegui emprego na TAP e onde mais tarde exerci cargos de chefia”, conta José Manuel Moita, aluno número 2 da escola a O MIRANTE.As escolas industriais e comerciais foram durante largas décadas um dos símbolos mais visíveis da segregação de classes existente no Estado Novo de Salazar. Os liceus eram abertos apenas a quem os podia pagar, sendo que as escolas industriais eram a “única salvação” de quem pouco mais ganhava que o suficiente para comer. Com a revolução de 25 de Abril de 1974, os governantes entenderam que estes estabelecimentos de ensino eram símbolos do antigo regime e aboliram a sua existência, reconvertendo-as em escolas secundárias. Com elas perdeu-se a especialização da mão-de-obra, fundamental para o sector industrial que existia no concelho de Vila Franca de Xira. “Acho que o ensino nessa época estava mais vocacionado para as áreas profissionais, embora a oferta fosse restrita porque só eram dados cursos industriais e comerciais. O problema hoje em dia é que esses cursos não têm prestígio social. Portanto não são encarados ainda como uma mais valia para o país. Acho que foi um erro terminar estes cursos, erro que se pagou caro. As escolas industriais criaram mão-de-obra especializada que muito ajudava a nossa indústria”, defende João Machado, antigo aluno. Teodoro Roque, actual director da Escola Secundária de Alves Redol, conseguiu frequentar os liceus em detrimento das escolas industriais mas concorda que foi um erro o fim destes estabelecimentos de ensino.“Eu defendo a existência dos cursos profissionais. A nossa sociedade tem muita necessidade de técnicos com uma formação muito próxima das tarefas que vão desempenhar. A nossa escola oferece vários cursos profissionais mas ainda estamos muito longe do que eram as antigas escolas industriais”, lamenta.A Escola Industrial e Comercial de Vila Franca de Xira foi inaugurada no ano lectivo de 1958/1959 e por ela passaram alguns nomes conhecidos do concelho e do país, como a presidente da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, Maria da Luz Rosinha, o cartoonista António e o actual secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, que foi aluno da escola em 1962/1963.O tempo do cabelo penteado à escovinaO segundo aluno matriculado na escola, José Manuel Moita, não se esquece da tranquilidade da cidade (então vila) e recordou a O MIRANTE como eram as aulas de outrora. “Era complicado, os professores eram muito mais disciplinados, não havia malandrice. As salas eram repartidas por vários pontos da vila. Quando uma aula acabava tínhamos logo de andar numa correria desenfreada entre os vários sítios para não termos falta”, recorda. José, 64 anos, é um dos alunos que aparece numa foto a preto-e-branco disparada em 1960, cercado por outros 20 colegas. Todos usavam sapato preto, bata e cabelo penteado à escovinha. “Lembro-me das turmas serem compostas apenas de rapazes ou raparigas. Aproveitávamos os intervalos para falar com elas mas havia sempre uma tentativa de controlo para que não o fizéssemos”, recorda com um sorriso.
Memórias de um tempo em que a escola ensinava os jovens a trabalhar

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