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Azinhaga perde Saramago, um filho da terra que poucos conheciam

Azinhaga perde Saramago, um filho da terra que poucos conheciam

Escritor deixou a aldeia ribatejana em criança e fez grande parte da sua vida em Lisboa

Aproximação do autor à terra natal deu-se sobretudo na última década, já depois de ter sido galardoado com o Prémio Nobel da Literatura.

O corrupio de jornalistas que se registou na pacata aldeia de Azinhaga na sexta-feira, 18 de Junho, foi um dos efeitos mais visíveis da morte nesse dia de José Saramago, o filho da terra que em criança foi para Lisboa com os pais e aí fez grande parte da sua vida até rumar à ilha espanhola de Lanzarote agastado com a atitude de um secretário de Estado da Cultura de um Governo de Cavaco Silva. E foi em Lanzarote que Saramago, 87 anos, morreu, vítima de doença, na manhã dessa sexta-feira. O funeral decorreu domingo em Lisboa, onde o corpo foi cremado.Na terra que o viu nascer, a notícia foi recebida com tristeza por uns, curiosidade por outros e indiferença por alguns. Saramago reaproximou-se da sua terra natal na última década, já após ter recebido o Prémio Nobel da Literatura em 1998, com a inauguração de uma biblioteca com o seu nome e do pólo da Fundação José Saramago. A estátua na aldeia do concelho da Golegã imortaliza também a sua ligação à terra ribatejana, já que as cinzas do escritor vão ficar depositadas em Lisboa, segundo anunciou o presidente da câmara da capital no domingo, dia da cremação do corpo.Para Vítor Guia, presidente da Junta de Freguesia de Azinhaga, a notícia foi recebida “com profunda tristeza” considerando que a Azinhaga perdeu “um grande amigo”. “Talvez em dada altura os autarcas” da localidade não tenham feito a devida aproximação ao escritor, reflectiu. Mas nos últimos anos essa homenagem foi realizada, com a inauguração de equipamentos com o nome do autor.Vítor Guia comentou que da última vez que falara com José Saramago, há cerca de três meses, este havia-se mostrado “muito contente” por se ir realizar em Azinhaga o Festival Sete Sóis Sete Luas, de que ele era patrono. José Saramago “empenhou-se muito para o festival ser realizado na terra que o viu nascer”, lembrou, comovido.Já da parte de Pilar, mulher de Saramago, Vítor Guia havia tido notícias uma semana antes. “Já todos esperávamos a notícia, mas ninguém a queria receber”, comentou. Para Azinhaga, sublinhou, fica a “imagem do grande homem, grande amigo”. Uma figura que se entretinha a conversar com qualquer pessoa, independentemente da idade.Na tarde de sexta-feira, as ruas de Azinhaga permaneciam desertas, indiferentes ao movimento de jornalistas que a pouco e pouco invadiu a localidade. Com as bandeiras junto à junta de freguesia a meia haste, ouviram-se os sinos da igreja tocar, sinais pela morte do Nobel da Literatura, amado por uns, repudiado por outros. Junto ao pólo da Fundação José Saramago e da estátua do escritor, na esplanada de um café, alguns populares comentavam de cerveja na mão e alguma indiferença o homem que só após ter recebido o Nobel se soube que era natural de Azinhaga. “Tive pena da morte dele porque era da minha cor política”, comentou Joaquim Carvalho. Saramago era militante do Partido Comunista Português.“Há 10 anos ninguém o conhecia na Azinhaga”Nervosa e agitada, Otelinda Nunes, 86 anos, foi amiga de infância de José Saramago. Por intermédio dele a Santa Casa da Misericórdia local conseguiu arranjar uma carrinha de que necessitava, conta. Saramago é recordado como um amigo de longa data e realça a transformação que sofreu na personalidade após casar-se com a mulher Pilar. A amiga leu todos os seus livros. “Fartei-me de chorar”, refere, comentando que soube da notícia através da televisão. Em Azinhaga, antes do Nobel, “ninguém conhecia José Saramago, ninguém tinha lido os seus livros”. Para as crianças, Saramago pouco mais é que um nome que se aprende na escola e titular de um prémio que poucos entendem. Ainda que alguns, como João Lourenço, de 10 anos, procurem saber mais pela internet. Já a avó do jovem, Maria Gonçalves, comenta da sua janela, observando a agitação junto à Fundação, que Saramago partiu muito cedo para Lisboa e desligou-se da sua terra natal. “Só agora para o final é que se chegou mais, há 10 anos ninguém o conhecia”, refere. Mas foi uma pessoa que “subiu a pulso”.Ainda sem saber qual o destino que seria dado ao corpo do familiar, a esposa do único primo que José Saramago conserva em Azinhaga lembrou a consternação do marido quando soube da morte do familiar. Nos últimos anos, Saramago visitava mais a localidade e as “pessoas gostavam dele”. “Era um filho da terra”, comenta. Pólo da fundação em Azinhaga recebe pêsamesAo longo do dia, foi à Fundação José Saramago que chegaram os pedidos de informações e os pêsames. Ana Hughes, funcionária da instituição, comentou uma notícia “chocante” e “triste”. “As pessoas têm orgulho do facto de ele ser oriundo da Azinhaga”, refere. Ana Hughes não sabe dar números específicos de visitantes, mas comenta que a fundação tem vindo a tornar-se mais conhecida. O escritor, lembra, “gostou do espaço”. “Era uma pessoa curiosa, interessante, muito observadora e sempre simpática”. Alguém com “uma memória fabulosa”, que se lembrava de “todos os nomes e acontecimentos”.
Azinhaga perde Saramago, um filho da terra que poucos conheciam

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