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Presidente do grupo Mendes diz que as leis são humilhantes para quem quer ser empresário

Presidente do grupo Mendes diz que as leis são humilhantes para quem quer ser empresário

Amândio Mendes da Silva nunca teve férias e dispensa os dias de folga

Amândio Mendes da Silva, 72 anos. Começou a trabalhar com o pai aos 13 anos, em Alferrarede, no concelho de Abrantes. Subiu a pulso na vida e a pulso construiu o grupo “Mendes – Transportes e Construções, SA”. Nunca tirou férias e não tem medo do trabalho. Diz que a legislação mata as pequenas empresas e que as companhias de seguros em vez de protegerem os segurados andam apenas à procura de falhas para justificarem a sua fuga às responsabilidades.

Começou a trabalhar nos transportes com que idade?Com 13 anos. O meu pai era motorista numa empresa de distribuição de lenhas e pinhas em Lisboa. Naquele tempo, as padarias necessitavam de fornecimento de lenha porque não existiam fornos eléctricos. O meu pai não sabia ler nem escrever mas tinha a carta de motorista número 28.612. Vinha muitas vezes à zona de Vila de Rei para descarregar e, a certa altura, pensou em criar um negócio certo e veio morar para Alferrarede. Fiz a escola primária em Lisboa mas aqui era o padre Jaime que me ensinava a lição, uma vez que nesse tempo ainda não existiam escolas. Fiz a admissão da 4ª classe e até cheguei a aprender algumas palavras em francês mas depois comecei a trabalhar e deixei a escola. Era muito jovem. O que é que fazia na empresa?Fazia a escrita, apesar de não saber escrever muito bem e tratava das contas. A partir daí fiz de tudo um pouco e entrei na engrenagem da empresa. Começamos a trabalhar apenas com um camião. Havia mais transportadoras mas a única que sobreviveu foi a nossa. O nosso crescimento foi gradual. O que ganhávamos era logo investido. Aprendeu a conduzir com que idade?Muito novo. Fui preso com 17 anos por conduzir um camião sem ter carta. Era domingo e fui beber um café. Fui mandado parar pela polícia que me levou logo para a esquadra. O meu pai foi-me lá buscar e saí da prisão no mesmo dia. Na segunda-feira fui responder. Naquele tempo havia mais moralidade. Não sou contra o regime antigo, de maneira nenhuma. Pelo contrário, acho é que isto não pode continuar como está. Quantos funcionários trabalham hoje na Transportadora Mendes?Se contarmos com as carrinhas de apoio, com os camiões pequenos e grandes, a empresa tem, neste momento, 220 funcionários. Tenho uma boa equipa e devo este crescimento a muitos amigos e clientes. Não foi a ambição de querer ser rico que me levou o negócio para a frente. Aliás, costumo dizer que sou o mais pobre cá da firma. Trabalho de noite e de dia, não tenho férias, ando nervoso, ando revoltado. Para ser empresário neste país é preciso “engolir” certas leis que são, no mínimo revoltantes, revoltantes. O que é que falha mais na sua opinião?A legislação laboral tem que mudar rapidamente. Já disse e reafirmo que a esperança das pessoas, neste momento, em Portugal, é conseguirem ficar a receber o fundo de desemprego. E o que a maioria dos empresários deseja é obter a reforma e evitar ter funcionários a seu encargo. Enquanto este clima se mantiver não vamos progredir. As pessoas que estão a receber do fundo de desemprego, por exemplo na província, recebem um salário baixo mas depois têm a horta, fazem uns biscates aqui e acolá e assim vão conseguindo viver. Os empresários não querem ter funcionários porque é uma ligação que perdura toda a vida. Há até quem diga que é mais difícil um empresário divorciar-se de um funcionário do que da mulher. Aprendeu fazendo e tornou-se num empresário de sucesso. Pode aprender-se a ser empresário numa Universidade?Não há ligação entre as Universidades e as Empresas. Os professores deviam ir às empresas para conhecer a realidade do mundo do trabalho e só depois deviam ir ensinar. Assim podiam preparar melhor os alunos para o que os espera.Alguns professores dizem que os empresários portugueses são pessoas mal preparadas e sem formação e que isso prejudica as empresas e o país. Que comentário lhe merecem essas afirmações?Depende da actividade do empresário. Não concordo, por exemplo, que venha alguém de uma escola para aqui ensinar um motorista a conduzir quando este o faz há vinte ou trinta anos. A pessoa que vem dar formação sabe menos que o motorista. Traz é os papéis e os formulários para a seguir passar a factura. Quem recebe formação, por vezes, tem uma reacção negativa porque sente que percebe mais do assunto do que quem está a ensinar. É que da teoria à prática há uma grande diferença. “O meu pai pegou-me o vício do trabalho”É fácil gerir as três empresas do grupo?Vou vivendo conforme o trabalho me exige. Tenho feito obras de grande dignidade das quais me sinto honrado. Faço um pouco de tudo. Só não ligo muito aos computadores. É mau mas tenho quem o faça por mim. Já não conduzo devido à minha idade mas considero-me um profissional de condução. Tenho marcos em vários pontos do país, em edifícios públicos e privados. Também temos, desde há 30 anos, a Cerâmica do Salvadorinho, na estrada que vai para Ponte-de-Sôr (Rossio ao Sul do Tejo), onde fabricamos, por exemplo, tijolos para construção. Quais são os prós e os contras dos salários baixos?Os salários baixos devem-se à conjuntura económica. Estamos num sector em que temos muita concorrência. Os trabalhadores poderiam estar mais motivados se ganhassem mais mas infelizmente não temos Meios para isso. Não há trabalho e o dinheiro que gastamos para cumprir algumas exigências de leis sem sentido pioram tudo. A “palavra” ainda conta nos negócios?Penso que todo o homem é honesto e sério. A única diferença entre o carácter dos homens é o dinheiro. Se as pessoas não têm dinheiro são logo rotuladas como “menos sérias”, o que não é verdade. Com 72 anos continua a vir trabalhar todos os dias?Tenho responsabilidades económicas e sociais para cumprir e sinto-me melhor a trabalhar do que de férias. Aliás, nunca tive férias de verdade. Fiz, em três ocasiões, viagens profissionais/turísticas. Oito dias de cada vez. Mas sinto-me muito bem. Tenho saúde e aqui hei-de continuar. Chego às sete da manhã e saio daqui às oito, nove da noite. Ao fim-de-semana abrando um pouco. Não pode é ser prolongado. Quando páro começo a sentir-me inerte. Vou continuar até morrer. A minha previsão é mais 30 anos (risos).Tem a fotografia do seu pai exposta no gabinete. Qual foi a lição mais valiosa que ele lhe ensinou?Foi a ser honesto nas minhas atitudes. Quando tinha 13 anos fui com o meu pai vender um suíno ao mercado do Sardoal por duzentos escudos, para poder pagar uma letra. Ele ensinou-me a trabalhar e a dar valor ao trabalho. Pegou-me o vício de trabalhar. Gosto de andar com a cara destapada. Não tem cortinas nas janelas do quarto para acordar com o solHomem simples e profundamente dedicado ao trabalho, Amândio Mendes da Silva recebe-nos de uma forma afável no gabinete da empresa, localizada na Zona Industrial de Alferrarede. Dispensa a gravata e convida-nos a sentar numa mesa redonda, fechando as persianas para o sol não nos incomodar. O telemóvel toca duas vezes durante a entrevista. Pede desculpa mas atende porque há situações que têm que ser resolvidas no imediato. O empresário nasceu em Lisboa mas foi viver para Alferrarede, no concelho de Abrantes, com apenas 12 anos, de onde não voltou a sair. Por isso considera-se mais abrantino - “terra de boa gente” - do que lisboeta. Aos 72 anos, ainda é o primeiro a chegar à empresa. “Durmo sem cortinas nas janelas e sou um bom companheiro do sol. Se o sol se levanta às cinco e meia da manhã, levanto-me também”, afirma, sentado no seu gabinete onde salta à vista uma fotografia a preto e branco emoldurada do pai, António Mendes, com quem começou a trabalhar no sector dos transportes. Depois do banho matinal, come apenas um iogurte ao pequeno-almoço e, por norma, às sete da manhã já está a trabalhar. Só sai da empresa quando sente que está tudo encaminhado. O negócio prosperou e hoje em dia fazem parte do Grupo Mendes, três empresas nos ramos de transportes, construção civil e cerâmica. É casado e pai de dois filhos que trabalham com ele. Tem três netos rapazes e é um apaixonado por Portugal, conhecendo o país de lés a lés. “As pessoas antes de irem para o estrangeiro deviam ser obrigadas a conhecer o nosso país”, defende. E justifica. “Portugal tem a melhor temperatura, a melhor comida e as pessoas mais simpáticas do mundo”.Quem produz vive debaixo da ditadura de leis desajustadasConsidera que há uma grande diferença entre trabalho e emprego?É preciso que haja coragem para dizer que neste momento existem dois tipos de sociedade no país. A dos que têm um emprego e ordenado certo e a sociedade da produção que está debaixo da ditadura de leis abusivas, desajustadas, agressivas e humilhantes. Por exemplo, tenho um camião que foi fiscalizado em Castelo Branco. Na notificação diz que se não enviarmos os papéis no prazo de oito dias temos dois anos de prisão. Isto é humilhante, é uma vergonha! Não aceito isto com a idade de 72 anos. Andamos a trabalhar honestamente, e por uma questão burocrática, ameaçam-nos logo com prisão! Anda uma sociedade a trabalhar para a outra.Antes do 25 de Abril não existiam tantos apoios às empresas e aos empresários. Como é que as empresas conseguiam manter-se e agora não conseguem?Acho que a política dos apoios está a ser mal aplicada. Há actividades a funcionar mas que estão em dificuldades económicas porque não conseguem escoar o produto. Depois, o Estado cria oportunidades para as pessoas se candidatarem a criar novas empresas que, por sua vez, vão competir com aquelas que já existem e que estão em excesso no mercado. Dão subsídios para se criarem empresas que vão competir com as velhas. Gastaram o dinheiro nos subsídios e danificaram o mercado porque a velha não sobrevive e a nova também não. Só deviam dar subsídios aos sectores onde existe essa necessidade. Agora, pôr empresas contra empresas é que não! Também tem a mesma opinião sobre os subsídios para formação?Sim. A maior parte dos subsídios são dados para formação que não é adequada ao que as empresas precisam. Gasta-se o dinheiro para ocupar o tempo às pessoas. Não melhoram as suas competências nem ficam preparadas para criar novos produtos. A culpa do aumento dos níveis de desemprego acaba por ser das políticas sociais?Para mim, 80% das empresas portuguesas não querem aumentar a sua empregabilidade porque é uma grande responsabilidade fazê-lo neste momento. Até os funcionários públicos não arriscam nada, neste momento, com medo de virem a ser penalizados. “As seguradoras só se preocupam em descobrir falhas para não terem que pagar” Sendo o proprietário de uma empresa de transportes, já lhe aconteceu ter alguns problemas com Companhias de Seguros?Penso que as Seguradoras fazem parte de uma família muito protegida do Estado que engloba a Electricidade, as grandes empresas e a Banca. No mundo onde vivo, o das pequenas e médias empresas, somos os escravos da sociedade. O que o leva a dizer isso?As Companhias de Seguros não se preocupam com os segurados. A sua preocupação é descobrir uma qualquer falha que lhes permita não pagar o que deveriam pagar em caso de acidente. Neste momento esta firma está a pagar uma pensão mensal a duas viúvas, montante que devia estar a ser pago pelas Companhias de Seguros. Infelizmente, as pessoas tiveram um acidente e morreram e a Seguradora não assumiu o pagamento. Só isto era suficiente para uma pessoa deixar de ser empresário. Como é a sua relação com os bancos? Os bancos também estão a contribuir muito para a crise. Os créditos que faziam ao desbarato foram retirados e os juros, com os diversos encargos, aumentaram 100, 200, 300 por cento. Por exemplo, se eu hoje assinar uma letra qualquer e me trouxerem uma nota de crédito, fazendo as contas com os encargos, há juros a 40%.
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