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“A justiça não acompanhou o desenvolvimento do país”

“A justiça não acompanhou o desenvolvimento do país”

Bastonário da Ordem dos Advogados esteve em Santarém a convite de O MIRANTE para falar do estado da justiça

Para Marinho e Pinto os juízes são os que têm mais mordomias e a justiça está degradada porque não há verdadeiras reformas do sector.

O bastonário da Ordem dos Advogados usou o Tribunal de Santarém para demonstrar que a justiça não mudou nada em mais de duzentos anos. Marinho e Pinto, que esteve em Santarém a convite de O MIRANTE, na quinta-feira, dia 16, salientou numa palestra que a última grande reforma que existiu na justiça foi no tempo de Marquês de Pombal. “Depois disso só houve remendos”, sublinhou perante dezenas de pessoas de convidados que encheram o auditório da Casa do Brasil.Sempre num tom provocatório, para o qual já tinha alertado Joaquim António Emídio, director-geral de O MIRANTE, o bastonário, reconhecendo que gosta de usar esse tom, mas sem ofender, disse que se “uma pessoa do tempo do Marquês de Pombal viesse hoje, por qualquer milagre da ciência, a Santarém, caía para o lado com o que via, com os carros, as vestes, os telemóveis...”. Mas, ressalvou, “se o levássemos à sala de audiências do Tribunal de Santarém sentir-se-ia à vontade porque nada mudou. A carpintaria é a mesma; a cenografia, o palco, são os mesmos; os actores são os mesmos, as vestes são as mesmas, aquelas vestes da inquisição; os discursos são os mesmos”. Explicitou de seguida que em seu entender “a justiça não evoluiu nem sequer na sua simbologia, nem na realização concreta na sala de audiências. Tudo permanece igual. “A justiça não acompanhou o desenvolvimento do país”. Por isso, defende, é preciso investir mais nos tribunais existentes e fazer novos. Marinho e Pinto considera mesmo que todas as sedes de concelho deviam ter tribunais. Referindo-se à reforma da justiça que entende ser necessária, o bastonário realçou que esta só pode ser feita pelo legislador, apelando à assistência constituída por estudantes, políticos, advogados e membros do Clube de Leitores de O MIRANTE para pressionarem os deputados e exigirem dos legisladores que “façam as reformas para que a Justiça funcione e se adapte à actualidade”.“Os juízes facínoras do Estado Novo passaram para os tribunais comuns”Criticando os juízes, disse que é necessário acabar com a irresponsabilidade de alguns e que devem ser implementados mecanismos de controlo da sua actividade, realçando que quando um juiz entra para as funções é para toda a vida. Marinho e Pinto não defende a eleição de juízes como acontece em alguns países, porque pode trazer para a justiça os vícios que existem na política, mas considera que esta actividade não pode ser vitalícia. Criticou ainda o facto de os juízes serem “um poder soberano que está organizado em sindicatos que até fazem greves”, considerando esta situação como “vergonhosa”. Marinho e Pinto não se ficou por aqui nas críticas aos juízes, salientando que estes “têm regalias e direitos que escandalizam, como o subsídio de habitação”. Destaca que o Estado lhes dá cerca de 800 euros para pagarem as casas por estarem deslocados da sua área de residência. Mas questionou porque é que outros profissionais que também são deslocados para vários pontos do país, como os professores ou os médicos, não têm também essas regalias. O bastonário recordou ainda os tribunais plenários do Estado Novo com “juízes que nunca mereceram esse nome, verdadeiros facínoras porque condenavam pessoas inocentes”. Para depois salientar que “esses magistrados que deviam ser julgados e condenados pelos crimes bárbaros que cometeram, transitaram tranquilamente para os tribunais comuns após o 25 de Abril”. “Isto dá a ideia do sistema de justiça que temos em que os seus servidores actuam como donos da justiça”, criticou. Na sessão sobre o seu livro “Um combate desigual”, que se seguiu a uma visita às instalações de O MIRANTE, estiveram autarcas, como a presidente da Câmara de Vila Franca de Xira, Maria da Luz Rosinha (PS), e o vereador da Câmara de Santarém, Ricardo Gonçalves (PSD), advogados, estudantes, o presidente da Associação Empresarial da Região de Santarém – Nersant, José Eduardo Carvalho, o médico e político José Niza, e elementos da Associação de Trabalhadores da Segurança Social de Santarém.São precisos juízes com experiênciaMarinho e Pinto criticou na palestra na Casa do Brasil o facto de haver juízes com 25 anos a julgarem casos de família quando “alguns ainda nem sequer namoram”, defendendo que os juízes devem ser pessoas com experiência de vida. E que devem ser recrutados com base também nessa experiência de vida, dando como exemplo um mecânico francês que foi para juiz depois de lhe darem formação e até se revelou um bom juiz. E concluiu que os magistrados saem do Centro de Estudos Judiciários cheios de tecnicidades jurídicas e depois não têm sensibilidade para ouvirem e compreenderem uma pessoa do campo na sua linguagem simples. “Em qualquer sociedade os juízes eram sempre as pessoas mais velhas.São precisos juízes que não utilizem o seu poder soberano para obterem mais benefícios e privilégios”, concluiu. Para o bastonário da Ordem dos Advogados, a degradação da justiça também está relacionada com a degradação do ensino. Segundo Marinho e Pinto as universidades actualmente vendem diplomas, “não chumbam ninguém”. E exemplificou que há jovens licenciados em Direito que “não sabem ler uma lei”, reforçando que por isso mesmo é imprescindível que os candidatos a advogados façam exames para entrarem na Ordem e assim exercerem a profissão.Os deputados advogadosNuma pergunta feita pela presidente da Câmara de Vila Franca de Xira, Maria da Luz Rosinha (PS), sobre o que pode um cidadão fazer em relação ao funcionamento da justiça, Marinho e Pinto respondeu que as reformas têm que ser feitas pelos poderes públicos. Considera que a alteração da Constituição que está em curso é uma oportunidade para os cidadãos pressionarem e exigirem dos deputados da Assembleia da República, para que a justiça funcione de acordo com os valores de um Estado de Direito “e não de acordo com as conveniências de quem chegou a magistrado”. Questionou se as leis são bem feitas ou são feitas “com algumas armadilhas para propiciar depois alguma receita ao deputado que é também advogado”. A última lei da amnistia que se fez em Portugal “era uma vergonha porque era ver os deputados a meter na lei os crimes de alguns seus clientes para serem amnistiados”. Defende que não devia ser permitido haver deputados advogados, porque, explicou “quem exerce funções soberanas deve exercê-las em exclusividade”. “Às vezes no parlamento até cheiramos os interesses a serem traficados por advogados legisladores”, reforçou.
“A justiça não acompanhou o desenvolvimento do país”

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