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A alentejana que se apaixonou por livros e Vila Franca de Xira

Vida profissional de Maria Francisca foi sempre dedicada à leitura

Todos na aldeia onde morava Maria Francisca detestavam livros. A mulher foi das poucas que os abraçou. Quando andava na escola usava o cartão da biblioteca das amigas para trazer livros a dobrar para a sua casa. A paixão pela leitura foi tal que dominou a sua vida profissional até aos dias de hoje.

Durante toda a sua vida Maria Francisca, 49 anos, nunca pensou abraçar uma profissão que não estivesse ligada aos livros. Ainda hoje trabalha nessa área, como livreira, na cidade de Vila Franca de Xira. Cidade que, por sinal, produziu alguns dos maiores mestres portugueses da corrente neo-realista, como Alves Redol, Soeiro Pereira Gomes e, mais recentemente, Álvaro Guerra.Um dos mais influentes escritores brasileiros do século XX, José Monteiro Lobato, descreveu a profissão de livreiro como uma das mais “humildes e civilizadas” do mundo. É sua tarefa catalogar, ordenar e vender livros. Para a história fica a definição de Monteiro Lobato: “O livro não interessa ao nosso estômago nem à nossa vaidade. Não é, portanto, compulsivamente adquirido. O pão diz ao homem: ou me compras ou morres de fome. O baton diz à mulher: ou me compras ou te vão achar feia. E ambos são ouvidos. Mas se o livro alega que sem ele a ignorância se perpetua, os ignorantes dão de ombros”. É a pensar nesta definição que Maria conta a O MIRANTE um pouco da sua profissão. Uma profissão que a cativou desde a infância. Nasceu em Quintos, uma aldeia do concelho de Beja. Os seus pais eram analfabetos mas trabalhadores. O pai de família trabalhava horas a fio para alimentar Maria e os seus três irmãos. “Apesar de tudo, sempre me disse para estudar, para aprender a ler, para que pudesse ter uma vida melhor que a dele, que sempre trabalhou nas obras”, conta.Foi na escola primária que lhe surgiu a sede de leitura. “Nada escapava, estava apaixonada por livros, lia tudo o que me aparecesse à frente e o que havia na biblioteca. A dada altura já não podia ultrapassar o número de livros por pessoa que estava estipulado, por isso passei a levar os cartões das minhas colegas da aldeia, que não queriam ler, e com isso passei a levar mais livros para casa”, confessa ao nosso jornal. A escola e a cidade ficavam a mais de hora e meia de caminho, a pé. Não havia transportes. Na juventude, Maria começou por estudar e ajudar a mãe no campo. Depois surgiu-lhe a oportunidade de ingressar no seu primeiro emprego. “Quando estava no que hoje é equivalente ao 11º ano abriu em Beja uma livraria chamada Central Distribuidora Livreira (CDL). Chegou a ter 20 livrarias no país e estava muito ligada à parte da esquerda, da literatura revolucionária e foi a melhor escola de livreiros do país. Eu acabaria por entrar num curso de livreiros da empresa em 1979”, conta.A sua entrada para a empresa foi feita de uma forma pouco usual. “Eu ajudava um amigo que lá estava, ele tinha uns problemas de saúde e nem sempre chegava a horas para abrir as portas, por isso eu ficava com a chave e se ele não chegasse a horas eu abria tudo em vez dele. A dada altura a empresa percebeu que algo se passava. Perguntaram-me o que é que eu estava a fazer até que um dia perguntaram-me se eu queria trabalhar. Disse que sim”, confessa.A alentejana acabou por receber, mais tarde, um convite para vir trabalhar para Vila Franca de Xira, onde além da editorial Avante, do Partido Comunista Português, passou também a vender muitos livros proibidos do regime. “Quando vim para Vila Franca de Xira esta era uma terra muito diferente do Alentejo. Lá em baixo as pessoas eram reservadas mas havia abertura para conversar. Aqui não, as pessoas eram pouco abertas à novidade e eram muito fechadas, muito cuidadosas, como se a PIDE estivesse em todo o lado. Até tive um chefe que me avisou que não durava quinze dias a trabalhar em Vila Franca. Afinal enganou-se”, recorda com um sorriso.Começou por arranjar um quarto na cidade e durante mais de uma década esteve ligada à profissão de livreira na CDL. Só quando esta última faliu, nos anos 90, a mulher se virou para um negócio por conta própria. Maria garante que não quer outra profissão até ao resto da vida. Diz que actualmente lê a maioria dos livros “na diagonal” e confessa que um dia gostaria de escrever uma história e publicá-la.

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