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Paulo Neves acusa o presidente da Câmara do Cartaxo de estar a transferir o poder para o vice-presidente

“O executivo diz que não vai hipotecar o futuro do concelho mas é o que está a fazer”
Paulo Neves foi cabeça de lista do PSD nas últimas eleições autárquicas. Fez questão de se declarar independente. Ocupa o lugar de vereador da oposição e diz que a política não afectou a sua vida de empresário. Viaja muito profissionalmente mas não aprova as viagens políticas relacionadas com geminações, nomeadamente a mais recente, feita à China. Gosta de política ou está na política por ter sido solicitado para o fazer?Sempre me preocupei com questões políticas. A candidatura à câmara surgiu de um desafio que me lançaram seis ou sete meses antes das eleições. Medi prós, contras e consequências, porque proveitos são zero e aceitei o desafio porque quis. Ninguém me obrigou a nada.Demorou tempo a amadurecer essa ideia?Demorou um tempo. Conhecia a realidade. Sabia que havia uma má gestão municipal e resolvi arriscar. Percebi que muita gente ficou surpreendida por eu encabeçar uma lista do PSD como independente.Podia ter concorrido por qualquer outro partido?Não. Para mim foram fundamentais as pessoas que estavam ligadas a este projecto. Quando apareceu o movimento “Coragem”, trocámos ideias e convergimos em muitas opiniões.A sua família está satisfeita com a sua participação na política local ou gostaria de o ver mais concentrado noutras questões?A família está do meu lado. Se se vai cansar, o futuro o dirá. Continuo a ter o mesmo empenho na empresa e cumpro o meu dever de autarca. Tenho conseguido conciliar as coisas. Assisto também a todas as assembleias municipais e enriqueço-me política e tecnicamente. Que tempo gasta com a sua participação política? Os políticos perdem muito tempo com inaugurações, almoços, jantares, lanches e viagens. Devíamos perder mais tempo no gabinete a saber dos assuntos e na rua a constatar as realidades do concelho.O facto de ser vereador afecta a sua actividade como empresário? De que forma?Até agora em nada. Não trabalho em função da minha imagem e da minha visibilidade. Por que não viajou a Penglai (China), apesar de convidado, para a assinatura do acordo de geminação do Cartaxo com aquela cidade?Sou um ferrenho adepto da contenção da despesa e a geminação custou-nos a viagem. O resto foi suportado pelos chineses. Sim, mas no ano que vem vamos ter de receber tão bem ou melhor a comitiva chinesa. Também é verdade que o Cartaxo até já está geminado com a China, graças à quantidade de lojas chinesas que nascem aqui.Das intervenções que faz a maior parte diz respeito a questões económicas e a problemas vividos por empresas e empresários. Não se interessa por outros assuntos ou fá-lo porque é essa a estratégia definida em conjunto com o outro elemento eleito na sua lista?O Pedro Reis (segundo vereador do PSD) e eu trabalhamos em equipa e usamos os conhecimentos que temos. Ele como jurista e eu como empresário. Tem sido muito fácil. Opiniões técnicas ou políticas?Neste momento já sou um político. Mas um político da nova geração: não sou capaz de mentir e de prometer aquilo que não consigo fazer.Afirmava há anos que o Cartaxo, sem a Ota, ia continuar a ser um dormitório de Lisboa, sem perspectivas de crescimento.A política seguida depois de Conde Rodrigues projectava o Cartaxo como um dormitório. Nada de empresas, nada de poluição e de ruído, só teríamos pessoas a trabalhar em Lisboa. Eu contrapunha. Infelizmente, ainda não temos zonas empresariais. As poucas empresas que existem têm problemas de obras clandestinas devido ao seu crescimento. O Cartaxo é esse dormitório.As futuras zonas industriais do Casal Branco e do Valleypark podem contornar essa situação?Essas zonas empresariais vêm atrasadas 15 anos mas temos que as apoiar agora. O Casal Branco não resolve problemas a ninguém. O Valleypark já tem dimensão. A grande dúvida é saber se daqui a quatro ou cinco anos haverá empresas. Vivo essa realidade diariamente. Todos os meses honro os meus compromissos. Há menos trabalho e mantenho os postos de trabalho porque eles também me ajudaram a ganhar dinheiro quando foi preciso estar aqui. Está determinado a cumprir o mandato até ao fim? O meu mandato é para levar até ao fim e faço questão de não faltar a qualquer reunião.Após este mandato aceita recandidatar-se? Ao mesmo órgão autárquico ou a outro?O futuro o dirá. Se me convidarem terei que reflectir. Qualquer pessoa que queira conduzir o Cartaxo no futuro não vai ter vida fácil. Todos os dias ouvimos este executivo dizer que não vai hipotecar gerações futuras mas é o que está a fazer. A dívida da câmara está nos 41 milhões de euros. É o que nos diz o balanço, não as demonstrações financeiras. O Partido Socialista está dividido. Paulo Caldas demitiu-se de militante do partido, e está impedido de se recandidatar ao cargo pela actual lei de limitação de mandatos. Prevê uma mudança política na gestão municipal ou acha que os eleitores continuarão a votar maioritariamente PS?Quando ouvimos falar Paulo Caldas e Paulo Varanda, parece que o presidente já indicou o vice-presidente como sucessor. Espero que isso não aconteça antes do final do mandato porque seria mais uma mentira. Paulo Caldas garantiu que o mandato era para levar até ao fim mas nota-se que o vice-presidente está mais à frente do município que o próprio presidente. A experiência marcante de um retiro religiosoHá cerca de quatro anos Paulo Neves viveu uma experiência por que nunca pensou passar. Aceitou integrar um grupo de mais de 20 pessoas, por convite de um cliente amigo, em quatro dias de reclusão num convento em Fátima. Religioso mas sem ser praticante, o empresário e vereador confessa que foi um momento inesquecível. “O primeiro dia foi medonho. Foi rezar, rezar, rezar todo o dia. Curiosamente, de um grupo de mais de 20 pessoas, fui o único que não se confessou. O segundo dia foi bom, o terceiro foi muito agradável. Ao quarto dia já tinha saudades de não ter tido o quinto. Foi incrível. Valeu a pena como experiência, para nos abstrairmos de tudo, mas é impossível repetir”, conta Paulo Neves.Natural do Cartaxo, 58 anos de idade, o vereador e empresário é casado com Maria José Neves, e tem dois filhos: Rui Pedro, de 22 anos, e Francisco Miguel, de 17. A Agrosport, de que é proprietário, é uma empresa familiar. A mulher e o filho mais velho colaboram directamente consigo. Paulo Neves reconhece que a empresa é a sua vida e que a sua vida é a empresa. Tanto que até construiu a sua moradia ao lado dos pavilhões e do escritório, nos arredores do Cartaxo. “Tem sido assim. Muitas vezes a descurar a família para tentar sobreviver no meio da crise. É mais um filho que tenho, de 22 anos. É bom estar aqui, as pessoas sabem onde moro e estou disponível 24 horas por dia”, conta. Paulo Neves costuma levantar-se às 06h30 para acordar o filho mais velho que trabalha consigo. Chegam ao escritório por volta das 07h30. A esposa, Maria José chega com o correio a partir das nove da manhã. É altura de Paulo Neves se fazer à estrada e só regressar a meio da tarde. “É bom ter uma empresa familiar. A parte má é que partilho o lugar com a minha mulher há 22 anos. É Agrosport todo o dia e sou mais culpado, porque sou eu que levo o tema para casa”, admite.Paulo Neves tirou um curso de espanhol empresarial para lidar com clientes do país vizinho mas mesmo assim ainda tem medo de dar calinadas. Viaja regularmente, por motivos profissionais, por países como Marrocos, Tunísia, Argélia e França.Os momentos livres servem para descomprimir. Costuma dar umas braçadas na piscina de sua casa ou na de um amigo. Quando tem oportunidade, pratica caça submarina com o filho na zona do Peniche ou no Algarve. O produto da pescaria acaba no prato.Paulo Neves é leitor atento dos jornais diários e também não dispensa O MIRANTE. Não é amante da leitura nem manda para o ar títulos conhecidos. Prefere ler livros técnicos e deleitar-se com os documentários de canais como o Discovery ou História. Gosta de filmes de acção e comédia como um “verdadeiro miúdo”.É adepto do Sporting mas já nem a gamebox compra há um ano. “Fico desgastado e desiludido quando o Sporting perde mas há dois anos que estou curado do futebol. Não ando com disposição para futebóis, já me bastam os de cá”, confessa. No escritório tem um poster da equipa leonina campeã da longínqua época 1999/2000. O tabaco é o seu vício confessável. Uma casa na praia da Lagoa de Óbidos o seu luxo. Em pequeno sonhava ser empresário, o que concretizou. Na vida, sonha com os filhos bem casados e a seguirem-lhe as pisadas na empresa.“Só uma auditoria séria permitiria saber a situação financeira da câmara”Porque é que diz que falta liderança na câmara?Para se ser bom líder há que saber estar nos bons e nos maus momentos. Como é que se pode ter conhecimento de uma estrutura autárquica com a totalidade dos pelouros distribuída por dois vereadores? O super vereador Paulo Varanda só pode ter flashes de tudo quanto sucede. E não controlando tudo não pode ser um bom líder. É impossível haver liderança quando se tocam muitos burros ao mesmo tempo. Na câmara também continuam os procedimentos burocráticos. Ainda há muito chefe, do chefe do chefe. Na rua, os trabalhadores andam desmotivados. Falta quem os lidere e responsabilize, com quem falem facilmente.Que avaliação faz da situação do concelho do Cartaxo?Cada cidadão deste concelho teria de pôr mais de 1600 euros do seu bolso para o Cartaxo ficar sem dívidas. Não tenho nada contra o parque central, por exemplo, mas qual era a prioridade da obra? Porque é que uma obra desta envergadura não tem já a concessão do parque de estacionamento definida e receitas acauteladas? Concordo com a renovação do parque de Santa Eulália e construção do pavilhão multiusos, que têm retorno social.Ponha-se por momentos no lugar de Paulo Caldas e defina as prioridades para o concelho a partir deste momento e com a actual conjuntura. Como é impossível fazer tudo em todos os sectores, de um dia para o outro, quais seriam as suas prioridades?Dificilmente me posso por no lugar dele porque teria de conhecer a câmara a fundo. Desde o executivo até à assembleia municipal, acho que ninguém conhece a realidade financeira. Isso só se consegue com a realização de uma auditoria séria e honesta. Só que a auditoria tem de ser aprovada e a maioria votaria contra. Se substituísse Paulo Caldas, a segunda coisa que faria era reunir com todos os departamentos e pessoal. Estar perto das pessoas, deixar de parte folclores e mentiras e encarar os problemas de frente.O primeiro-ministro anunciou medidas para resolver a situação do país. Que medidas anunciaria o senhor, em termos de cortes na despesa pública e conquista de mais receitas, para equilibrar a situação económica do município? A receita é difícil de aumentar já que os impostos municipais estão em baixa. Baixámos a derrama por proposta nossa, nos últimos anos. Mas faria cortes no apoio jurídico e nas despesas das geminações recentes, caso da Polónia e China. Mas só conhecendo bem a realidade financeira é que se podem tomar decisões. Uma ideia que sempre defendi é a reestruturação dos créditos. Se não pagamos em oito anos pagamos em 16 ou em 20 anos. A câmara está a empurrar o problema com a barriga, estamos a navegar à vista e numa fuga para frente a toda a velocidade. Onde ia gastar menos e onde ia conseguir mais dinheiro? A capacidade de endividamento de médio e longo prazo está esgotada e o dinheiro da concessão das águas não dá para tudo, mais de metade está gasto. Que interessa ter um orçamento de 53 milhões de euros se só concretizamos 20 milhões? Quando em 2009 a câmara tinha 52 por cento de custos com pessoal, 18 por cento correspondia a serviço da dívida e hoje temos 18 milhões de euros de dívida de curto prazo a empreiteiros e fornecedores. Como é que se vão fazer protocolos com as juntas de freguesia, com as colectividades, pagar a obra que se está a fazer e apoiar socialmente? Não vale a pena fazer obra com o dinheiro dos fornecedores e empreiteiros da câmara. “Câmara jogou politicamente com o processo Casa das Peles”A Câmara do Cartaxo decidiu contrariar uma ordem da Secretaria de Estado da Administração Local de encerrar o Complexo da Casas das Peles do Cartaxo, devido a uma construção ilegal, alegando estar a defender mais de 100 postos de trabalho. Podem advir daí consequências graves para os membros do executivo?O que as pessoas não sabem é que fomos confrontados com a inclusão deste problema na reunião de câmara de 28 de Setembro, meia hora antes, quando a comunicação do governo tinha chegado à câmara há dois meses, a 20 de Julho. Votámos a favor porque ninguém quer extinguir postos de trabalho, mas houve incompetência, incapacidade e desmazelo total.Houve chantagem política da maioria PS sobre os restantes membros do executivo?Não digo chantagem, porque votámos em consciência mas estamos preocupados com a situação e, obviamente, com a eventual perda do mandato. Agora percebemos porque é que 15 dias antes de outra reunião, a 21 de Setembro, foi enviado para a CCDR-LVT um processo para regularização de 12 situações ilegais de empresas. Percebemos agora que foi aí que começou a defesa da câmara em relação à comunicação do secretário de Estado. Houve falta de transparência neste processo. Apreciador de Passos Coelho, Sá Carneiro e Isaura Morais“Sou pela justiça, pela solidariedade e defendo a seriedade acima de tudo. Não sou pressionável nem influenciável. Não sou mentiroso”. É assim que se define Paulo Neves, como político. Não exclui nenhum partido e partilha opiniões com todos. Paulo Neves aprecia Pedro Passos Coelho, actual líder nacional do PSD e a sua forma diferente de fazer política. Tanto quanto gostava da liderança de Sá Carneiro. A nível regional destaca a presidente da câmara municipal de Rio Maior, Isaura Morais. “É uma mulher com M grande. Enfrenta desafios, até põe cá fora problemas pessoais, quando se fala em violência doméstica”.Paulo Neves diz que ainda lhe falta fazer tudo na política e que o próximo presidente da Câmara do Cartaxo deve ser um cidadão exemplar. “Principalmente, um que seja sério e não prometa o que não pode fazer”, declara.

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