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Há trinta e oito anos a treinar e a ajudar a educar jovens atletas em Fátima

António Ramos começou há 38 anos no Centro Paroquial de Fátima e há 23 anos foi a chave mestra da criação do actual Grupo de Atletismo da “Cidade dos Milagres”

António Ramos Pereira é professor aposentado, e desempenha o cargo de coordenador e treinador no Grupo de Atletismo de Fátima (GAF), um trabalho que tem dado grandes frutos, quer no âmbito desportivo quer educacional. Acredita profundamente no trabalho que se desenvolve no clube. “Os exemplos são flagrantes, orgulhamo-nos de ver muitos homens e mulheres que passaram pelo GAF serem sobretudo pessoas de grande nível na cidade e no concelho”.

Como é que apareceu ligado ao atletismo em Fátima?Foi através do trabalho que desenvolvia no Colégio de São Miguel. Para prosseguir a formação de atletas passei a treinar no Centro Paroquial de Fátima. Nessa altura apostava-se, sobretudo, na corrida de estrada.Mas nesta altura as especialidades mais técnicas é que dão nome ao atletismo no GAF?Sim é verdade. Mas na altura as condições eram precárias a todos os níveis. Mesmo assim e a praticar nos locais adaptados e sem condições começámos a fazer provas de velocidade, de saltos e lançamentos. Isto em 1971 e 1972.Essa adaptação veio dos tempos de estudo na Alemanha?Sim. Os meus professores na Alemanha, um país rico, sempre me ensinaram que para progredir tínhamos que deitar mão a tudo, tínhamos que saber improvisar e foi daí que trouxe esses ensinamentos.Começou no Centro Paroquial de Fátima, mas acabou por ser o grande dinamizador e fundador do GAF.É verdade. O Centro Paroquial de Fátima, hoje Centro Desportivo, era um clube de futebol e aí o atletismo não é compatível. E em 1982 entrou um presidente que era mesmo contra a existência do atletismo no seio do clube. Daí as pessoas ligadas ao atletismo resolveram sair e formar o Grupo de Atletismo de Fátima.O professor foi um dos fundadores do clube?Sim, fui eu e mais algumas pessoas. Nomeadamente o Joaquim Clemente, o homem da pista de aviação, que é o sócio número um, e o Jorge Oliveira Ramos, proprietário da Rosa de Ouro, que é o sócio número dois, foram muito importantes na criação do GAF.O clube nasceu já com uma filosofia de base bem formada?Sim. No nosso entender primeiro está a pessoa depois está o atleta. Interessa-nos formar pessoas e se ao mesmo tempo forem atletas de alto nível ainda melhor.Desde a sua fundação o GAF tem sido um clube bastante estável?Sem dúvida que sim. Temos mentido uma linha de evolução. Tem sido muita gente a trabalhar. Temos tido sempre técnicos de renome a juntarem-se a nós, o último a vir trabalhar connosco foi o treinador José Dias, um homem de grande carácter e com conhecimentos profundos nas áreas técnicas do atletismo.Sempre pessoas que se integram com facilidade na filosofia do Grupo?Sim, porque eu faço questão de os ajudar a compreender essa filosofia. O clube tem a sua maneira de estar, não obrigamos os atletas a fazer o que não querem, tentamos simplesmente respeitar a autonomia do atleta e orientá-lo naquilo em que ele sente que pode vir a ser melhor. E os novos treinadores inserem-se com facilidade nesta filosofia.Mas o treinador tem que tomar decisões de orientação?Claro, e não abdicamos delas. A última palavra cabe sempre ao treinador. O Atleta não pode decidir o que vai fazer, num treino tem que seguir o rumo que o treinador traça. Mas quem traça objectivos é o atleta?É verdade. O atleta é que tem que decidir se quer ser de alta competição ou se quer ser um atleta para participar. Mas, depois de conhecer os objectivos do jovem é o treinador que traça as linhas de actuação.Como é que o treinador consegue impor a sua autoridade?É fácil. Um bom treinador não se impõe pela força bruta. Impõe-se pela competência, a aí o atleta não tem ponta por onde pegar e aceita com facilidade as suas indicações. Sente que têm passado pelo GAF grandes atletas?Sim. Embora o nosso maior orgulho não sejam os resultados desportivos. São sim os resultados pessoais, humanos e sociais. Felizmente que muitos dos nossos atletas se têm pautado como modelos para a sociedade em geral. Neste momento podemos apresentar os nossos três grandes atletas como três grandes pessoas, o Tiago Marto, o Samuel Remédios e a Ana Oliveira, são tudo aquilo que nós queremos que os nossos jovens sejam.Quando nos dá esses exemplos nota-se um orgulho contido na sua voz…É verdade, passaram por aqui milhares de jovens, e quando olhamos para trás e vimos o que elas são hoje, pensamos para nós próprios que na verdade contribuímos para elevar a cidadania, ajudámos a criar bons cidadãos bem formados com preocupações de vida social que não é comum. É pena que muitas vezes as pessoas que ajudam a treinar e a educar essas pessoas sejam esquecidas?Sim, porque há sempre muita gente a trabalhar com vontade para elevar o respeito e a cidadania das pessoas e dos atletas. No meu caso sou eu, a minha esposa, o meu filho e outros familiares que me dão muita força. Porque agora que já não estou a dar aulas passo o dia todo a resolver coisas do clube. Quando fazemos os torneios com as escolas é a minha esposa que vem ajudar a fazer os lanches, a minha filha vem fazer um pequeno filme para depois apresentar, são pessoas que estão também comprometidas com a modalidade e gostam de me ajudar.Com um trabalho de tanta qualidade nunca surgiu a oportunidade de sair para outro clube de maior nomeada?Não. O único convite que tive foi para o futebol. A determinada altura os dirigentes do União de Leiria vieram falar comigo para ir preparar fisicamente a equipa de futebol sénior. Recusei porque isso não era compatível com a minha vida profissional.O Grupo de Atletismo de Fátima identifica-se muito com o professor Ramos?Tenho plena consciência disso. Posso dizer que sou o vértice de uma pirâmide, atletas, técnicos, direcção e população em geral. Uma pirâmide cada vez mais alargada. Sou a única pessoa que se tem mantido desde a fundação do clube. As direcções entram e saiem, os atletas fazem o seu percurso e depois seguem a sua vida. Eu sou o “pai” da filosofia do projecto.Quantos atletas movimenta o GAF?São duas centenas de atletas, 140 federados e 60 não federados, que são os das escolinhas crianças com sete, oito e nove anos.Porque é que os atletas do GAF se destacam mais nas provas técnicas?Porque a partir de uma certa altura as estradas de Fátima ficaram apinhadas de carros e era um perigo andar ali a correr. Depois a falta de atletas para o meio fundo e o fundo é cada vez maior. Daí a nossa aposta nas provas técnicas. É por isso que o GAF é um dos melhores do país nas provas combinadas.O desporto no distrito de Santarém está bem e recomenda-seComo é que classifica o desporto ao nível do distrito de Santarém?Classifico com uma boa nota. Temos excelentes atletas em várias modalidades. Temos atletas com medalhas em campeonatos mundiais, europeus e mesmo grandes presenças em Jogos Olímpicos. A modalidade número um é o atletismo, mas na ginástica e nas artes marciais também temos grandes resultados. Porque o desporto não é só o futebol.E a nível de dirigentes e instalações?Posso falar no atletismo, e aí penso que estamos bem servidos quer na Associação de Atletismo de Santarém, quer nos clubes. A nível de instalações estamos muito bem, só é pena é que algumas pistas não estejam apetrechadas como deviam. A pista de Fátima não está completa?Não. É uma pena que às vezes os nossos atletas ainda tenham que ir treinar a Leiria.É preciso muito dinheiro para fazer esse apetrechamento?Algum. A Câmara de Ourém construiu a pista mas não a apetrechou, nós temos feito força para que a câmara avance com o apetrechamento e apresentámos um projecto, para que isso seja possível.Que projecto?É um projecto de construção de estágios desportivos em Fátima. É um projecto que engloba o clube, a Câmara de Ourém, a Associação Hoteleira de Fátima, a Junta de Freguesia, o Turismo Leiria-Fátima e Federação Portuguesa de Atletismo. Para isto andar para a frente tem que haver investimento, e a câmara já propôs aos hoteleiros para colaborarem nesse investimento, para depois terem retorno. O investimento na pista rondará os 100 mil euros. Depois haverá mais algumas coisas que será preciso fazer, que terá que ser a câmara a levar por diante. Acredito que é um projecto que tem pernas para andar.Um professor e treinador formado na Alemanha que se apaixonou pelo atletismo de FátimaAntónio Ramos Pereira nasceu em 1944 no Fundão, estudou na Escola Alemã de Gouveia, onde se apaixonou pelo desporto, principalmente pelo Atletismo. Foi professor de Alemão, História, Educação Física e Desporto no Colégio São Miguel, em Fátima.Fez a sua formatura na Universidade de Colónia, na Alemanha. Foi praticante de várias modalidades, quer em Gouveia, quer na Alemanha, daí nasceu o seu gosto pelo desporto como escola de formação e educação. Aliás toda a sua família é poliglota. “Tanto da minha parte como da minha esposa temos familiares um pouco por todo o mundo, falando várias línguas e dominando várias formas de educação desportiva, cultural e a nível de trabalho colectivo”. Esteve seis anos na Alemanha, ali conheceu a sua esposa, uma fatimense de gema, casou e veio para Fátima. Entretanto fez o serviço militar em Castelo Branco, “estive no BC 6 como oficial de educação física e desporto e ao mesmo tempo dava aulas de alemão na Escola Industrial daquela cidade”.No final do serviço militar era para voltar para a Alemanha, mas os responsáveis do Colégio de São Miguel souberam da sua formação académica e já não o deixaram ir embora, contrataram-no para dar aulas no Colégio. “Foi ali que comecei a trabalhar mais a sério no sector do desporto. “No Colégio de São Miguel o desporto é considerado uma vertente importante na formação dos jovens”.O Colégio de São Miguel era e é um modelo na educação e formação. “É daí que veio o meu grande salto para o treino de jovens atletas e a passagem, primeiro para treinador do atletismo no Centro Desportivo de Fátima, e depois a formação e continuidade no Grupo de Atletismo de Fátima, onde estou até hoje”.“O ensino em Portugal está muito debilitado porque a democracia entrou nas escolas”Ligação ensino, educação, desporto não é a ideal?Não. Nos últimos anos têm aparecido algumas luzes boas, o sistema de ensino tem colaborado mais activamente com as federações, já se fazem algumas provas conjuntas. As federações estão a entrar nas escolas e estas estão a aderir.Isso será o ideal para o futuro do desporto?Para mim não. Eu tenho uma ideia diferente para isso. Sou muito mais adepto do sistema alemão, nós identificamo-nos com o sistema francês que está moribundo, o professor de educação física é um híbrido, não é um professor nem é um técnico, tiram um cursinho de três anos que passa por todos os desporto e não sabem nada. Como é na Alemanha?Na Alemanha não há professores de desporto, porque não há desporto nas escolas, há ginástica e o professor normal é que dá essa aula. Para praticar desporto o jovem vai para o clube de formação onde tem o técnico pago pelo Ministério da Educação, que no final de cada período mandam a sua avaliação para a escola. O jovem opta pelo desporto que lhe interessa mais.A propósito, como está o ensino a nível geral?Vou dizer uma coisa que é um bocado dura de ouvir. Mas o que eu sinto é que o que se tem feito no ensino em Portugal nos últimos anos é uma trapalhada. Há o ensino até ao 25 de Abril que era só para alguns. Depois durante alguns anos as coisas ainda andaram direitas. Mas algum tempo depois as coisas afundaram-se por completo.Afundaram-se porquê?Porque em Portugal nunca tivemos mestrado em ciências da educação. E curiosamente foi quando esse mestrado apareceu que as coisas afundaram ainda mais. Os mestrados saíram das universidades, não tiveram nada de trabalho escolar e foram metidos no Ministério da Educação para pensar o ensino em Portugal, isso estragou tudo o que de bom estava feito. Mas isso é uma contradição?Não. Não é. Fez-se a escolarização da educação, isto é inventou-se a escola inclusiva onde se fazia tudo, e a educação não é de ninguém. Temos estabelecimentos de ensino e não de educação, e depois temos um ministério que se chama da educação, o que é uma aberração completa.Mas a culpa do que me está dizer é de quem? Foram os alunos que ganharam poder de mais com aquilo que chama de entrada da democracia nas escolas?Não foram os alunos que ganharam poder demais. Os professores é que perderam poder, e foi por culpa deles. Quando disse que a democracia entrou nas escolas, parece-me que os professores foram obrigados por eles próprios a descer ao nível dos alunos. Um professor ou um treinador não pode estar no mesmo plano, tem que estar a um nível superior e direccionar o ensino para um nível mais alto.E isso hoje não acontece?Não. O ensino hoje não passa de um nível médio. E o aluno médio não existe, ou é fraco ou percebe de tudo. Direccionar o ensino para o nível médio, é baixar o nível dos melhores e não levantar o nível dos piores. Mas isso não é só culpa dos professores?Sim é também culpa dos pais e do ministério que se deixou ir na cantiga. Eu acho que a escola de hoje deixou de ser um sítio onde se transmite mais saberes e passou a ser uma gaiola onde se metem as crianças, e onde muitas delas se sentem infelizes, os professores deixaram de ser transmissores de saberes para serem guardadores dos alunos. Essa é a grande mágoa que eu tenho do ensino actual. Hoje o professor não olha o aluno da mesma forma que o fazia há alguns anos atrás?Não. Porque o professor tem que fazer uma adaptação e quem não o conseguir morre. Não é porque o aluno é mais difícil, mas é porque o professor não consegue impor a disciplina de forma natural.

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