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O historiador que também quer ser poeta

O historiador que também quer ser poeta

José Raimundo Noras é um dos novos rostos da política em Santarém

Diz que é como historiador que prefere ser classificado, mas as várias facetas dificultam a catalogação. José Raimundo Noras divide a paixão pela investigação histórica com a poesia, a política autárquica e partidária e com a actividade de professor. Aos 30 anos, este militante socialista tem uma vida cheia mas ainda lhe sobra tempo para namorar, ler e estar com os amigos. Nesta entrevista fala também das afinidades com o pai, o ex-presidente da Câmara de Santarém José Miguel Noras, e da gestão de Moita Flores à frente da mesma autarquia.

Até que ponto o seu pai, José Miguel Noras, foi determinante nas suas opções de vida? Pergunto isto porque o seu percurso tem alguns pontos de contacto com o dele, como a política, o interesse pela História e pela escrita.Foi muito importante mas nunca foi condicionador. A minha educação foi sempre feita na base da liberdade. Nós aprendemos muitas vezes com os erros. Daí ter ingressado em Direito e depois ter saído para História e os meus pais me terem dado essa possibilidade. Considero que foi importante ter pelo menos sempre uma divisão da casa cheia de livros. Sem isso provavelmente não me teria interessado tão precocemente pela leitura ou pela História. Somos condicionados pelo meio e o mesmo se aplica no contexto das opções políticas.Embora tenha começado pelo Bloco de Esquerda.Cheguei a concorrer em listas do Bloco de Esquerda mas depois acabei por me desiludir.Porquê?Sobretudo porque, ao contrário do que apregoam, não era um partido que trazia algo de novo à sociedade. Quando ingressei no Bloco pensei que tínhamos um partido novo com uma matriz de esquerda, sem os vícios de poder ou de oposição crónica que os outros tinham. Cedo, e sobretudo na faculdade e em listas académicas, apercebi-me que não. Era um partido que tinha exactamente os mesmos vícios e o mesmo tipo de clientelismo que os outros. Por isso me afastei.E optou pelo PS…Para isso prefiro estar no Partido Socialista, cujos ideais sendo diferentes são mais pragmáticos. Apelam à social-democracia, que deve ser o caminho do socialismo hoje. O que pensa da política cultural do actual presidente da Câmara de Santarém, Moita Flores?Há aspectos francamente muito positivos. Como a criação de uma agenda cultural para o município e a dinamização de espaços culturais como o Teatro Sá da Bandeira e a Casa do Brasil. O que tem falhado sobretudo é a falta de apoio às associações locais. Porquê criar um Coro dos Pequenos Cantores de São Francisco, com um maestro pago pela câmara e cujas deslocações de Lisboa a Santarém são pagas pela câmara? Não sei de quem o maestro é amigo, nem me interessa, mas o certo é que já existia o Conservatório, já existia o Círculo Cultural Scalabitano que tinha um coro. Para quê reproduzir estruturas? Por que não contar com as associações culturais para isso?As festas criadas pelo presidente Moita Flores são também regularmente criticadas pelo PS.Em relação às festas faço as mesmas críticas. Podem existir sem se gastar dinheiro do orçamento municipal. Ou pelo menos gastando o mínimo de recursos. Eu vou às festas, todos gostamos disso e os momentos de diversão fazem parte da nossa vida. As Festas de São José mobilizam as pessoas e ainda bem. É positivo que haja a passagem de ano. É negativo é que gastem dinheiro ao orçamento municipal.Qual é a solução?É realizarem-se com parceiros privados. Estas festas produzem lucros. As pessoas consomem. Eu estive na organização da Queima das Fitas de Coimbra, onde toda a organização é privada e geralmente dá lucros se não houver uma gestão danosa. Festas dessa natureza têm de ser viáveis economicamente. Se são um custo para a câmara o município não as deve realizar. Agora já há uma empresa municipal para as organizar.Mas vão ter consequências no orçamento da câmara. Acho que não havia necessidade de criar essa empresa municipal para a área da cultura e turismo. As empresas municipais são a forma que os executivos têm, de uma certa maneira, de fugir ao controlo das assembleias municipais. Acho que tudo o que essa empresa faz podia ser feito pelo departamento de cultura da câmara. O que pensa do apoio da câmara à realização de corridas de toiros, nomeadamente com compra de bilhetes para distribuir?Entendo que isso não é uma função do executivo e muito menos será a oferta de bilhetes. Mas embora não sendo aficionado gosto do espectáculo. E apesar dos termos em que o actual presidente da câmara escreveu a petição, que são um pouco ostensivos e ofensivos para quem não é adepto, eu até a assinei. Sobretudo porque o touro bravo deixaria de existir se acabassem as corridas. O Teatro Rosa Damasceno, actualmente à beira da ruína, é um caso perdido?Espero que não, mas já tive mais esperança. É preciso que a população reivindique o Teatro Rosa Damasceno como seu. Chegou a haver uma petição e uma vigília, um movimento que depois adormeceu. Se as pessoas não quiserem o teatro, ele vai cair. A cidade parece estar um bocado alheada dessa situação.A cidade parece estar de costas voltadas. Em Gouveia aconteceu precisamente o mesmo problema e a sociedade civil constituiu uma associação, que teve o apoio da câmara e de empresas, e salvaram o cine-teatro. O que me custa mais é a apatia da população relativamente a esse problema. Ser autarca da oposição com um presidente de câmara como Moita Flores é mais estimulante?Acho que sim. É estimulante sobretudo porque ele não responde às nossas questões. Dou-me pessoalmente muito bem com o presidente Moita Flores. Provavelmente se lhe colocar as questões em privado ele responde-me. Mas o que é certo é que na assembleia municipal não responde. Há duas sessões coloquei-lhe a questão sobre o que irá ser feito do antigo edifício do Banco de Portugal. Soube depois num contacto informal que ia ser vendido. Então se há essa opção política por que não divulgá-la na assembleia municipal?Quanto ao Café Central, já recebeu alguma resposta?Também não. Soube pela comunicação social que o parecer do IGESPAR relativamente ao projecto foi negativo. E soube também por conversas particulares com o concessionário que o processo estava atrasado. Filho de peixe sabe nadarFez recentemente 30 anos mas já tem muito que contar. José Miguel Raimundo Noras não pára. Professor e formador, investigador na área de História, dirigente local, regional e nacional da Juventude Socialista, autarca na Assembleia Municipal de Santarém e poeta em formação, diz que prefere ser classificado como historiador. Um jovem multifacetado, nascido, criado e residente em Santarém, que seguiu alguns dos passos do pai, o homónimo José Miguel Noras, que foi presidente da Câmara de Santarém entre 1992 e 2002, homem envolvido nas coisas da política, da História e da escrita.José Raimundo Noras, solteiro e sem filhos, diz que é natural a quem cedo se habituou a conviver com os livros ter seguido os caminhos que trilhou. Da faceta literária, a notícia mais recente é a integração de três poemas seus numa antologia brasileira de poesia fantástica intitulada “À Sombra do Corvo”. São textos de 19 autores e Miguel Raimundo, o seu nome literário, é o único português.A obra resultou da colaboração entre a editora Estronho e a editora Literata, ambas da cidade brasileira de São Paulo. A antologia foi organizada por Marcelo D. Amado e tem prefácio de Alessandro Reiffer. Dos 19 autores, dez foram convidados a participar. A escolha dos restantes nove poetas decorreu em Julho de 2010 num concurso promovido pelo blog da editora Estronho. Foi dessa forma que Miguel Raimundo conseguiu ser um dos contemplados na antologia. A sessão de apresentação do livro está marcada para sábado, 15 de Janeiro, às 15h30, na Casa do Brasil em Santarém. Já escreve com consciência literária desde os 15 anos. Começou com uma espécie de diário onde depositava poemas, pensamentos, desabafos. Na Faculdade de Letras de Coimbra, onde se licenciou em História e onde está a finalizar o mestrado em História da Arte, colaborou com a revista da associação de estudantes. Foi ainda dirigente do núcleo de estudantes da Faculdade de Letras, a cujo conselho directivo pertenceu enquanto representante dos estudantes. Integrou ainda a comissão organizadora da Queima das Fitas de Coimbra, a mais famosa do país.Diz que ainda é cedo para ser considerado um poeta. “Talvez um dia possa ser. É a posteridade que se encarrega disso. Evidentemente escrevo textos em verso com um conteúdo poético e tenho projectos de publicar mais livros”. Na forja está “O musgo das horas”, que reúne poemas escritos em 2010. Antes já havia publicado “hEra de Fumo”, em Abril de 2010, com textos escritos durante a década passada. Da investigação histórica nasceu em 2010 a primeira fotobiografia de José Relvas, um dos heróis da República, que o fez percorrer o país em sessões de apresentação. Actualmente, José Raimundo Noras dá aulas de Sociologia na Escola Profissional do Vale do Tejo, em Santarém, e formação em Cidadania num Centro de Novas Oportunidades da mesma cidade. Na política começou pelo Bloco de Esquerda, mas depressa se desiludiu, tendo aderido à Juventude Socialista. É presidente da concelhia dessa organização partidária, integrando também os órgãos distritais e a comissão política nacional. “PS está a fazer a travessia do deserto”Há quem diga que faltam novos protagonistas ao PS de Santarém. Concorda?Não sei se faltam. Acho que o partido está a fazer o percurso necessário, a direcção do partido está a voltar a contactar com as freguesias. O efeito da popularidade do actual presidente da câmara e a derrota eleitoral pesada nas últimas eleições causaram a necessária travessia do deserto. Quando for a altura certa, os protagonistas irão aparecer. O fim dessa travessia está para breve?Essa travessia está a ser feita e o que falta agora, e espero que a direcção do partido o faça, é a abertura à sociedade. Não só fazer o trabalho de reorganização do partido que a concelhia tem feito. Falta a parte posterior, de contactar com as pessoas, ouvir as associações, o que penso que já está a ser feito, e que daí saia também mais adesão ao partido. Porque há descontentamento com a actual gestão camarária. Verificou-se na questão do estacionamento pago, nos atrasos no pagamento dos duodécimos às juntas de freguesia. Devemos saber ouvir esse descontentamento e devemos ter um plano para a cidade e para o concelho. Imagina-se um dia presidente da Câmara de Santarém?Não sei. Se essa circunstância se colocar terei que pensar sobre isso. Mas neste momento não me imagino. Não está no meu horizonte a médio prazo.Nunca sentiu no PS o estigma por ser filho de quem é?Não, nunca senti. Existem opiniões, existem facções, famílias ou grupos dentro dos partidos, como na sociedade em geral. Tenho as minhas ideias, o meu pai teve as dele e por vezes temos opiniões divergentes sobre a sociedade. No segundo mandato do meu pai, existia um projecto de classificar Santarém como património mundial da humanidade, que infelizmente não correu bem.Não era uma utopia?Não. Houve foi falta de apoio político do poder central na recta final, quando era realmente muito importante. Como aconteceu com Guimarães ou até com o Porto.Foi o próprio PS que lhe tirou o tapete.Acho que aconteceu isso. E até em Santarém houve quem ficasse satisfeito com esse desfecho.Há sempre pessoas que ficam satisfeitas com o atavismo. Não temos uma dimensão tão menor que Évora ou Guimarães. Estas classificações patrimoniais também potenciam o próprio desenvolvimento da cidade. E as decisões não são de um dia para o outro. Outra coisa que tem sido descurada é o impacto do turismo religioso em Santarém. Temos o segundo santuário mais visitado a seguir a Fátima.Como é que viveu aquela altura, em 2001, em que o PS escolheu Rui Barreiro para ser candidato à câmara em detrimento do seu pai, que era o presidente?Já tinha alguma consciência política e apercebi-me do que se estava a passar. Apoiei o meu pai, mas achei que ele não se devia ter candidatado nesse momento, sobretudo por motivos pessoais. Já em termos políticos faria todo o sentido candidatar-se a um terceiro mandato e depois sair. Seria a sequência natural.Lançou uma fotobiografia de José Relvas em 2010. As comemorações do centenário da República foram frouxas. Pois, mas parece que gastaram muito dinheiro. É isso que não percebo, aqueles milhões de euros... Porque, por exemplo, a nossa edição da fotobiografia de José Relvas teve apenas o apoio institucional, que agradecemos e que é de louvar. Podia ter havido um apoio maior a este tipo de obras, que não são investigação pura e dura mas pretendem divulgar esse período da nossa História.Os portugueses têm a República que merecem?Não sei se têm. Em certa medida sim, mas deviam agir mais sobre a sua República. Vejo cada vez mais um conformismo e isso é o pior que pode acontecer em democracia. As pessoas preocupam-se cada vez menos com a coisa pública. Não é comum hoje ver-se um jovem com 30 anos com tanta actividade pública, profissional e académica. Ainda lhe sobra tempo para mais alguma coisa?Sim. Sobra tempo para namorar, para estar com os amigos, para ler, para ir ao cinema. Mas menos. Antes ia ao cinema todas as semanas e agora vou de três em três meses. São actividades de que gosto muito. Aprende-se muito com os filmes e com os livros. Não consigo adormecer sem ler nem que seja duas ou três páginas. Neste momento estou a ler o novo romance do Agualusa. Costumo ler sobretudo ficção e por vezes poesia, até para desanuviar.Alguns historiadores faltam à verdadeProfessor, político, investigador, poeta. Em qual destas facetas mais se revê ou mais se aplica?Na faceta de investigador, sem dúvida. Aliás, revejo-me como historiador. O problema é que muitas pessoas utilizam, digamos, o título e não existe na nossa actividade nem uma ordem nem uma corporação, como existe, por exemplo, com os arqueólogos. Não há nada que nos regule. Não sou restritivo. Todos os profissionais têm direito a investigar em termos históricos e até se podem designar historiadores. Mas devia haver, e tenho tentado que a classe se mova nesse sentido, uma associação de historiadores portugueses. Uma ordem ou uma entidade sindical que nos protegesse também de uns certos abusos.Existe um certo amadorismo nessa área. Sim. Mas acho que o amadorismo não é o principal problema. Às vezes é mesmo a mentira declarada. Algumas pessoas, ou porque viveram determinado período histórico e não têm aquela imparcialidade, ou porque servem determinado discurso de poder, fazem investigação com uma marca ideológica clara.Está a referir-se, por exemplo, à nossa História relativamente recente?Sim, como a época do Estado Novo.Lembra-se de algum caso em concreto.Uma vez o professor José Hermano Saraiva disse que não havia separação entre sexos na escola do Estado Novo. Quem viveu nessa época sabe que isso é falso. Um historiador não pode cometer esse tipo de erros.O professor José Hermano Saraiva é várias vezes criticado por romancear os factos históricos.Não está em causa o tipo de História que ele faz. Tem validade desde que se compreendam as motivações. Existe um certo folclore do contar da História, desse ponto de vista, mas creio que isso também é necessário para a divulgação da própria História. O discurso histórico não pode ser exclusivamente científico, sob pena de não chegar a um público mais vasto. Ponho em causa, sim, faltas à verdade evidentes.benjamimbuttondesnascer, a passo e passosentir o tempo no seu anverso,no desenrolar das horas.tanto a memória,como angústiasubsistem nessas vidasque se encontrama meio tempo, tanto a dor como a coragemme conquistamnesse mitodesatento.uma vida ao contrárionum reverso de tempoe promessas de sonhosem ligeiros contratemposSantarém, 27/01/2009
O historiador que também quer ser poeta

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