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A professora pintora que viu o caminho desviado das artes por duas vezes

São os motivos religiosos que Hermínia Mesquita mais gosta de pintar

Hermínia Mesquita, pintora e professora em Vila Franca de Xira, falhou a Escola António Arroio e a Faculdade de Belas Artes mas mesmo assim não desistiu da paixão pela arte.

No Centro de Bem-Estar Infantil (CBEI), em Vila Franca de Xira, existe uma sala repleta de desenhos e telas onde Hermínia Mesquita, 57 anos, dá aulas de pintura a alunos dos cinco aos 74 anos. Os mais pequenos vão chegando e cumprimentando a professora enquanto procuram as telas que estão a pintar. Hermínia Mesquita é professora de inglês na instituição há 10 anos, mas o jeito para as artes levou-a a dedicar-se também ao ensino da pintura. Em pequena as professoras elogiavam-lhes os trabalhos. Existe um episódio que marcou o seu percurso. Tinha 15 anos quando conheceu o cartunista António Antunes, na altura com 17 anos. “Ele veio à minha casa e fez-me um retrato a carvão e uma caricatura”, recorda com uma energia contagiante. António reconhecendo o jeito da amiga, desafiou-a a ir para a Escola António Arroio, em Lisboa, mas o pai de Hermínia Mesquita não autorizou devido à idade. Dedicou-se então ao Inglês e quando já se podia matricular na Faculdade de Belas Artes, em Lisboa, a pintora não tinha a matemática que era exigida. “Foi o meu segundo desgosto, mais uma vez o meu caminho parecia que se desviava da pintura”, relembra. Seguiu o curso de Línguas e Literaturas Modernas, na Faculdade de Letras, em Lisboa. Já depois de começar o percurso profissional, como professora de inglês, não desistiu da paixão e continuou sempre a desenhar em cartolinas o rosto de amigos e familiares que apanhava em casa. Desafiada por um aluno inscreveu-se em 2002 no Grupo de Artistas e Amigos da Arte (GART). Um dia o pai de uma aluna de inglês no CBEI perguntou-lhe que materiais de pintura deveria comprar para oferecer à filha. Não tardou a que Hermínia Mesquita começasse nos intervalos a ensinar a aluna a usar esses materiais. Mais crianças se juntaram para aprender. O interesse estava instalado. Uns tempos depois a mãe da Marta Paiva liga à professora a pedir para dar aulas de pintura à filha. “Depois do CBEI autorizar comecei com uma turma de sete alunos a dar aulas gratuitamente para ver como corria a experiência”. O sucesso não se fez esperar e hoje, Hermínia Mesquita conta com uma turma de 40 alunos. No ano lectivo passado chegou aos 75. Desta vez era a sério e Hermínia Mesquita começou logo a tirar vários cursos de pintura, aperfeiçoando a sua arte. Neste momento executa trabalhos a carvão, sépia, sanguínea, grisalha, óleo e essencialmente a pastel (ver caixa). Dos seus quadros destacam-se os retratos, as paisagens os motivos tauromáquicos e os religiosos. Só não faz abstratos, prefere basear-se na realidade. “Sou vilafranquense e gosto muito dos temas da tauromaquia. A minha irmã tem também uma loja onde vende coisas típicas de Vila Franca de Xira e os quadros da tauromaquia são lá vendidos”. Do que mais gosta é dos temas relacionados com a arte sacra por causa dos panejamentos. “Não é uma questão religiosa, mas artística. Não consigo encontrar panejamentos tão ricos em mais lado nenhum”. O tempo para pintar não é muito e, por isso, a pintora rouba horas ao sono para conseguir ir adiantando os seus trabalhos. “Às vezes estou até às quatro da manhã a pintar durante a semana”, revela. A conversa é interrompida pelos alunos que vão solicitando a atenção da professora. Uma menina mostra o quadro do Batman que pintou, outra prepara-se para dar cor à Rapunzel. É neste ambiente que Hermínia Mesquita se sente bem, a partilhar os conhecimentos da arte que é a sua verdadeira paixão. O caminho da pintura cismou em desviar-se por duas vezes, mas a pintora vilafranquense nunca se perdeu. No próximo dia 6 de Março inaugura a exposição “Nas Minhas Mãos…” no Museu João Mário, em Alenquer.O misterioso quadro do Harry PotterNuma parede da sala do Centro de Bem Estar Infantil de Vila Franca de Xira, onde Hermínia Mesquita dá as aulas de pintura, encontram-se uma série de desenhos do Nemo, Capuchinho Vermelho e Winx. Um mural de fotografias com telas que estiveram em exposições preenchem outra das paredes. Mas o trabalho dedicado aos mais pequenos que mais sobressai é uma tela do feiticeiro Harry Potter. “ “Tinha o quadro do Harry Potter emoldurado, mas um dia cheguei aqui e estava no chão, partido. Usei esta tela durante nove anos para mostrar aos meus alunos os erros que cometia quando comecei a usar o pastel. O Harry Potter não deve ter gostado de ser massacrado tanto tempo e caiu. Estou agora a melhorá-lo para depois o integrar numa exposição”, desvenda Hermínia Mesquita. A pintora que se assume como pastelista“Sou e serei sempre uma pastelista”, revela Hermínia Mesquita enquanto mostra um livro que tem o retrato a pastel de Duval de l’Epinoy, de Maurice-Quentin de La Tour que viu no Museu Calouste Gulbenkian, em Lisboa. Hermínia Mesquita é autodidacta e foi aprendendo a trabalhar a pastel sozinha. “Nunca realizei nenhum curso específico sobre o pastel, mas fui condensando os conhecimentos que aprendi com vários mestres”, explica. O pastel é, de acordo com a artista, uma óptima técnica para ensinar às crianças porque além de não sujar, é relativamente barato. “Da primeira vez que me sugeriram o pastel respondi que pastel só me lembrava os pastéis de bacalhau”, conta a rir a artista que admira Leonardo da Vinci e Salvador Dalí. Dos pintores actuais destaca João Mário, Paula Rego, João Pinto e Rui Pinheiro. Hermínia Mesquita já participou em várias exposições colectivas e também organizou algumas individuais desde 2003. Está mencionada na colectânea de artistas “Naturalismo: Arte Maior” (colecções Atelier), no “Dicionário de Arte no Feminino” de Afonso Almeida Brandão e no livro “O Figurativo nas Artes Plásticas em Portugal no século XXI. Quem é quem”.

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