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“Cada vez faz mais sentido criar o concelho de Fátima”

José Poças das Neves, autarca da cidade das aparições, defende a separação de Ourém

José Manuel Dias Poças das Neves, 52 anos, é secretário da Junta de Freguesia de Fátima e um dos dirigentes locais do PSD. Foi a profissão de professor que o levou a fixar-se em Fátima, onde dá aulas de História. Esteve ligado a diferentes associações da freguesia e possui o cartão da associação de jornalistas de Turismo. Após 10 anos na Assembleia Municipal de Ourém, vive agora o seu segundo mandato na junta de freguesia.

No actual quadro económico e político faz sentido continuar a reivindicar a criação do concelho de Fátima?Há aqui um problema que muitas vezes as pessoas usam a bel-prazer. Quando dá jeito, qualquer que seja o partido, fala-se muito que todo o dinheiro vai para Fátima, esquecendo-se de que Fátima é que nós estamos a falar. Para já não é verdade. Eu lembro-me, para minha grande surpresa, que quando tomei posse na assembleia municipal ouvia falar sempre nesse assunto. Mas quem recebe é a cidade de Fátima, que é uma cidade de turismo, não é a freguesia de Fátima. Se faz sentido o concelho de Fátima? Eu pessoalmente acho cada vez mais que sim. Porquê?Pela divisão um pouco artificial que as pessoas às vezes se aproveitam para fazer entre Fátima e Ourém. Quando convém Fátima é a jóia da coroa e deve estar ligada a Ourém. Quando não convém as coisas não vão para Ourém e para as outras freguesias porque temos que atender primeiro a Fátima. Isto é um jogo em que não entro. Não é por aqui que as coisas se resolvem. Por isso sou cada vez mais a favor de um concelho de Fátima, devido a esta situação em que os políticos a nível do concelho se aproveitam de Fátima para justificar obras que não fazem. Essa ideia do concelho está um pouco esquecida. Porquê?Não foi esquecida. Dentro do actual quadro, as pessoas não podem ser ingénuas, não se pode estar a levantar uma coisa que se sabe à partida que neste momento não tem viabilidade. Basta os políticos terem coragem a nível nacional, que é coisa que não têm, para uma nova definição de freguesias e concelhos. Sou a favor da extinção de alguns concelhos e da criação de um ou dois que me parecem importantes. Um deles será Fátima, até pela gestão que tem que ser feita. Há freguesias que têm que acabar, bem como concelhos, como na zona do Entroncamento, Barquinha, Golegã. Mas isso tem que ser enquadrado numa série de factores.O que representa Fátima no distrito de Santarém?A pergunta é dúbia, entre o que é e o que deveria ser. Julgo que actualmente é apenas uma referência no âmbito religioso. A ideia de Fátima é só ligada à parte religiosa, pouca gente conhece o valor de Fátima. Fátima é muito mais que a Cova da Iria. Fátima tem uma actividade a nível económico totalmente diferente do que as pessoas conhecem, tem um aspecto rural que deve ser utilizado, mas falta-lhe o reconhecimento a nível empresarial. Porque não estão unidos e Fátima perde muito por isso. É professor num dos três colégios privados de Fátima. Que ambiente se vive actualmente nas escolas?O ambiente é de grande tristeza. Existe um ranking nacional que serve para o que serve. Não é para fazer comparações nem para fazer competição, mas que se deveria ter em atenção. É um caso extremamente curioso porque já no ano passado se fechou uma escola pública que estava muito bem classificada no ranking. Este ano estão a ser afectadas, no que nos diz mais directamente respeito, três escolas que estão continuadamente entre as melhores do ranking quer do 9º ano quer do 12º ano. Não se está a tentar diminuir aquilo que está a funcionar mal, está-se a agir cegamente tentando privilegiar de certa forma as escolas públicas. De que forma?Aquilo que se está a fazer é uma competição entre as escolas privadas e as escolas públicas que não vai beneficiar aquilo que no final devia beneficiar, que é o aluno. Embora eu tenha uma opinião muito própria, acho que esta história das escolas privadas e públicas é uma acção muito clara contra a Igreja Católica que domina algumas escolas privadas a nível nacional. É a minha visão. Não se pode entender isto de outra maneira.Esse é o caso de Fátima?A grande questão que se deve perguntar é: por que é que tanta gente de fora vem para as escolas de Fátima? Por que é que tantos pais que não trabalham fazem o sacrifício de vir colocar as crianças em Fátima? E era por aí que se devia começar a analisar. Os pais obviamente vão responder que acreditam na qualidade das escolas de Fátima.Quais serão as consequências para Fátima se as escolas começarem a despedir pessoal ou eventualmente fecharem?Para já vamos deixar de ter uma grande massa crítica, que são os alunos. Depois há os pais que os vêm buscar e que também fazem um pouco da vida de Fátima, aumentam a circulação a nível comercial, etc. Terceiro grande aspecto é que acabamos com a fixação de alguns jovens. Vai-se perder depois também a fixação de professores, a fixação de famílias de professores. Fátima só teria a perder. Há também toda uma série de actividades que giram à volta dos colégios que deixaria de existir.Na reunião de hoteleiros de Fátima falou na criação de uma associação. Nota essa vontade ou ainda é cada um por si?Essa ideia começou a ser lançada, salvo erro, pelo meu pai quando era secretário-geral da Região do Turismo (anos 80/90). Acho que ainda está cada um por si, embora uma certa associação entre quatro hotéis revele exactamente esta nova massa crítica de jovens empreendedores. É pelo factor de união, apesar de cada um ter o seu negócio próprio, que Fátima tem que evoluir. Há ainda uma geração que não percebeu o alcance de todas estas medidas. Funcionam em género de capelinhas próprias, cada um cuida de si e não quer saber dos outros. É uma coisa evidente ainda nalguns sectores que tende a ser ultrapassada por esta nova geração de jovens que vem substituir os pais nos negócios.Como combater a sazonalidade e desenvolver o turismo em Fátima quando parecem vir cada vez menos peregrinos?A ideia é tentar resolvê-la através de determinadas acções pontuais. Um dos objectivos, muito mais bem reformulado, será exactamente o de realizar acções temáticas que terão obviamente que passar pela religião. A proposta que foi apresentada dos Presépios de Natal parece-me uma ideia muito boa se tiver qualidade. Acho que o problema é que às vezes fazemos coisas sem qualidade. Fui um pouco crítico em relação à pista de gelo porque não vinha trazer absolutamente nada. Temos que inovar. Como?Se se convidassem pessoas ou grupos de artesãos vindos de várias partes de Portugal conseguia-se fazer uma coisa que atraísse. Porque a actividade que foi feita não acrescentou valor a Fátima. O que se tem que fazer é actividades que levem as pessoas a ficar cá e que apresentem complementaridades que não existem em Fátima. Nós trabalhamos sempre muito isolados. Temos de tornar Fátima um centro em que a pessoa saiba que ao fim do dia tem outras alternativas. Apostar na diversidade. Temos aí uma parte rural que ainda não está trabalhada. Para isso é preciso as pessoas sentarem-se, falarem. A Câmara de Ourém criou um projecto no Natal precisamente para chamar mais pessoas a Fátima fora da época das grandes peregrinações. O Santuário não aderiu à iniciativa. Pelos vistos não estão todos a remar para o mesmo lado.Não é isso. Depois tive conhecimento do que se pretendia. Inicialmente até se pretendia que isso fosse feito em terrenos do Santuário. Os projectos não podem ser de ocasião. Nessa actividade de Natal a Junta de Freguesia de Fátima nem sequer foi ouvida.Entidade de Turismo podia fazer maisA actuação da Entidade de Turismo de Leiria/Fátima tem estado dentro das expectativas?A entidade começou coxa, com problemas, quando foi criada. Esperava-a muito mais activa e estou a vê-la muito mais retroactiva, passe a expressão. Actua depois quando devia ser muito mais agressiva. Houve várias lutas em que se empenhou, umas bem, outras em que devia ter feito muito mais. Está-se a debater com problemas de falta de dinheiro, claramente, mas às vezes é quando se tem falta de dinheiro que conseguimos ser mais engenhosos e mais activos na promoção de determinados produtos. Acho que podia fazer bem mais que o que faz, mas isso é a minha opinião pessoal, não tem nada a ver com a junta.A ligação com Leiria a esse nível faz sentido?Fará sentido a ligação a Leiria se as coisas forem mais bem trabalhadas, porque é o tal complemento que podíamos ter. Na minha perspectiva pessoal fazia todo o sentido fazer uma ligação desde Tomar. Toda a história desta zona é uma história que começa em Tomar e que acaba no mar e por outro lado permitiria oferecer um produto com outra qualidade. Ou seja, juntando a rota histórica com a rota natural, a rota das praias. É a tal complementaridade. Temos um país tão pequeno que não fazem sentido algumas divisões que existem. Temos a mania de criar um só produto quando podemos criar quatro ou cinco produtos complementares que atrairiam mais gente. A união faz a força.Se Fátima fizer força, Tomar fizer força, Batalha fizer força e as praias fizerem força as pessoas vão a um lado e a outro. Portanto a ligação a Leiria não me preocupa, até acho importante porque vai permitir a ligação às praias.Ainda se justifica falar de um aeroporto em Fátima?A questão do aeroporto de Fátima é o exemplo mais provado de que se tivesse havido uma associação forte, o tal lobby, as coisas podiam ser totalmente diferentes. Qual é o único sítio a nível nacional onde a auto-estrada sai dentro de uma povoação? É Fátima, devido às características próprias da cidade. Um lobby em Fátima é um lobby que tem peso a nível nacional. Enquanto permanecermos desligados e acharmos que cada um por si consegue alcançar o seu objectivo, as coisas nunca irão lá. Sou perfeitamente a favor de um aeródromo ou um pequeno aeroporto na zona de Fátima. Foi uma pena não se aproveitar o espírito visionário do senhor Joaquim Clemente. Acho que é uma enorme perda para Fátima o senhor Joaquim Clemente ter perdido interesse pelo projecto e vamos pagar isso mais tarde ou mais cedo. Como é a relação entre a Junta de Freguesia e o Santuário de Fátima?É boa, sem grandes problemas. De respeito, de conhecimento mútuo daquilo que cada um faz, de complementaridade quando temos hipótese de o fazer, de apoio mútuo.“A História de Ourém é fabulosa”Fez uma investigação sobre o fenómeno de Fátima na Primeira República. Em que incide o estudo?A minha tese de mestrado foi sobre o concelho de Vila Nova de Ourém durante a Primeira República. Reuni 15 mil documentos que são, suponho eu, inéditos e que esperam publicação. Na minha tese de doutoramento vou novamente falar sobre a Primeira República e o liberalismo nesta zona.A que conclusões chegou?Muitas. O que me espantou foi a intensa actividade política que havia em Ourém. Numa zona teoricamente perdida passaram por cá todos os grandes vultos da Primeira República, até o próprio Afonso Costa. O que me espanta é que cada vez que se mexe na história de Ourém, seja em que período for, há personagens importantes a nível nacional. O que me levou a fazer este estudo sobre Vila Nova de Ourém na Primeira República foi achar que os acontecimentos de Fátima estão perfeitamente descontextualizados. Há por aqui muita história que nunca foi contada, riquíssima e com muitos documentos da época. A história de Ourém é fabulosa.Em que sentido a história de Fátima está descontextualizada?Diz-se que isto era uma terra atrasada, uma terra que nunca ninguém saía de cá, isto é perfeitamente errado. Eu tinha algumas ideias preconcebidas sobre Fátima e que modifiquei após ler algumas coisas. Há muita coisa de Fátima que devia ser contada. Quando se diz que o Artur de Oliveira Santos (administrador aquando das Aparições de Fátima) mal conhecia Fátima é errado. Em 1911 ele tinha o pelouro de Fátima. “O PSD está a aprender a estar na oposição”Ao fim de muitos anos de gestão PSD, a Câmara de Ourém mudou de cor. O que pensa da actuação da actual maioria socialista?Penso que ainda é um bocadinho cedo. Ou seja, como todas as câmaras tem feito coisas boas e coisas más. Por um lado sente-se ainda o efeito da austeridade, da falta de dinheiro, mas sente-se também uma certa falta de diálogo, que está a ser neste preciso momento acertado. Poderei mudar de opinião passados uns anos. A ideia base é que não estamos muito preocupados com a cor. Queremos é que as coisas sejam feitas, mas bem feitas e bem planeadas. Porque às vezes há a ideia de que o problema é a luta entre cores políticas. Isso não nos interessa, a nível desta junta de freguesia. O que nos interessa é que a freguesia de Fátima, e isto não é um discurso político, progrida. Se for com o PCP, o Bloco de Esquerda, é irrelevante em determinados aspectos. A criação de um pelouro de Fátima foi uma boa medida?Isto é uma opinião pessoal: é um bocado redundante em alguns aspectos. No primeiro mandato tivemos uma maioria relativa, quando fomos novamente a votos tivemos a maior votação PSD desde o 25 de Abril. Significa que pelo menos a população achou que fizemos um bom trabalho. De repente, de um momento para o outro, todas ou a maior parte das delegações que a câmara fazia na junta de freguesia foram retiradas e entregues a esse novo pelouro. Tire daí as conclusões que quiser. Na reunião dos hoteleiros foi anunciado que a Câmara de Ourém estava a ponderar alargar as competências da Sociedade de Reabilitação Urbana a toda a freguesia. O que pensa dessa medida?Não me vou pronunciar ainda. Vai ser tomada uma posição a nível da junta acerca disso. A ideia base é esta: se a junta conseguiu a maior votação de sempre desde o 25 de Abril, como é que de repente ficamos com menos competências? Isto é, nós podíamos realizar muito mais que o que estamos a fazer se tivéssemos continuado com as competências que tínhamos.Essa medida não acaba por retirar algum protagonismo na acção política à junta de freguesia?O nosso problema não é o protagonismo. A nossa ideia é fazer as coisas de modo planeado e não em cima do joelho. E muitas das coisas são feitas em cima do joelho, podendo ser feitas de modo planeado. Nós não necessitamos desse protagonismo. O PSD perdeu a Câmara de Ourém devido a alguma desunião. Como está hoje o partido?O PSD durante estes dois anos está a aprender a estar na oposição, que foi uma coisa que nunca esteve. E está a aprender que estar na oposição é uma coisa que custa, que leva o seu tempo, como leva uma nova câmara a adaptar-se à realidade do concelho e a adaptar o discurso. Tal como esta nova câmara está a adaptar-se, também tem que se dar algum espaço ao PSD para resolver problemas de ordem interna perfeitamente normais numa situação em que nunca esteve.Provavelmente o PSD vai ter de fazer a sua “travessia do deserto”. Ou acredita que pode recuperar a câmara já nas próximas eleições?Acho que a câmara se pode ganhar em qualquer altura, desde que se escolha a pessoa certa. A prova disso foram estas últimas eleições. O PSD não deixou de ser maioritário em Ourém, o que houve foi uma transferência de pessoas que estavam cansadas de uma determinada imagem para tentarem uma imagem diferente, que passou para outro partido. Tudo depende de como as coisas forem feitas e de como a câmara se adapte à realidade económica.

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