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Dois irmãos sem “dinastia toureira” que querem vingar na tauromaquia

Dois irmãos sem “dinastia toureira” que querem vingar na tauromaquia

Tiago Martins, 24 anos, é cavaleiro praticante e João Martins, 17 anos, bezerrista

Tiago Martins é cavaleiro praticante. Vai tirar a alternativa em Agosto deste ano. João Martins iniciou-se há menos tempo na arte do toureio a pé mas sonha ser figura na área. É aluno da Escola José Falcão, em Vila Franca de Xira. Os dois irmãos, residentes em Alenquer mas com fortes ligações à Azambuja, ajudam os pais na empresa familiar de padaria/ pastelaria e cumprem, pouco a pouco, o sonho de vingar no mundo da tauromaquia.

Aos quatro anos e meio Tiago Martins começou a aprender a andar a cavalo. A aficion do avô levou o menino a aproximar-se das lides taurinas. Entre os seis e os sete anos chegava a assistir a 30 e 40 corridas de toiros com a família. Aos 24 anos é cavaleiro praticante e prepara-se para tirar a alternativa no próximo mês de Agosto. O irmão, João Martins, 17 anos, que nasceu no meio de uma família apaixonada pelos toiros, quer ser toureiro e é aluno da escola José Falcão, em Vila Franca de Xira. Os irmãos Martins não têm história de cavaleiros e toureiros na família mas de simples apaixonados pela festa brava. O avô, criador de cavalos, acompanhava por admiração o cavaleiro Manuel Jorge de Oliveira. Os cartazes de antigas corridas com o nome do cavaleiro enchem grande parte da parede da tertúlia onde os dois irmãos recebem O MIRANTE, mas o espaço vai começando a ser actualizado com programas onde consta o nome de Tiago Martins. Os irmãos ajudam os pais e os avós na empresa familiar. O pão e os bolos são confeccionados em casa. É o pai que trata depois da distribuição. Dominam a arte da padaria/pastelaria com a mesma dedicação com que se deslocam na arena: um a cavalo, o outro a pé. “Também sabemos praticar essa arte. Qualquer pessoa que exerça uma profissão com gosto pratica uma arte”, explica com humildade Tiago Martins.Para lutar pelo sonho de singrar no mundo dos toiros os dois irmãos trabalham afincadamente. Conseguem assim a independência económica exigida para investir na tauromaquia que antes de proporcionar lucro implica muitos gastos. “Foi aqui com os meus pais que conquistei também alguma da minha liberdade e do meu dinheiro para conseguir ter as coisas que tenho hoje. Falo dos cavalos, do camião para os transportar e das pessoas que tenho a trabalhar comigo”, revela Tiago Martins que aos 17 anos decidiu que ficaria pelo 9º ano – “andava na escola a pensar nos toiros” - e foi aprender toureio com Manuel Jorge de Oliveira, onde esteve dois anos. Ia três a quatro vezes por semana de Alenquer ao Cartaxo. O cavaleiro apresentou-se em praça a 5 de Maio de 2005 em Portalegre, já depois de deixar a casa de Manuel Jorge de Oliveira. Passou a cavaleiro praticante no dia 10 de Junho de 2007 no Forte da Casa. Dedicou-se a 100 por cento ao toureiro, tal como hoje em dia, mas quando é preciso ainda ajuda os pais. “Tem que gastar-se muito dinheiro até que se consiga ganhar algum. Neste momento não posso dizer que tenha ganho alguma coisa. Só gastei. Se não tivesse uma actividade paralela era muito complicado”.TRABALHAR A DOBRARAs dificuldades sentidas pelos irmãos são muitas, especialmente para quem não tem um apelido consagrado. Tiago Martins acredita que os toureiros descendentes de nomes já conhecidos têm a vida facilitada a todos os níveis, excepto diante do toiro. “Para quem não vem de uma dinastia toureira é muito complicado. Tem que trabalhar-se o dobro fora da arena. Dentro da arena somos todos iguais mas por vezes não basta um simples triunfo para conseguir outra corrida. É preciso persistência, trabalho e dedicação para provar que merecemos um lugar”, diz Tiago Martins. Para lutar por um lugar ao sol no mundo do toureio Tiago Martins já teve que abdicar de muito, incluindo das férias. “Qualquer dia que tenho vago, seja Verão ou Inverno, só estou bem ligado com os toiros”.Os dois irmãos foram distinguidos na última gala dos triunfadores da temporada pela Associação Cultural “A Poisada do Campino”, em Azambuja, nas categorias de cavaleiro praticante e bezerrista, e consideram o prémio um “tónico”. “Neste mundo o difícil não é aparecer um ano ou dois anos mas mantermo-nos por cá muitos”, confirmam. De Inverno Tiago Martins dedica-se ao trabalho de preparar os cavalos para as corridas. Trabalha entre oito a nove horas por dia na quinta da família que já tem ferro próprio. No próximo sábado, no Redondo, vai levar à praça três novos cavalos que nunca tourearam. “É um risco. Mas na vida o risco também faz falta”, diz Tiago Martins. Dos 14 cavalos que tem apenas oito toureiam. A arte escolhida pelo irmão, aluno da Escola de Toureio José Falcão, em Vila Franca de Xira, não é tão dispendiosa mas exige o trabalho árduo do aprendiz de toureiro que de quarta-feira a domingo se desloca à cidade ribeirinha para apurar a técnica com o maestro Victor Mendes. Concilia a aprendizagem com o trabalho na empresa familiar das 23h00 às 3h00 da manhã. A paixão pelos toiros despertou aos 12 anos quando o desafiaram a brincar com um capote. A partir daí não parou. A escola de toureio é uma boa forma de conseguir cumprir um sonho, acredita João Martins que tem a oportunidade de participar em vários eventos. “Antigamente não havia isso. Os toureiros que queria aprender iam aos tentaderos a pé, sozinhos, e depois os matadores davam algumas dicas àqueles que se destacavam”, revela o jovem que tem esperança de passar este ano à categoria de novilheiro. “Se agarrarmos bem as oportunidades que temos, mesmo sendo poucas, conseguimos lá chegar. Nada é impossível”, garante.Uma alimentação sem excessos é um dos sacrifícios do aprendiz de toureiro que tem que prestar atenção à saúde para estar no melhor na arena. Não basta ter jeito é preciso ter coração e por isso João Martins tenta superar-se de cada vez que entra em praça. “Temos que dar o nosso melhor. Perceber as dificuldades que o novilho tem e tentar chegar ao público que é quem paga o bilhete”. A oportunidade de ter toureado no último domingo no Campo Pequeno, em Lisboa, fez o jovem perceber que é pela arte do toureio que quer trabalhar. “Foi incrível pisar aquela praça e ouvir o pasodoble”, diz quem decidiu ficar pelo 10º ano porque a paixão da tauromaquia falou mais alto. São jovens e apesar de apaixonados pelo mundo dos toiros trabalham, saem à noite com os amigos, vão ao cinema e a discotecas. Há alturas em que param para pensar se todos os sacrifícios em nome da festa valem a pena mas depressa as recordações dos bons momentos fazem dissipar todas as dúvidas.O toiro não distingue o homem da mulherOs irmãos Martins vêem com bons olhos as mulheres na arena e reconhecem que “elas” podem ter tanto mérito como os homens. “Só fico um bocado chateado quando toureio com alguma mulher e está melhor do que eu”, diz a brincar o cavaleiro praticante Tiago Martins. Já são vários os nomes sonantes de mulheres cavaleiras. “É com grande gosto que vejo colegas, raparigas e rapazes, tirar prova de praticantes”, admite o jovem cavaleiro. As mulheres toureiras são menos, mas em Espanha já vão dando cartas. “O toiro não distingue se é homem ou mulher”, conclui João Martins.“Azambuja é uma terra de verdadeiros aficionados”“Em Azambuja as pessoas que vão aos toiros percebem aquilo que vão ver. É uma terra de verdadeiros aficionados”. A frase é do jovem bezerrista João Martins, 17 anos, que tem o sonho de tornar-se toureiro. Reside em Alenquer, mas é em Azambuja que estão os amigos que lhe deram a mão na primeira fase da sua carreira. Começou na escola de toureio da Associação Cultural “A Poisada do Campino”, em Azambuja, e está desde o início do ano na escola de toureio José Falcão, em Vila Franca de Xira. A ligação de amizade que tem à vila fá-lo desejar que Azambuja consiga ainda ver construída uma praça que funcione como pavilhão multiusos, à semelhança do que existe em Évora. Já o irmão, Tiago Martins, congratula-se que avance pelo menos a requalificação da actual praça onde já não iriam poder realizar-se corridas por falta de condições. “Se não se consegue ter a praça sonhada a que lá existe faz falta a Azambuja”, justifica.Tourear em Azambuja é para os dois irmãos tourear em casa. “O público acarinha-nos. Tenho muitos amigos. Sentimo-nos em casa. Cada vez que actuamos em Azambuja é para defender aquilo que já conquistámos e para dar mais”, revela Tiago Martins.O cavaleiro devoto de SãozinhaUm dia antes de cada corrida o cavaleiro praticante Tiago Martins, 24 anos, procura uma igreja em Abrigada, concelho de Alenquer, para rezar a Sãozinha. “Vou sempre acender uma vela pelos meus cavalos, pela viagem e por mim também. Os toureiros quando estão diante de um toiro não têm mais nada a que se agarrar. O que interessa ter uma mãe médica ou enfermeira? Vamos arriscar a vida. Não é uma profissão igual às outras. Estamos a jogar a vida segundo a segundo”, explica Tiago Martins.A consciência do perigo está sempre bem presente mas o receio de errar é superior. “Depois de estarmos dentro da arena o toiro pode passar-nos por cima que já não há receio. Estamos a viver em pleno aquela adrenalina”, confessa Tiago Martins. O irmão, João Martins, também tem por hábito entrar nas capelas das praças, como aconteceu no Campo Pequeno. A religiosidade não é tão profunda como a do irmão, mas João Martins tem alguns rituais que gosta de cumprir. “Calço sempre a bota direita primeiro e entro com o pé direito”, revela.
Dois irmãos sem “dinastia toureira” que querem vingar na tauromaquia

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