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“Sempre tive um espírito muito maternal”

Benvinda Vieira é educadora de infância em Fátima
Benvinda Vieira, 50 anos, é educadora de infância no Jardim de Infância da Casa Velha, freguesia de Fátima, Ourém. Nunca se imaginou a fazer outra coisa e não descansou enquanto não convenceu a mãe que era aquela a profissão que queria exercer. Saiu de casa e nos últimos 20 anos tem passado por vários locais, lidando com crianças dos três aos seis anos. Afirma que os mais novos estão hoje mais exigentes, menos propensos à surpresa. E apesar de nem sempre ser fácil cuidar de crianças, reconhece ter noção que elas estão a viver um período marcante das suas vidas.“Desde pequena que gostava muito de crianças”, começa por contar, lembrando que quando passava pela Casa da Criança, em Ourém, comentava que queria ser como as freiras que tomavam conta daquelas jovens. Depois de fazer o então 7º ano esteve três anos sem uma ocupação definida. “A minha mãe não gostava muito da ideia de eu sair de casa, mas tanto insisti que acabei por convencê-la que era o que eu queria fazer”. Nos três anos seguintes foi estudar para Caldas da Rainha.Passou por Tomar, Pêras Ruivas, Olival, Pinheiro da Lourinha, Moita Redonda, Fátima, Aguiar da Beira e, por fim, Casa Velha. A entrada no mundo do trabalho foi uma novidade, mas comenta que na altura, em 1984, era mais fácil lidar com as crianças. Trabalhava sozinha, sem auxiliares, mas com um grande envolvimento dos pais. “Passeava com as crianças sozinha, uma coisa que hoje é impensável. Íamos calmamente, eu mais 22 crianças”.Foi um tempo diferente, em que os pais tinham mais tempo para os filhos e havia outra envolvência, sendo o Jardim de Infância uma parte importante da comunidade. As mães limpavam a sala de aula, traziam-lhe café à escola, mandavam-lhe um lanche para a longa viagem de regresso a casa, nos tempos em que trabalhava no distrito da Guarda. Já no concelho de Ourém, “no fim fazia-se sempre um piquenique na ribeira de Seiça, jogos tradicionais. Havia um envolvimento grande dos pais”.“Foi a concretização de um sonho”, recorda. Em Aguiar da Beira trabalhou numa aldeia muito pobre e lembra que as crianças ouviam tudo o que ela dizia com muita atenção. A população recebeu-a extremamente bem. Era a professora e, na época, sentiu o estatuto que os estudos lhe davam. Hoje as coisas estão diferentes e longe vão os tempos em que era tão bem recebida pelos pais dos seus alunos.Afirma que o que mais a marcou ao longo da vida profissional foi ver a negligência com que algumas crianças eram tratadas, chegando a ter que entrevir em alguns casos. “Muitas vezes sentimos o olhar delas a pedir «leva-nos para casa»”.Benvinda Vieira comenta que de há uns anos para cá tem notado mais os casos de negligência. Noutra época, refere, a educação dada às crianças era mais ou menos semelhante, mesmo que os pais tivessem algumas posses. Hoje nota-se uma grande diferença entre os que têm pouco e os que têm muito, o que acaba por se reflectir na atitude dos mais novos. “As crianças acabam por sentir mais essa diferença”.Refere que sempre teve “um espírito muito maternal” e foi dando muito mimo a todos os jovens que passaram por si. “Nunca foi nada difícil, aqueles eram os filhos que eu não tinha e os problemas deles tiravam-me o sono”.Em Fátima viveu o seu melhor momento como educadora de infância, quando os pais lhe entregaram uma placa que dizia “obrigada por nos ajudares a crescer”. “Foi quando senti que tinha valido a pena ter tirado o curso, comenta.As crianças de hoje “são mais exigentes, mais irrequietas, fazem mais birras”. As novas tecnologias, o terem tudo, muitos brinquedos, muitas coisas, faz com que nada as deixe verdadeiramente satisfeitas. “Os olhos já não brilham da mesma forma quando lhes damos alguma coisa”, reflecte. Saturam mais depressa das actividades, estão menos concentradas e são precisas sempre novas estratégias para os cativar. Quando uma criança difícil faz alguma coisa correcta, procura elogiá-las ao máximo, inclusive junto dos colegas, para os ajudar a integrar e motivar-se.Por vezes vai encontrando antigos alunos, alguns dos quais lhe contam que ainda guardam os desenhos do tempo do Jardim de Infância. Benvinda Vieira nem sempre recorda os rostos, apenas o nome. “Se ficasse sem esta profissão não sei o que iria fazer”, termina.

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