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Abnegado Serafim das Neves

Tenho uma troika cá em casa a avaliar a minha situação financeira. Veio o meu sogro, a minha sogra e o meu cunhado. Até agora já ouviram a minha mulher, os meus filhos, o cão e o responsável pelo condomínio. A senhora que vem uma vez por semana passar roupa e aspirar a casa recusou-se a reunir com eles. Eu devo ser ouvido amanhã. Já fiz uma lista de assuntos que para mim são fundamentais nesta negociação. Não abdico das férias que tinha planeado no Algarve. Não cancelo nenhum cartão de crédito. Vou manter a minha decisão de não emprestar o carro ao meu mais velho. Vou continuar a pagar o condomínio a noventa dias, reservando-me o direito de alargar esse prazo em caso de motivo de força maior. A senhora da limpeza pode continuar a ter a pausa de 45 minutos para ver telenovela porque eu não sou nenhum esclavagista. O meu sogro agora deu em falar dinamarquês. A minha sogra está cada vez mais parecida com a Ângela Merkel. O meu cunhado fez um penteado à Sócrates com nariz comprido e tudo. Estou a viver um filme de terror. O cão passa o tempo todo a uivar. A Maria parece um disco riscado a chamar nomes ao gerente do banco. Os putos metem música em altos berros para não ouvirem nada. Não sei qual é a minha dívida externa, nem quero saber. Deixei-me disso há uma dúzia de anos quando percebi que preciso de alguma tranquilidade. Sei que a vida me vai continuar a sorrir. A câmara de Santarém tem mais dívidas que eu e não é por isso que o presidente Moita Flores anda triste.No dia 5 de Junho vou fazer uma caldeirada cá em casa. Estás convidado. Como é dia de eleições nada melhor que um almoço reforçado e um pifo monumental. Traz daquele tinto de Alcanhões que todos os reforços são benvindos. Se perdermos as projecções do noticiário da noite não há crise. Se à hora dos resultados finais já andarmos numa caravana automóvel a festejar uma imaginária vitória do Fazendense na final da liga Europa, é sinal que não há medida de austeridade que nos assuste.Estou a escrever sobre a crise para não destoar dos outros cronistas e opinadores nacionais. A culpa do estado a que isto chegou é dos políticos, não é nossa. Nós limitámo-nos a pedir tudo e mais alguma coisa. Que culpa temos que eles nos tenham dado ouvidos. Um pavilhão em cada aldeia; subsídios para festivais do caracol; workshops de ponto cruz; campos de ténis à séria; transportes urbanos para as velhinhas irem ao cemitério todos os dias; terrenos industriais ao preço da uva mijona; escolas para crianças que nunca irão nascer; festas das cidades e das aldeias de cinco em cinco quilómetros com artistas pagos a peso de ouro; empregos na câmara para famílias inteiras de padecentes da coluna e das cruzes, que passam mais tempo de baixa do que a descansar no serviço; extensões de saúde onde já se sabia que nunca entraria um médico.Eu acho injusto que os políticos sejam crucificados desta forma. Eles esforçaram-se para nos dar tudo e mais umas botas. Há quem não tenha conseguido mamar mas a culpa não foi da vaca. Foi da falta de jeito de vitelos como nós que andámos com delicadezas éticas e problemas de consciência em vez de entrarmos a pés juntos como o Pepe, na montanha de benesses. Os políticos só querem votos, nada mais. E quem somos nós para lhes recusarmos uma coisa que nem sequer custa dinheiro?!!!Saudações eleitorais Manuel Serra d’Aire

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