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O carteiro que dá cartas na pintura

O carteiro que dá cartas na pintura

Um dos segredos de “Gady” é pintar apenas quando sente o apelo para o fazer

Já participou em exposições individuais, por exemplo, em Constância, Santarém e Marinha Grande. E muitas colectivas. Também costuma participar em concursos de pintura e já viu os seus quadros em catálogos.

“Olhe que não estou habituado a dar entrevistas”, começa por avisar Rui Santos, 32 anos, enquanto observa o gravador. A reserva inicial é esmagada, dali a momentos, pelo entusiasmo com que fala dos seus quadros, muitos dos quais pendurados em todas as divisões de sua casa, localizada perto do Museu de Arte Pré-Histórica e do Sagrado do Vale do Tejo, em Mação. Os quadros estão assinados como “Gady”, alcunha que herdou dos tempos em que estudava nas Mouriscas (Abrantes), devido a ter o cabelo (gadelha) comprido. Rui Roseiro Santos distribui cartas por vinte e sete aldeias das freguesias de Mação mas é na pintura que encontra o seu mundo. Adora o contacto com as pessoas e o facto de estar em comunhão com a natureza. Por vezes leva a máquina fotográfica consigo e não resiste a tirar fotografias para depois treinar no desenho. Também já desenhou algumas ruas da vila. “Sempre desenhei desde pequeno. A minha mãe desenhava cavalos, burros, galinhas... talvez o gosto viesse daí. Lembro-me de que, na escola primária, desenhava sempre pássaros”, começa por contar. E, por isso, quem o quisesse fazer feliz oferecia-lhe canetas Molin ou os lápis Caran d`Ache, algum material que ainda conserva em casa dos pais. Mais tarde, entre o 7.º e o 9º ano, dedicou-se à banda desenhada. E teve ainda uma fase em que desenhava apenas caneta preta. Mas do lote dos seus quadros, que divulga no website, destacam-se ainda pinturas surrealistas, pensamentos concretizados através de tela e pincel onde os cogumelos são quase uma constante. Os quadros começam quase sempre por serem rascunhados em ponto pequeno, enquanto fazia tempo para algum compromisso, uma vez que sacava da caneta para começar a desenhar. Diz que gosta de naturalismo e surrealismo mas que o abstracto não o atrai. Os quadros alusivos aos toiros e touradas são reflexo dos anos em que viveu em Benavente, entre os 12 e os 20 anos. Na sala de estar de sua casa destaca-se um quadro de uma picaria junto ao rio Sorraia, com vários espectadores. “Gosto muito da cara deste rapaz, de boca aberta. E do pipo, aqui tombado”, indica. Demorou um ano a ficar pronto embora os quadros, na sua opinião, nunca estejam acabados. “Tenho quadros que, dois ou três anos depois de achar que estavam terminados, resolvi tirar da parede para colocar determinados pormenores. E outros que foram “tapados” duas ou três vezes”, conta. No corredor, destaca-se outro quadro representativo de um touro castanho. “Vi um homem morrer, com as tripas de fora, mesmo à minha frente. Estava embriagado e começou a desafiar o toiro que após lhe dar a primeira cornada já não o largou”, recorda. Questionado se consegue vender os seus quadros com facilidade, divulgados em http://gadypintura.wordpress.com diz que depende uma vez que, com alguns, já estabeleceu laços emocionais grandes. A paixão por Mação A escola nunca atraiu Rui e preferia andar na rua. Por isso para conseguir tirar o 12.º ano, saiu de Benavente e veio estudar para a Escola Profissional Amar Terra Verde em Mação. Ficou apaixonado pela terra e pela pureza das pessoas e, por esse motivo, aproveitou o facto de um colega ter ido para a tropa para ocupar o seu posto de trabalho numa empresa de gestão de espaços verdes. “Já fiz de tudo. Já fui empresário, padeiro, jardineiro, limpei terrenos por minha conta até que me chamaram para os correios onde estou há quatro anos”, relata. Entretanto casou com Margarida, natural de Mogadouro, Bragança, Trás-os –Montes, e diz que já sente Mação como sendo a sua terra. A paisagem do “verde horizonte” também ajuda. “No outro dia vi um esquilo vermelho e achei tão interessante que parei o carro apenas para o observar”, exemplifica.Em 2002, já a viver em Mação, Rui soube que existia um ateliê chamado “Lápis de cor” onde poderia vir a dominar a técnica e estudar determinados materiais. Só começou a frequentar o ateliê em 2007 que interrompeu apenas por um ano devido ao nascimento da filha Beatriz. “Em casa tenho o meu ateliê mas pintar com outras pessoas acaba por ser uma espécie de terapia. Trocamos ideias ou opiniões e é sempre muito interessante”, diz. Já participou em exposições individuais, por exemplo, em Constância, Santarém e Marinha Grande. E muitas colectivas. Também costuma participar em concursos de pintura e já viu os seus quadros em catálogos. A esposa já se habituou às mudanças de decoração. “Há quadros que gosto muito e outros que nem tanto. Por vezes, ele substitui um quadro por outro e fico com pena porque achava que ficava ali muito bem mas agora já não ligo”, conta a sorrir, acrescentando que muitos quadros já foram oferecidos a familiares e amigos. Margarida refere que o marido é, sem dúvida, “um homem ligado às artes”, incentivando-o a prosseguir. Muitos móveis foram construídos ou restaurados por Rui e os candeeiros que têm no quarto, em forma de tronco de árvore, também foi ele que os fez. Um dos segredos de “Gady” passa por pintar apenas quando sente o apelo para o fazer. Por esse motivo, muitas vezes inicia um quadro e mete-o a “descansar” vários meses até que sinta vontade de lhe pegar novamente. Acontece-lhe frequentemente estar deitado na cama e sentir o impulso de se levantar para ir pintar, porque não consegue deixar de pensar nos quadros. E vai continuar a imprimir a sua imaginação em tela até que a vista, que por vezes acusa algum cansaço, o permita. Um alfacinha que adoptou o RibatejoRui Miguel Roseiro Santos, nasceu em Lisboa a 13 de Fevereiro de 1979 e desde cedo mostrou que tinha uma enorme vocação para as artes, rabiscando em tudo o que era sítio. Aos 12 anos foi viver com os pais para Benavente e foge da grande urbe. “Praticamente não vou a Lisboa. Sempre me identifiquei mais com Benavente, embora já não seja aquela que conheci”, refere. Foi individualmente que foi experimentando as mais diversas formas de expressão mas, desde 2007, sentindo necessidade de aperfeiçoar as técnicas a óleo e a acrílico, passou a frequentar o ateliê de pintura de Luís Gonçalves aprendendo também com Massimo Esposito, mestre de pintura italiano, em Mação. Diz que a sua inspiração vem não só do que observa mas também do imaginário.
O carteiro que dá cartas na pintura

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