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Uma associação que ajuda a enfrentar o luto

Uma associação que ajuda a enfrentar o luto

Inês Melo dá apoio a quem perde um familiar ou passa por um processo de divórcio

Em Alverca há uma associação que apoia pessoas em processo de luto. Seja pela perda de alguém mas também por divórcio, desemprego, perda de posição social ou amputação. Inês Melo, socióloga e especialista em programação neurolinguística, é conselheira de luto e fundadora do núcleo da associação. Há um valor estipulado de 30 euros por consulta mas quem não tem possibilidades não paga.

Catarina, 30 anos, estava a trabalhar no estrangeiro como investigadora científica quando o pai faleceu, há um ano. A notícia levou-a a regressar de urgência ao concelho de Vila Franca de Xira, onde reside. Regressou ao trabalho com todas as emoções recalcadas. “Foi tudo muito rápido e não tive tempo de familiarizar-me com a ideia”, confessa. Deu-se conta de que não tinha processado o que aconteceu porque se sentia nervosa e não conseguia falar do assunto. Depois do último Natal passado em Portugal e nova onda de recordações decidiu pedir ajuda. Poderia ter contactado uma associação do país onde estava mas sobre a morte do pai preferiu falar em português. Dois telefonemas e uma conversa pessoal com Inês Melo, fundadora e conselheira da Capelo de Alverca, um dos núcleos da associação Apelo de apoio à pessoa em luto, foram decisivos para iniciar o processo. “Já consigo falar do assunto sem começar a chorar compulsivamente. Aprendi a ter a perspectiva de quem foi embora e que com certeza não gostaria que eu assim estivesse”, reconhece.A associação ajuda pessoas e famílias que sofrem perdas emocionais profundas ocasionadas por morte mas também por divórcio, emigração, aborto, nascimento de um filho deficiente, amputação ou perda de emprego. “O luto deve fazer-se não só quando há a perda de um familiar ou alguém querido mas também no caso de perda de estatuto, de emprego, de um amigo, de divórcio e até perda de imagem por doença”, explica.O núcleo de Alverca da associação sediada em Aveiro e criada por Eduardo Rebelo, um professor que perdeu a mulher e duas filhas num acidente, tem há três semanas um espaço cedido pela Junta de Freguesia. A formação em psicologia e em programação neurolinguística, uma área que ajuda as pessoas a sair de estados indesejados, bloqueios e depressões e tem por base técnicas de psicologia, ajudam Inês Melo a lidar mesmo com as situações mais pesadas. Não leva as angústias para casa mas confessa que o caso da mulher que viu o namorado suicidar-se à sua frente foi dos casos mais pesados que enfrentou.Por mês quatro pessoas pedem ajuda. Chegam à associação via internet. Contactam sobretudo em casos de morte mas as consultas recomendam-se no caso de perdas em vários aspectos da vida. “Com esta crise que leva à perda de emprego e estatuto as pessoas ressentem-se. Algumas conseguem suportar. Outras não”, analisa. Há quem queira só uma conversa pelo telefone, como aconteceu a uma mulher de Salvaterra de Magos que não tinha possibilidades económicas de se descolar, mas Inês Melo privilegia o contacto pessoal. O valor de uma consulta ronda os 30 euros, para não sócios, mas quem não tem condições financeiras para o fazer não paga. Valorizar o apoio que é dado, nem que seja dando uma contribuição de um euro, é uma das filosofias do fundador da associação.No processo de luto a conselheira desaconselha as palavras da praxe: “Dizer-se «não penses nisso ou deixa de chorar» não é correcto. A pessoa quer ser ouvida”. Inês Melo respeita as cerimónias fúnebres e quem opta por fazer o luto vestindo-se de preto ou branco. “Se a pessoa sente vontade de ir ao funeral e de gritar temos que respeitar. Se é exibicionismo, o que não gosto de dizer, é porque alguma coisa leva a pessoa a exibir-se”. Apesar de já ter ajudado algumas pessoas a Capelo de Alverca, criada há dois anos, ainda não tem sócios constituídos mas Inês Melo não desiste: “Enquanto não sentir que divulguei o suficiente não vou parar”. O contacto telefónico é o 922 054 946 mas o núcleo da associação (www.apelo.pt) também pode ser contactado via e-mail (alverca@apelo.pt).“Quando se perde alguém é preciso chorar”O luto pressupõe que se ultrapassem várias fases, desde a negação, passando pela revolta até à aceitação e reconciliação. Não há um tempo para fazer o luto. Varia de pessoa para pessoa mas Inês Melo, conselheira do Núcleo de Alverca da Apelo, associação de apoio à pessoa em luto, lembra que há que processar a perda no tempo devido. “Quando se perde alguém é preciso chorar, sofrer, sentir a angústia e tomar consciência daquela perda. Caso contrário há um bloqueio que tem consequências”, explica. “Não é normal que alguém fique indiferente. Quando passa o efeito dos comprimidos vem tudo em turbilhão e não na altura própria”.Normalmente a perda dos filhos é a mais longa. “É um luto para toda a vida. O sofrimento passa mas fica sempre a mágoa”, garante Inês Melo. A perda de um irmão gémeo, com quem há um elo de ligação muito forte, é outro dos golpes mais duros.Sentimento de culpa pela morte de um meio-irmãoAo longo do processo de formação como conselheira de luto, Inês Melo, fundadora da Capelo de Alverca, tornou-se consciente de todas as perdas, sobretudo das que mais a afectaram, como a morte de um meio-irmão que faleceu ainda jovem vítima de doença. “Nunca me tinha apercebido do significado dessa perda. Fiquei com essa mágoa inconsciente e com culpa por ter sobrevivido, raiva e mágoa em relação aos pais”.Inês Melo, 55 anos, é divorciada e vive com os seus dois filhos, 19 e 26 anos, em Alverca. Nasceu em Angola mas veio para Portugal depois do 25 de Abril. Trabalhou nos CTT na área de Marketing. É socióloga e tem formação em psicologia. Trabalha como especialista na área da programação neurolinguística.
Uma associação que ajuda a enfrentar o luto

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