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Um escritor neo-realista que escrevia contos e romances como quem escreve poesia

Um escritor neo-realista que escrevia contos e romances como quem escreve poesia

Manuel da Fonseca contava a vida com as palavras certas. Sentava-se à mesa com pescadores, camponeses e um copo de vinho e ouvia histórias. Tinha a extraordinária capacidade de ouvir. “Não era o escritor com os pezinhos quentes que escrevia aconchegado numa manta a falar de uma pessoa que está a passar frio. Ele tinha que viver as coisas”, conta o O MIRANTE o irmão do escritor, Artur da Fonseca, 87 anos, a meio da visita à exposição que assinala o centenário do nascimento do escritor, no Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira, inaugurada ao final da tarde de sábado. A exposição “Manuel da Fonseca, por todas as estradas do mundo” vai estar patente no primeiro piso do Museu do Neo-Realismo de Vila Franca de Xira até ao próximo dia 9 de Outubro. Os amigos chateavam-se, conta o irmão, porque o autor não publicava mais. Em alguns casos foram os próprios camaradas a reunir e publicar contos. “Quem editou ‘O Fogo e as Cinzas’ foi o Carlos Oliveira com a mulher. Não tinha o desejo de publicar. Pelo contrário. Houve até quem tenha feito plágio das histórias que contava”. Alguns dos contos do autor são quase poesias. “Ele leva a poesia até ao romance”, observa com saudade o irmão, que foi inspector técnico. Se Manuel da Fonseca era neo-realista na forma de escrever era também um romântico no relacionamento com o próximo. Amava as pessoas mas acima de tudo as mulheres. Gostava da família mas acima de tudo estava a arte. A obrigação da família não lhe tirou nada.“Um dia passaram lá em casa uns amigos que iam para o Alentejo. Ele disse que ia só avisar a mulher. Não o deixaram. Disseram-lhe que quando chegasse telefonava. Chegou a Beja não tinha telefone. A mulher esteve vários dias sem saber dele. É difícil ser mulher de um escritor desta têmpera”, relata.Manuel da Fonseca casou três vezes e teve um filho que entretanto já faleceu. A última companheira, que viveu com o escritor durante 16 anos, esteve na inauguração da exposição e emprestou ao museu a máquina de escrever do autor que o entretinha noite dentro. Quando um dia questionaram Hermínia da Fonseca sobre a área a que se dedicava a resposta foi curta: “A minha área é ser esposa de Manuel da Fonseca”, disse com cumplicidade a mulher que lia todos os últimos textos do escritor. O irmão estranha que a editora que tem o exclusivo da obra do autor não edite mais a obra sobretudo quando se comemora o centenário. Manuel da Fonseca (1911, Santiago do Cacém - 1992, Lisboa), extraordinário contador de histórias, qualidade que melhor se expressou na escrita de contos, romances e crónicas, constitui uma das figuras maiores da literatura portuguesa do século XX. Iniciou a sua vida literária no fim dos anos 30 com a publicação em diversos periódicos ligados à oposição ao Estado Novo. O seu primeiro livro, Rosa dos Ventos (1940), foi considerado pela crítica um exemplo de renovação poética no panorama das letras portuguesas. As bases realistas da sua obra estão, no entanto, bem vincadas, pelo seu olhar crítico e observador, nas histórias dos livros de contos “Aldeia Nova” e “O Fogo e as Cinzas”, como em “Cerro Maior” e “Seara de Vento” consideradas obras-primas do romance moderno.
Um escritor neo-realista que escrevia contos e romances como quem escreve poesia

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