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A actriz que nunca se arrependeu de ter trocado a cidade pelo campo

A actriz que nunca se arrependeu de ter trocado a cidade pelo campo

Tareka começou a representar depois de participar num programa de televisão com o filho Tozé Martinho

A actriz abriu as portas da sua casa, na Quinta das Gatinheiras, a O MIRANTE.

Nasceu em Lisboa. Porque veio viver para Salvaterra de Magos? Porque o meu marido é de Salvaterra de Magos e vim para cá viver quando casei. Vivo em Salvaterra há 50 anos. Fizemos 50 anos de casados no dia 30 de Agosto. Gosta de viver no campo? Adoro. Gosto imenso de animais e do campo, sempre gostei. Em casa dos meus pais tínhamos um jardim e eu andava sempre a tirar os caracóis das folhas das plantas e a regar. Quando vim morar para Salvaterra de Magos encontrei tudo o que gostava mas em maior escala. Gosto muito de viver no campo, adoro toiros e não tenho medo. Quando veio morar para o campo do que sentiu mais falta? Vivemos nove anos sem luz eléctrica. Senti-me um pouco como aqueles colonos americanos, só faltava o carroção aqui à porta (risos). Até achava piada à situação. Quando começava a escurecer acendíamos os candeeiros de petróleo e velas para iluminar a casa. Dava um ambiente romântico. Foi a única coisa de que senti mais falta. Alguma vez se arrependeu de ter trocado a cidade pelo campo? Nunca, pelo contrário. Vou a Lisboa porque tenho lá os meus filhos. Se os meus filhos não vivessem lá tenho impressão de que não ia lá. Lisboa é muito cansativa e agitada. Nunca há lugar para estacionar o carro. Gosto mais de viver aqui. Como é que começou a sua carreira de actriz? Foi com o programa a Visita da Cornélia [da RTP1, emitido em 1977] em que participei com o meu filho Tozé Martinho. Nas festas de família, eu e o meu filho preparávamos sempre uma peça, onde um cantava e o outro recitava. Fazíamos sempre um teatrinho e estávamos super ensaiados. Na passagem de ano antes de participarmos no concurso passamos o reveillon em casa dos sogros do meu filho Tozé e a dada altura começamos com os nossos teatrinhos. Quando a minha comadre [sogra do filho] viu o concurso achou que era o ideal para nós e inscreveu-nos na Visita da Cornélia. Estava na praia, em Monte Gordo [Algarve], quando soube que tínhamos sido seleccionados. Em quinze dias preparamos tudo e realmente correu muito bem. Vencemos o programa em que participamos. Depois dessa experiência ficou o ‘bichinho’ da televisão? Claro que sim. Sempre gostei muito de representar. Entre os meus irmãos e primos era sempre eu que fazia de estrela e já tinha entrado numa revista infantil, chamada “Sonho Primaveril”, onde eu tinha cinco ou seis papéis principais e cantava, dançava, fazia tudo. O teatro já era uma coisa natural em mim. Qual foi a personagem mais marcante da sua carreira? Gostei muito de fazer a minha personagem na novela Olhos de Água, Clarisse, onde fazia de mãe do António Pedro Cerdeira e avó da Sara Barradas. Gostei muito desse papel e tocou-me especialmente. “Não se respeita os actores mais velhos” Houve alguém que a tenha influenciado na sua carreira de actriz? Não. Graças a Deus o meu marido nunca se opôs, porque se ele me fizesse guerra é óbvio que eu lhe fazia a vontade. Mas ele acha graça e é quem me leva às gravações, o que torna tudo muito mais agradável. Naquele tempo não era fácil ser-se actriz. De todo. Se me perguntasse se era aquilo que eu gostaria de fazer à séria respondo sem hesitar que sim, só que nunca ousei dizer ao meu pai que queria ser actriz. Naquele tempo, quando era miúda, um actor era quase um saltimbanco e não tinha qualquer estatuto. Felizmente as coisas modificaram-se e actualmente os actores são tratados com outro carinho e respeito. Como reagiram os seus pais ao saberem da sua opção pela carreira de actriz? Confesso que tive um certo cuidado a contar ao meu pai que tinha estado em Berlim [Alemanha] a filmar. Porquê? Fiz 28 anos em Berlim durante as filmagens. Quando lhe contei que participei num filme ficou um bocado perplexo. O meu pai sempre gostou que nós aprendêssemos línguas e eu falava bem alemão, francês e inglês e foi à base disso que lhe contei. Disse que tinha sido óptimo saber alemão e ter podido contracenar com os actores em alemão. Ele ficou com uma certa vaidade por a filha saber tão bem alemão que não ficou aborrecido. Estava com um bocadinho de receio mas consegui dar-lhe a volta. Não se vêem muitos actores mais velhos na televisão portuguesa. Porque é que isto acontece? Porque em Portugal não se tem pelos actores velhos o respeito que se tem, por exemplo, no Brasil. Repare que nas telenovelas brasileiras há sempre dois, três elementos com mais de 70 anos. Em Portugal a partir de certa altura deixa-se cair os artistas. É uma tristeza mas é verdade. Uma família é composta por vários membros onde também se incluem os avós por isso acho que há sempre lugar para uma avó ou um avô. A partir de determinada altura deixou de aparecer tanto na televisão. Foi por opção? Foi apenas porque não calhou. Entro sempre nas telenovelas que o meu filho Tozé escreve. Ele reserva sempre um papel para mim. Sempre me acolheram com muito carinho e respeito. De facto, quando ele não está em serviço fico em stand-by. Gosta de trabalhar com o seu filho? Adoro e sou fã do seu trabalho. É muito engraçado porque quando começámos nas lides artísticas e participámos na Visita da Cornélia, durante muito tempo, fomos conhecidos como a Tareka e o filho. Passados uns tempos passamos a ser o Tozé Martinho e a mãe, o que me deixou muito vaidosa porque era o futuro dele que estava em jogo. Fiquei muito orgulhosa. O dia em que um toiro lhe entrou em casa Para exemplificar que não é uma mulher medrosa Tareka conta uma história curiosa. Há uns anos um toiro da ganadaria do seu marido entrou-lhe na sala. A actriz estava ao telefone com a cunhada que, apesar de ter nascido em Salvaterra de Magos, tem “muito” medo daqueles animais. “Tenho impressão que o toiro ainda ficou mais admirado do que eu, ficou estático”. Tareka conta que não se mexeu para o animal não ir na sua direcção e comentou, em voz baixa, com a cunhada que tinha um toiro na sala a olhar para si. “A minha cunhada, do outro lado da linha, começa aos gritos e desliga o telefone”, recorda entre risos. Foi um cão pequeno que tinham que, entretanto, chegou e começou a mordiscar as cerdas do rabo do animal. O toiro virou-se e seguiu o seu caminho em direcção ao campo. Quem teve dificuldade em recompor-se do susto foi a cunhada. “Passado um bocado telefona-me o meu cunhado a perguntar o que tinha acontecido porque a esposa estava gaga, queria explicar-lhe o que se passava mas não conseguia falar. Fartámo-nos de rir com o episódio e percebi que não tenho mesmo medo de toiros”, explica bem disposta acrescentando que todos os toiros da ganadaria do marido têm nome e que Tareka gosta, por vezes, de falar com eles. “Acho que eles conhecem a minha voz porque nunca tiveram a intenção de investir”. Os portugueses não têm o hábito de ir ao teatro O público português reconhece o trabalho dos artistas ou esquece-se facilmente? O público português não é mau. Há algum tempo que não apareço na televisão mas não faz uma pequena ideia do que é ainda hoje as pessoas que param na rua para me cumprimentarem. Dizem que gostam muito de me ver na televisão e perguntam quando é que apareço novamente, o que prova que me acarinham e não me esqueceram. Qual é a sua opinião sobre a nova geração de actores em Portugal? Tenho uma boa impressão da nova geração de actores. Acho que se dedicam mais, têm mais escola e levam mais à séria o seu trabalho. Temos uma geração de bons actores. O teatro tem futuro em Portugal? Não tem muito porque as pessoas vão pouco ao teatro em Portugal. Temos bons actores de teatro mas não existe o hábito de ir ao teatro, o que é uma pena. Por que é que isso acontece? Não lhe sei dizer. Antigamente os teatros estavam cheios, as senhoras faziam uma toilette, os senhores iam de smoking, cultivava-se muito isso e hoje perdeu-se o hábito. Em Lisboa havia 16 teatros e estavam sempre cheios. Tínhamos que reservar os bilhetes com antecedência. A que se deve o sucesso das novelas portuguesas nos últimos anos? À competência de directores, realizadores e actores. Quando as novelas portuguesas começaram a ser emitidas já os brasileiros tinham muitos anos de experiência, por isso eram melhores. Mas actualmente fazemos novelas muito boas e com a mesma qualidade que as brasileiras. O teatro é mesmo a arte maior para um actor? Um actor que não teve oportunidade de ser protagonista de uma peça boa sente uma falha na sua vida de artista. Para se ser actor tem que se experimentar um palco, porque é completamente diferente de televisão ou cinema. Ali não há cortes nem gravações. O teatro tem um sabor especial porque sentimos o calor humano do público. E os aplausos no final são o melhor do mundo. É mais fácil fazer chorar ou rir? Fazer chorar é mais fácil porque podemos ir buscar emoções que comovam as pessoas. Para fazer rir já se tem que ir mais longe, tem que se ter mesmo muita graça. É supersticiosa? Só um bocadinho. Que superstições tem? Como sou religiosa costumo benzer-me sempre antes de entrar em cena. Se meter a mão numa gaveta para tirar qualquer coisa e a quantidade que retirar de dentro da gaveta for par acho que me vai acontecer tudo de bom, se for ímpar se calhar acontece-me alguma chatice. São pequeninas coisas pessoais. “As manifestações anti-touradas são uma parvoíce” É casada com um ganadeiro e é aficionada. Concorda com as manifestações anti-touradas? Essas manifestações são uma autêntica chachada. Se uma pessoa não gosta do espectáculo não vai. Não me consta que alguém vá de rojo, puxada pelos cabelos, para uma praça de toiros. Vai se quiser, se não quiser não vai. Essas manifestações são uma parvoíce. Quem gosta vai e prova-se que há muita gente a gostar do espectáculo dos toiros porque as praças estão à cunha e esgotam, seja onde for. Quem não gosta não vá, agora não tem o direito de impedir que uma pessoa veja um espectáculo que lhe agrade. Vai a todas as corridas em que são lidados toiros da ganadaria do seu marido? Tento ir, mas já não vou a tantas quanto gostaria. Agora têm o costume de realizar corridas nocturnas e ir ao Campo Pequeno à noite equivale a deitar-me às duas da manhã e isso já é muito tarde. Além disso, gosto mais das corridas mistas que não se realizam tanto no nosso país. São mais variadas, mais bonitas e mais completas. É a favor dos toiros de morte? Sim. Não se justifica que o toiro vá para dentro dos curros para ser morto. Porque não fazer como em Espanha, que o toiro morre na arena? Uma estocada rápida seria muito melhor para o animal do que ter que tirar as farpas e depois matá-los. Os animais sofreriam muito menos e uma morte na arena é muito mais digna para um animal desta bravura. Gosta de ver as mulheres na arena a tourear ou é um espectáculo masculino? É um espectáculo mais masculino, embora ache que uma cavaleira é diferente, é bonito ver na arena. Mas a pé acho que é uma arte de homem. Agora as cavaleiras gosto de ver. Aliás, nós temos uma Conchita Citrón em Salvaterra de Magos que é a nossa Ana Batista que é espectacular. Coloca um lacinho no cabelo, batom, um bocadinho de rímel. Não deixa de ser muito feminina mesmo a tourear. “Salvaterra devia apostar mais nas actividades culturais” O seu filho é actor, escritor e actualmente é deputado municipal eleito pelo PSD na Assembleia Municipal de Benavente. Acha que as figuras públicas podem vencer na política pelo simples facto de serem figuras públicas? O facto de serem figuras públicas contribui para conseguirem serem ouvidas com mais atenção. Quando são conhecidos do grande público as pessoas estão mais atentas. Acompanha a actividade política do concelho de Salvaterra de Magos? Não acompanho muito. A autarquia é gerida pelo Bloco de Esquerda e como eu não sou desse partido, para estar em desacordo não vale a pena. Por isso não acompanho a actividade política. Se precisarem de mim para alguma coisa não viro a cara, agora andar por lá também não ando. O concelho de Salvaterra de Magos tem-se desenvolvido nos últimos anos a nível cultural? Mesmo assim têm feito algumas coisas, mas já tivemos cinema e hoje em dia infelizmente não temos. Às vezes há uma peça de teatro que vai ao auditório do Celeiro da Vala mas talvez se devesse apostar um pouco mais nas actividades culturais. A actriz que também é escritora Maria Tereza Ramalho, mais conhecida no meio artístico por Tareka, é actriz e nasceu a 22 de Novembro de 1927 em Lisboa. Tem cinco filhos - entre eles o actor e escritor Tozé Martinho e a escritora Ana Maria Magalhães - dez netos e seis bisnetos. Casada com o ganadeiro ribatejano João Ramalho veio viver para a terra do marido, Salvaterra de Magos, quando casaram. Tinha 33 anos. Celebraram em Agosto 50 anos de vida em comum. Tareka sempre gostou de representar e em criança era habitual fazer teatrinhos. Cantava, dançava e fazia sapateado. “Tudo o que via no cinema - na altura ainda não havia televisão - servia para eu copiar. Era feliz a representar”, conta a O MIRANTE numa entrevista concedida na sala da sua casa na Quinta das Gatinheiras, na fronteira do concelho de Salvaterra de Magos com o de Benavente. Se fosse hoje confessa que as coisas tinham sido diferentes e seria actriz mais cedo. Na sua juventude, um actor era quase um saltimbanco e não tinha qualquer estatuto. “Nunca ousei dizer ao meu pai que queria ser actriz”, confessa. Viveu três meses em Berlim, na Alemanha, onde fez cinema. Um filme musical intitulado “O Louco do Otto”. O filme estava quase pronto mas precisavam de uma pessoa com a sua figura física, pequena e morena, e pediram-lhe para fazer um casting. Dois dias depois estava a filmar. Ficou conhecida no meio artístico depois de participar, com o filho Tozé Martinho, no programa de televisão A Visita da Cornélia. Além de actriz é também escritora escrevendo sob o pseudónimo de Ângela Sarmento. Já publicou cinco livros, dois romances e três contos. Foi co-autora da telenovela “Vidas Cruzadas”, uma das primeiras novelas portuguesas, onde também participou como actriz. O filho, Tozé Martinho, guarda-lhe sempre um papel nas suas novelas que a mãe aceita com “muito orgulho”.
A actriz que nunca se arrependeu de ter trocado a cidade pelo campo

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