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Junta não quer passar atestado de residência a sem abrigo contra vontade de moradores

Junta não quer passar atestado de residência a sem abrigo contra vontade de moradores

Augusto Silva diz que precisa do documento para arranjar emprego mas autarquia acha que é para candidatar-se ao rendimento mínimo

É a primeira vez na vida que está a viver na rua. Natural de Lisboa, Augusto Silva chegou a Samora Correia há dois meses e rapidamente conquistou a simpatia dos comerciantes e moradores. Luta agora por um atestado de residência que a junta tarda em passar.

Eduarda SousaAugusto Silva, de 46 anos, viveu desde sempre em Lisboa. Há dois meses resolveu deixar tudo para trás e recomeçar uma nova vida em Samora Correia, concelho de Benavente. Entrou na auto-estrada do Norte (A1) e percorreu perto de 20 quilómetros antes de ser detectado pelas câmaras de vigilância da Brisa. Um carro da GNR foi buscá-lo e deixou-o na Ponte Marechal Carmona, em Vila Franca de Xira. Sem plano definido e conhecendo apenas Samora Correia de passagem, Augusto Silva decidiu continuar a caminhar até chegar à cidade. Trabalhou sempre na construção civil, mas desde 2006 que o trabalho começou a escassear e a renda que devia da casa camarária que tinha em Entrecampos, Lisboa, a aumentar. “Decidi entregar a chave porque já devia perto de três mil euros e sair de Lisboa”, conta o sem-abrigo que garante não ter nenhum familiar. Em Samora Correia rapidamente conquistou a simpatia de alguns moradores e comerciantes do centro da cidade, especialmente por nunca ter pedido nada a ninguém. “Um dia vi-o a apanhar pontas de cigarro na rua. Não gosto de tabaco, mas hoje em dia não me custa nada comprar um maço para lhe oferecer”, revela uma comerciante. Também Filomena Silva ajuda sempre que pode com um café ou mesmo uma refeição. “É uma pessoa muito humilde, sincera, verdadeira e com educação”, aponta. Uns minutos de conversa com o sem-abrigo chegam para se criar alguma empatia. O aspecto que apresenta é limpo. Todas as semanas vai tomar banho às piscinas municipais de Samora Correia. Tudo o que conta parece sincero e sentido. Hoje vive numa pequena tenda num piso térreo de um prédio embargado, logo à entrada de Samora Correia. Partilha parede com alguns toxicodependentes, mas assegura que até hoje ninguém se meteu com ele. Não consome drogas ou álcool e o que mais quer neste momento é um atestado de residência que tarda em chegar. “Preciso do atestado para arranjar emprego e se não conseguir candidatar-me a algum apoio para poder sair da rua”, afirma. Vários moradores já se disponibilizaram para dar a própria morada à junta, mas o presidente da junta, Hélio Justino, ainda não acedeu. “Posso passar o atestado e deixo de ter qualquer responsabilidade, mas conhecendo a situação não quero comprometer os próprios munícipes que podem vir a ter problemas futuramente”, refere. Hélio Justino refere que infelizmente sabe que o sem-abrigo quer o atestado para pedir o Rendimento Social de Inserção (RSI) e não propriamente para arranjar trabalho. “Vou conversar com as nossas assistentes sociais para tomar a melhor decisão. O senhor não é daqui e não podemos estar a sobrecarregar ainda mais os nossos serviços sociais”, acrescenta. Esta demora está a provocar algum descontentamento entre as pessoas que têm ajudado o sem-abrigo porque se deparam diariamente com muita gente que aufere de apoios sociais sem precisar.Durante algum tempo Augusto Silva ainda teve direito a uma refeição na Fundação Padre Tobias, mas o apoio acabou por ser retirado. Hélio Justino assegura no entanto que em Samora Correia ninguém passará fome e que se o sem-abrigo se dirigir à fundação encontrará sempre uma refeição.ANAFRE confirma que junta não é obrigada a passar atestadoA Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE) informa que a junta de freguesia tem o direito de recusar a emissão de um atestado de residência a um sem-abrigo, especialmente quando o presidente tem conhecimento que no atestado iria constar uma morada onde Augusto Silva não mora. “Qualquer cidadão, incluindo o requerente sem-abrigo, se atestar uma falsa residência (de facto não mora aí) comete o crime de falsas declarações, podendo ser por isso sancionado nos termos da lei penal. Mais se compreende, que tendo o Presidente da Junta conhecimento de semelhante facto, não pactue com o mesmo, incorrendo ainda em conivência com a prática do crime, também sancionável”, lê-se na resposta que a jurista da ANAFRE, Maria Helena Bagão, enviou a O MIRANTE. A ANAFRE informa ainda que face à pretensão de arranjar trabalho, poderia atestar-se que o cidadão vive na área da freguesia, mas não determinar uma morada, podendo fazer-se referência a determinada morada/domicílio para fim de recebimento de correspondência (o que abrangeria finalidades de trabalho, ou outras como o direito à saúde). Para passar um atestado de residência, é preciso como forma de prova, uma das seguintes três possibilidades: conhecimento directo dos factos a atestar por qualquer dos membros da junta ou da assembleia de freguesia; testemunho oral ou escrito de dois cidadãos eleitores recenseados na freguesia; mediante declaração do próprio.
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