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O pão e o vinho do Hospital de Todos os Santos era produzido no Ribatejo

Reis doaram terras férteis na lezíria contribuindo para a obra assistencial

Vila Franca de Xira, Azambuja e Benavente eram terras de pão e vinho no tempo do Hospital de Todos os Santos. Os reis doavam as férteis lezírias para manter a obra assistencial que servia Lisboa e arredores. A investigação é de Rute Ramos, bolseira da Fundação para a Ciência e Tecnologia, residente em Alverca, que falou sobre o tema durante mais uma conversa sobre património e história no museu da cidade.

O pão e o vinho consumidos pelos doentes do ancestral Hospital de Todos os Santos, em Lisboa, eram produzidos nas férteis terras do Ribatejo que o reis doaram à obra. Azambuja, Vila Franca de Xira, Benavente, Samora Correia mas também Alenquer e Alcanena, tinham campos especialmente aptos para estas culturas. Eram “terras de pão”. Os olivais e a vinha estavam localizados na zona de Santa Iria, Vialonga, Azambuja. Em Santarém e Calhandriz havia um lagar de azeite. O pão e o vinho constituíam então a base da alimentação das populações. “Além do pão os cereais podiam ser consumidos sob a forma de papas e sopas. Já o vinho era a bebida alcoólica que entrava na dieta alimentar de quase todas as pessoas. O vinho era conhecido por dar força e podia também ser utilizado como remédio”, revela a investigadora Rute Ramos, bolseira da Fundação para a Ciência e Tecnologia, residente em Alverca, em mais uma sessão de conversas sobre o património e história sobre “O Hospital de Todos os Santos. Algumas considerações sobre o património de origem ribatejana (sécs. XVI-XVIII)”, que decorreu no sábado, 25 de Fevereiro, no núcleo de Alverca do Museu Municipal de Vila Franca de Xira. Além do pão e do vinho, a carne completava a trilogia dos alimentos mais consumidos na instituição. Segundo o regimento do hospital cada pessoa que servisse no hospital podia consumir o equivalente a 1,300 quilos de pão por dia, 7,5 dl de vinho por dia e 459 gramas de carne ou peixe por dia. Nos mesmos termos se fazia a alimentação dos doentes que muitas vezes ali recuperavam graças à “boa alimentação que não tinham em casa e ao descanso”, admite a investigadora.As primeiras doações ao Hospital de Todos os Santos chegam pelo testamento de D. João II. Ordenava o monarca que fossem compradas terras de pão para o hospital. A instituição recebia também como pagamento vários tipos de carne, nomeadamente a de carneiro, a mais apreciada e mais cara, mas também galinhas e frangos. D. Manuel I doou, por exemplo, “todas as galinhas que rendessem os foros reais da vila de Tomar e termo”. Fizeram ainda parte de doações régias outros produtos particularmente importantes na confecção de alimentos e nas mezinhas da botica, como o açúcar e as especiarias, como a canela, pimenta, gengibre, noz moscada e cravo.Também os fiéis legavam os seus bens a casas conventuais, confrarias ou hospitais com o encargo de mandarem celebrar missas perpetuamente. Em menos de um século depois de abrir as portas o Hospital de Todos os Santos tornou-se detentor de muito património. Para o administrar foi criada uma máquina composta por juízes, síndicos, secretários, escrivães, almoxarifes e procuradores, que não foi eficiente. O hospital burocratizou-se. Os monarcas pretendiam dotar o hospital de meios que garantissem a auto-suficiência de determinados produtos essenciais, o que provavelmente apenas foi conseguido nos primeiros tempos, analisa Rute Ramos.Uma instituição exemplar à épocaO Hospital de Todos os Santos, planeado por D. João II desde 1479 e inaugurado em 1501 por D. Manuel I, em Lisboa, foi o maior e mais importante hospital português do Antigo Regime. A sua fundação marcou o início de uma nova era na assistência hospitalar em Portugal, consentânea com a reforma das estruturas de caridade e assistência que arrancaram na Europa a partir dos finais da Idade Média. Os numerosos hospitais que existiam até aí na cidade eram antigos, mal dimensionados e de fracos recursos, incapazes de responder à escalada do pauperismo, às frequentes epidemias de peste e ao crescente número de pedintes e vagabundos. Alguns dos pequenos hospitais (casa onde se tratava do corpo e da alma e que podia ter poucas camas) da cidade e termo foram integrados no novo hospital. Foi o caso de Alverca e o Santa Iria. O hospital terá recebido os primeiros doentes entre 1501 e 1502. Em 1504 foi elaborado o regimento estabelecendo as competências de cada funcionário, rendimentos anuais, admissão dos doentes, preceitos de higiene, cuidados terapêuticos e dieta alimentar. Segundo Frei Nicolau de Oliveira e publicado no livro da Grandezas de Lisboa (1620), entre 1 de Novembro de 1616 a 1 de Novembro de 1617 entraram no hospital 3 026 doentes, morreram 620 e tiveram alta 2 151. Em 1620 estavam internados 600 doentes e o hospital tinha a seu cargo 200 enjeitados. A instituição não funcionava exclusivamente para o auxílio dos pobres e prestava cuidados médicos ainda que integrasse poucos clínicos. Eram os cirurgiões, os boticários ou os enfermeiros que tratavam. No Hospital de Todos os Santos, descrito como uma instituição exemplar, ensaiaram-se novas técnicas para cuidar dos doentes, tratar determinadas doenças como a sífilis e os insanos, organizou-se a escola de cirurgia e desenvolveram-se as práticas de anatomia e enfermagem. A instituição transformou-se num local de ensino de medicina.

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