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Aprender música à beira rio e em ambiente de “aldeia”

Aprender música à beira rio e em ambiente de “aldeia”

Conservatório Regional Silva Marques em Alhandra é já uma referência no ensino da música

Em Alhandra aprende-se música à beira rio. Os sons da flauta, do piano e da guitarra ecoam no edifício da centenária Sociedade Euterpe Alhandrense onde também se ensina oboé, violoncelo, tuba e canto. A dança começou a dar os primeiros passos mas revela-se mais difícil num país de marialvas, admite a directora pedagógica, Filipa Taipina. O conservatório, criado há 15 anos, tem 500 alunos, 25 professores, contas consolidadas e por isso a crise está a passar-lhe ao lado, garante o presidente da direcção, Jorge Zacarias.

À entrada do Conservatório Regional Silva Marques na Sociedade Euterpe Alhandrense, na freguesia de Alhandra, no concelho de Vila Franca de Xira, ouve-se um som de piano que vem de um dos andares de cima. As aulas personalizadas de instrumento - um professor para um aluno - desdobram-se pelas salas do espaço amplo de uma colectividade com 150 anos de história. Lado a lado, no banco do piano, está a professora Sandra Caldas e a aluna Beatriz Ventura, 13 anos, que também frequenta o curso de voz. Vem três vezes por semana ao conservatório. Todos os dias tem que estudar durante pelo menos uma hora. Reside no concelho de Arruda dos Vinhos mas a distância ultrapassa-se facilmente. A mãe ou os avós acompanham-na às aulas. É aluna do oitavo ano e admite que o mais difícil é conciliar os estudos de música com a escola. Quer seguir a área de ciências sem perder a música de vista. Estuda no conservatório desde os oito anos e a sua paixão pela música é ainda mais antiga. Foi o piano que a arrebatou. As amigas pedem-lhe que toque temas mais contemporâneos mas Beatriz gosta verdadeiramente de músicas em tom menor. Em casa tem um piano vertical restaurado, de 1950, comprado a um amigo de família que vende instrumentos. Encaixou-o na sala.”É impossível estar no conservatório sem ter um instrumento para praticar”.Sandra Caldas, 38 anos, uma das professoras de piano do conservatório, admite que o mais difícil é conquistar esse ritmo de estudo tendo em conta as exigências do sistema de ensino. O presidente da direcção da colectividade, Jorge Zacarias, não estranha que seja o piano um dos instrumentos mais procurados no conservatório. “Prende-se tudo com a célebre máxima de tocar piano e falar francês. É uma questão cultural”, resume. O piano é o mais caro dos cursos e custa 150 euros mensais, mais vinte do que os outros instrumentos. A directora pedagógica Filipa Taipina concorda mas lembra que nem só das aulas de piano vive o conservatório. Aprendem-se outros instrumentos como piano, guitarra, flauta, oboé, trombone, tuba, saxofone, trompete, canto, violino e violoncelo. Em breve haverá curso de canto gregoriano e carrilhão. “Os alunos escolhem mais piano e mais guitarra porque é o que conhecem”, justifica. No ano passado o conservatório fez uma acção de sensibilização nas escolas do primeiro ciclo e o oboé, por exemplo, foi muito procurado. “O nosso trabalho é levar aos alunos o conhecimento de outros instrumentos”, resume. MÚSICAS DE ADELE PARA FLAUTAO conservatório de Alhandra já faz sombra ao conservatório nacional até porque tem professores comuns e autonomia pedagógica desde Janeiro, o que significa que os diplomas já são passados em Alhandra. “Para quê ir para Lisboa se temos a mesma qualidade aqui perto? É um sítio fantástico e fica mais perto das escolas”, realça Filipa Taipina com orgulho. A professora de flauta transversal, Solange Silva, 29 anos, dá aulas em Alhandra e integra a equipa de docentes do conservatório nacional. O mais complicado foi conseguir ganhar alunos para a flauta. “Quando vim para cá tinha cinco alunos e agora temos uma classe bastante composta”, revela com modéstia. Solange Silva faz questão de responsabilizar os alunos pelo trabalho tentando cativá-los ao mesmo tempo para a música. “Há algumas semanas fomos a Lisboa assistir a um concerto no Instituto Franco Português. São momentos que os motivam”, ilustra. O trabalho tem que ser diário, também em casa, para que os objectivos sejam cumpridos. O segredo está acima de tudo no empenho. Em comparação com outros instrumentos a flauta não é cara, factor que pesou mas não foi determinante para a escolha de Inês Borges, 17 anos. “Há muito tempo que queria tocar flauta. Como na escola não ensinavam transversal andei à procura de um sítio onde me pudessem ensinar e encontrei o conservatório”, explica. Reside em Vialonga e, ao contrário de Beatriz, aluna de piano, vem até Alhandra de transportes públicos. Os amigos acham curioso que Inês toque uma flauta maior do que o habitual. Para agradar ao grupo de amigos costuma pesquisar na internet músicas mais modernas. É o caso de temas de uma cantora que está na moda: Adele.História de um conservatório Em 1990, quando Jorge Zacarias assumiu a presidência da Sociedade Euterpe Alhandrense, a colectividade tinha estado encerrada seis meses e era preciso fazê-la crescer. “Tínhamos que apostar na formação. Não havia a possibilidade de ter a colectividade como em meados do século XX. Isto tinha que ser uma coisa muito séria e uma coisa muito séria só podia ser um conservatório”, explica. O conservatório avançou há 15 anos. O processo foi complicado por razões financeiras, dificuldade inerente ao ensino vocacional da música e da dança. “O Estado ora se divorcia ora namora, mas raramente se casa com o ensino vocacional”, resume Jorge Zacarias. Os dois primeiros anos e meio foram suportados pela colectividade que teve que investir na compra de instrumentos com alguns apoios pontuais da câmara. Os professores estiveram um ano sem receber. Até há cinco anos a colectividade financiou o conservatório que é agora auto-suficiente. O projecto da música está consolidado se entretanto, sublinha Jorge Zacarias, não “mudarem as regras do jogo”. Este ano a colectividade, que tinha disponibilidade para investir, avançou com o curso de dança na classe de iniciações. Crise passa ao lado da Euterpe AlhandrenseA crise está a passar ao lado da Sociedade Euterpe Alhandrense que vive actualmente um clima de confiança, ao contrário da maioria das empresas e instituições. Quem o garante é o presidente da direcção da colectividade, Jorge Zacarias. Apesar de viver um clima financeiro favorável a colectividade não esqueceu as dificuldades das famílias e por isso este ano reduziu as mensalidades do Conservatório Regional Silva Marques, em média, em 20 por cento sem colocar em causa a sustentabilidade da instituição. Um esforço da Euterpe que só foi possível graças a uma gestão ainda mais rigorosa. “Conseguimos optimizar o funcionamento do conservatório com a colaboração da direcção pedagógica na gestão. Também somos pais e cidadãos e percebemos que é importante facilitar a vida às famílias”, garante Jorge Zacarias.O Conservatório Regional Silva Marques prefere ter muitos a pagar pouco do que ter poucos a pagar muito. “É da massificação que podemos fazer a filtragem e assegurar o crescimento qualitativo”, analisa.Todas as actividades são pagas e nem por isso deixam de ser procuradas. “Não é que tenham que pagar-se a elas próprias. A ideia é que sejam valorizadas e que as pessoas olhem para elas de forma diferente”, explica. A Sociedade Euterpe Alhandrense tem 60 funcionários entre administrativos professores, técnicos e professores. Assegura ainda as actividades de enriquecimento curricular em colaboração com o agrupamento de escolas Sousa Martins. Todos os meses paga 30 mil euros de ordenados e 10 mil euros de contribuições ao Estado. Jorge Zacarias é o actual presidente da direcção da Sociedade Euterpe Alhandrense mas está ligado à colectividade da freguesia de onde é natural desde 1977. Vive actualmente em Vila Franca e tem 51 anos. Em 1979 fez parte da direcção como secretário. Afastou-se em 1985 para regressar em 1990, numa altura que a Euterpe estava sem direcção. Permaneceu 19 anos. Em 2009 ausentou-se por dois anos e regressou em 2011 para as comemorações dos 150 anos da colectividade que não poderiam passar em branco.Os números do Silva MarquesContrariando o ciclo de crise a colectividade aumentou o número de alunos do conservatório de música e dança em 150 alunos. O conservatório tem 500 alunos dos quais 90 são de dança e os restantes de música. O ensino é personalizado e só as aulas teóricas são comuns.Trabalham no conservatório 25 professores. O conservatório tem alunos de uma vasta área que inclui Cartaxo, Samora Correia, Benavente, Arruda dos Vinhos, Alenquer e até Loures, entre outros concelhos. A maioria dos alunos frequenta o primeiro e segundo ciclos. É a única escola de ensino vocacional da música entre Lisboa e Santarém e tem o único curso oficial de dança entre Lisboa e Tomar. Alguns famosos já passaram pelo conservatório. É o caso de Elmano Coelho.“Num país de marialvas o ballet não é cultura”Filipa Taipina, a directora pedagógica do Conservatório Regional Silva Marques, em Alhandra, compreende que alguns instrumentos sejam preteridos por alguns alunos porque durante muito tempo foram associados à banda filarmónica que era considerada de segunda enquanto que a orquestra era vista como sendo de primeira. Os longos anos de ditadura promoveram este preconceito e fizeram com que a Portugal chegasse muito pouco. Uma realidade que se verifica igualmente na dança. “Num país de marialvas o ballet não é propriamente cultura, como é em muitos países há muitas décadas”, analisa. Em quase cem alunos de dança apenas um ou dois são rapazes, ilustra Filipa Taipina.A directora pedagógica do Conservatório Regional Silva Marques toca piano, é especializada em canto e harpa medieval. Está a concluir um doutoramento no Vaticano sobre manuscritos de música medieval em Portugal. Tem 43 anos, viveu em Vila Franca de Xira até aos 20 anos mas voltou a Lisboa, onde reside actualmente.
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