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Um ciclista campeão que não vira a cara à luta

Um ciclista campeão que não vira a cara à luta

João de Brito já está habituado a ser oposição em Alpiarça, vila onde chegou nos anos 60 para competir por “Os Águias”

João de Brito admite que é preciso ter “pedalada” para ser oposição em Alpiarça, terra de esquerda durante muitos anos considerada um bastião comunista. Mas a experiência como ciclista profissional deu-lhe traquejo para os desafios da política e para não virar a cara à luta. Em vésperas do Dia do Concelho, o autarca do PSD diz que, politicamente, o ex-presidente da câmara Rosa do Céu “não faz falta nenhuma a Alpiarça” e reconhece diferenças entre a actual maioria comunista e o anterior executivo socialista. “A oposição é hoje muito melhor tratada”, afirma.

Tem sido o rosto do PSD em Alpiarça, um concelho onde o seu partido tem pouca expressão. O que o faz correr na política?Sou social-democrata e como tal acho que o PSD tem todo o direito de ter aqui representação, numa terra hostil ao partido. Alguém que dê a cara sem medos, como é o meu caso.Tem sido difícil essa missão?É como remar contra a maré, como pregar no deserto. Ninguém nos ouve. Mas também é interessante quando se tem vontade e quando se quer, a partir do nada, atingir determinado patamar. Não é o que gostaríamos, mas é o possível. Acha que, pela sua postura, merecia mais votos, mais oportunidades?Não posso dizer que mereço mais votos do que alguém. Mas o partido acho que sim. E seria mais benéfico para os alpiarcenses se tivessem uma postura diferente da que têm apresentado.Vai continuar a insistir e a candidatar-se pelo seu partido?Muitas vezes penso que não, mas depois o bichinho rói e continuamos porque não consigo dizer não ao partido. Enquanto o PSD precisar de mim eu estou presente.Isso significa que o partido em Alpiarça também não tem muitas opções.Infelizmente não tem. E a população de Alpiarça é um pouco culpada dessa situação. Nas últimas eleições autárquicas tive pessoas que sempre se disseram do PSD que me pediram desculpa porque não iam votar no partido. Iam votar no PS porque tinham medo que os comunistas voltassem ao poder.Os socialistas, por outro lado, dizem que por vezes o senhor faz o jogo dos comunistas.Sim, até na blogosfera cá do sítio têm falado muito nisso. Mas não corresponde à verdade. Não estou na política para servir este ou aquele partido. Acima de tudo para mim estão as pessoas e não os partidos. Nota diferenças substanciais entre a actual gestão comunista e a anterior gestão socialista?A oposição é muito melhor tratada com a CDU no poder em Alpiarça do que com o Partido Socialista.Quais são as diferenças?Os socialistas não nos respeitaram no passado. Para esses eleitos do PS parecia que a oposição não tinha o direito de existir. Quem não era do PS era contra o PS e tinha de ser abatido, passe a expressão.Nessa altura Alpiarça foi pródiga em situações pouco habituais como o roubo de um pesado cofre da câmara que nunca apareceu; o fogo posto a um automóvel de um autarca; ou o caso do acesso a sites pornográficos a partir de um computador do gabinete do ex-presidente da câmara Rosa do Céu. Como viu esses episódios?Com bastante tristeza, como é óbvio. Apesar de ser um assunto que não me diz respeito, e de não se ter chegado a conclusões concretas sobre essas situações, acho que é lamentável que as mesmas tenham acontecido. O ambiente político na altura estava bastante “quente”. As coisas hoje estão mais pacíficas?Sim e ainda bem. Foi uma altura difícil politicamente em Alpiarça e espero que não volte a acontecer. Não tem lógica nenhuma.A ausência da política local do anterior presidente da câmara Rosa do Céu (PS) pode contribuir para essa pacificação?Acho que o dr. Rosa do Céu já deu o que tinha a dar em Alpiarça. Está muito bem onde está. Politicamente não faz falta nenhuma a Alpiarça. Não quero entrar por atritos pessoais, mas é uma pessoa de difícil trato e não tenho saudades nenhumas dele enquanto político.Com o actual presidente, Mário Pereira (CDU), o relacionamento é diferente?Considera-nos como pessoas e respeita-nos como tal. Também o respeito e admiro a sua simplicidade. Não sei se é essa a conduta política do PCP, que é um pouco radical no meu entender, mas não há dúvida nenhuma que este executivo tem outra postura.Ainda no anterior mandato, como viu a chegada de Vanda Nunes à presidência da câmara após a saída de Rosa do Céu?Posso dizer que com a entrada da dra. Vanda Nunes começou a respirar-se melhor dentro dos paços do concelho e na assembleia municipal. A atitude mudou completamente e melhorou o relacionamento entre as pessoas.Como é viver politicamente condenado a ser oposição?É um desafio ainda maior, sobretudo quando fazemos uma oposição construtiva. Votamos com a nossa consciência e, se as pessoas assim o entendessem, podíamos melhorar muito a política em Alpiarça. Porque com a actual política Alpiarça não passará da cepa torta. Basta ver o progresso que tem tido. Para mim tem sido nulo. Não há comércio, não há indústria. É uma terra praticamente fantasma onde nada de novo se passa. Mas as pessoas também são culpadas.O actual executivo de maioria CDU queixa-se da difícil situação financeira em que foi deixada a câmara em 2009, após a gestão socialista de Rosa do Céu. É uma avaliação justa?Acho que sim e até aceitava que houvesse aquele buraco dos 13 milhões de dívida se tivesse havido progresso e obra feita. Também acho que a autarquia não tem de ter dinheiro, tem é de dar qualidade de vida à população e desenvolvimento ao concelho. O Plano de Saneamento Financeiro da autarquia foi a decisão mais acertada?Na minha opinião sim e votei favoravelmente, porque as dívidas tinham que ser pagas. Uma pessoa de bem tem de pagar aquilo que deve.Isso vai condicionar a gestão da autarquia nos próximos anos.É óbvio, mas isso não acontece só em Alpiarça. Este é um momento de vacas magras e não podemos exigir coisas extraordinárias. Não se pode dar um passo maior do que a perna.Disse recentemente, na assembleia municipal, que se sente no ar uma guerra surda entre o presidente da câmara e o presidente da assembleia, que são eleitos pela CDU. Essa fricção é prejudicial à gestão do concelho?É uma questão interna da CDU, mas acho que ficava bem neste momento difícil não haver fissuras nos partidos políticos porque gerir uma câmara, mesmo pequena, como Alpiarça, não é fácil. Isso não é bom para a CDU nem para o concelho.Coloca a hipótese do PSD concorrer nas próximas eleições autárquicas coligado com o PS?Não faço política assim. Fazer uma coligação com o PS para derrubar alguém não faz sentido. Era muito melhor que as pessoas dessem importância ao trabalho do PSD, que se equilibrassem as forças políticas no concelho, para que todos juntos pudéssemos trabalhar. Se somos capazes a nível nacional também somos capazes em Alpiarça. Mas as pessoas vêem-nos como pessoas de direita, como fascistas...Ainda existe esse fantasma do fascismo em Alpiarça?Sim. Já tive pessoas que trabalhavam para mim em propriedades e que chegavam a dizer que, bem ou mal, votavam sempre na CDU.O Governo do seu partido defende a fusão de municípios. Alpiarça, um concelho pequeno com uma só freguesia, não corre o risco de ser agregado ao concelho de Almeirim?Como habitante de Alpiarça não gostaria que isso acontecesse. Mas se a reforma administrativa for bem feita alguém terá que sofrer esses problemas.Pelo menos ganhava-se escala.Ganhava-se escala e com menos despesas. Tem de se começar por alguma coisa e, no meu entender, começou-se bem pelas juntas de freguesia. Mas tem de ser uma reforma bem feita e preparada.É frequente criticar as condições de trabalho dos deputados na assembleia municipal tendo que colocar os documentos no chão e tendo pouco espaço para escrever. O auditório dos paços do concelho, uma obra recente, foi mal idealizado?Não temos condições de trabalho. Estamos com os documentos em cima dos joelhos, se nos levantamos cai tudo para o chão. Nas actuais condições aquilo não tem dignidade nenhuma para ali se realizarem as assembleias municipais. Mas tenho confiança que as coisas vão melhorar até ao fim do mandato.Que prenda gostaria que Alpiarça recebesse no dia do concelho?Que este executivo descobrisse um investidor de grande escala e se implantasse em Alpiarça uma grande empresa que trouxesse mais valias dado o desemprego e as dificuldades das famílias.A zona industrial de Alpiarça tem cumprido bem o seu papel?Acho que tem condições para cumprir ainda melhor. Os terrenos estão aqui, falta uma variante do IC3 que nos é prometida há muitos e muitos anos.O algarvio que criou raízes em AlpiarçaJoão de Brito nasceu a 28 de Janeiro de 1940 em São Brás de Alportel, no Algarve. Vive em Alpiarça desde a década de 60 quando veio pedalar para a equipa de ciclismo de “Os Águias”. Foi na vila que conheceu a esposa e onde criou raízes. Tem um filho e dois netos que vivem em Helsínquia, na Finlândia. Viaja até à terra natal com frequência, onde ainda possui uma casa, mas prefere o sul nos meses em que existe menos confusão de turistas.Viveu alguns anos em França onde tinha uma empresa do ramo imobiliário. Hoje vive dos rendimentos. Apesar da crise que se vive em Portugal nunca se arrependeu de ter regressado. “Quando emigrei sempre tive intenção de realizar-me financeiramente e regressar, porque não existe país como o nosso”, afirma. Falta-lhe espírito de emigrante? “O facto de ter abandonado o Algarve aos 17 anos e vir para Lisboa de comboio, sem conhecer nada da cidade, penso que já é ter espírito de emigrante”, afirma o político.João de Brito gosta do Ribatejo e da população de Alpiarça que diz serem “pessoas de bem”. Só lamenta que não votem no PSD e afirma que as ideias políticas dos alpiarcenses prejudicam o concelho. Já se dedicou à agricultura mas actualmente opta por arrendar os terrenos que possui. Nos tempos livres dedica-se à pequena horta que cultiva no quintal de sua casa, no centro da vila. Também faz “muito” treino de bicicleta. Há dois anos participou na Mini Volta a Portugal em bicicleta para veteranos. O último livro que leu foi “O que é o Ciclismo em Alpiarça” de José João Pais, que fala das memórias da sua juventude e de algumas das suas proezas desportivas.Benfiquista dos “sete costados” é também presidente da assembleia geral do Águias de Alpiarça. Elogia o projecto de triatlo da equipa alpiarcense mas diz que gostaria que este fosse desenvolvido “noutros moldes” e que desse outra visibilidade e impacto a Alpiarça que “ainda não dá”.O rosto do PSD em terra de comunistasÉ extenso o currículo partidário de João de Brito. Foi candidato do PSD à Câmara e à Assembleia Municipal de Alpiarça, órgão autárquico que actualmente integra, e fez parte das listas de candidatos a deputado à Assembleia da República quando Durão Barroso e Santana Lopes lideravam o PSD.Em termos internos foi membro das comissões políticas distritais do Algarve (de onde é natural e onde tem casa) e da de Santarém, nesta última com Miguel Relvas e Carlos Coelho como líderes. Foi presidente da concelhia do PSD de Alpiarça e pertenceu também ao conselho de jurisdição da distrital de Santarém. Actualmente é membro da assembleia distrital e presidente da mesa do plenário da concelhia de Alpiarça.Ganhou duas etapas da Volta a Portugal no mesmo diaFoi por causa do ciclismo que o algarvio João de Brito se fixou em Alpiarça, nos anos 60. Após alguns anos no Benfica, onde foi campeão nacional em todas as categorias e por quem correu as duas primeiras voltas a Portugal da sua carreira, transferiu-se para o Clube Desportivo “Os Águias” de Alpiarça, outra referência do ciclismo nacional na época. Na vila ribatejana conheceu a sua futura esposa e ali assentou arraiais até hoje.João de Brito diz com orgulho que ainda hoje é detentor de um recorde do ciclismo nacional. Em 1964 cometeu a façanha de ganhar duas etapas da Volta a Portugal no mesmo dia. De manhã a etapa em linha Beja-Tavira e à tarde o contra-relógio realizado nessa cidade algarvia. “Era um bom rolador e um bom sprinter e defendia-me bem no contra-relógio”, descreve. Curiosamente, no final dessa Volta a Portugal decidiu abandonar a alta competição, embora tenha continuado a praticar a modalidade. O que ainda hoje faz regularmente. “Nesse ano trouxe para casa 2.800 escudos e achei que não compensava tanto sacrifício”, diz, realçando que o ciclismo é um desporto extremamente duro.Enquanto esteve no Benfica, onde ingressou aos 17 anos, morou numa pensão e no lar do clube, no tempo da grande equipa de futebol do início dos anos 60. Conheceu muitos desses craques que alimentaram o seu amor ao clube da águia. “Já era benfiquista e mais fiquei”, diz.Em Alpiarça foi colega de equipa e amigo de grandes nomes do ciclismo nacional como Lima Fernandes e João Centeio, que ganhou uma etapa nas Penhas da Saúde com mais de 20 minutos de avanço.A população de Alpiarça vibrava com os feitos dos seus ciclistas, muitas vezes recebidos em apoteose após as suas vitórias. João de Brito tem pena que “Os Águias” tenham deixado o ciclismo profissional, mas reconhece que os tempos estão difíceis para esse tipo de projectos. “Adorava ver novamente em Alpiarça uma grande equipa de ciclismo. Alpiarça não é uma terra de futebol e o ciclismo para o povo é uma doença”, afirma.
Um ciclista campeão que não vira a cara à luta

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