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Foi a morte da mãe que o levou a comprar a primeira ambulância de Samora

Foi a morte da mãe que o levou a comprar a primeira ambulância de Samora

João Alemão conta a história dos bombeiros num livro de poesia lançado na inauguração do novo quartel

Tinha 17 anos quando a mãe adoeceu e teve que ser transportada para o hospital. Volvidos 55 anos, João Alemão ainda está convencido que foi a demora na chegada de uma ambulância de Benavente que contribuiu para que ela morresse no hospital. A infelicidade deu-lhe forças para em 1975 convencer amigos e lançar um peditório para comprar uma ambulância para a freguesia. O primeiro passo para a criação de um corpo de bombeiros voluntários que agora tem um novo quartel.

João Alemão, de 72 anos, foi um dos que em 1975 se esforçou por criar o corpo de bombeiros de Samora Correia, concelho de Benavente. No dia da inauguração do novo quartel, no domingo, 25 de Março, aquele que durante 40 anos encarnou a personagem de padre no Santo Entrudo da freguesia, apresentou um livro de poesia onde faz o historial da Associação dos Bombeiros Voluntários de Samora Correia. No “Breve Historial da Vida de uma Associação”, o autor começa por relatar a aventura de comprar a primeira ambulância para a localidade. “Decorria o ano de 1975/ Quando pela cabeça me passou/ Comprar uma ambulância/ Da marca Peugeot// Foi no café do Vara Longa/ Amigos, eu fui convidar/ Para iniciar esta aventura/Que alguns frutos havia de dar”. A ideia surgiu por uma infelicidade na vida de João. A mãe estava doente e foi chamada uma ambulância de Benavente para a levar ao hospital e que demorou muito tempo a fazer o percurso. Ela acabou por morrer no hospital e João sempre ficou convencido que se o socorro tivesse sido mais rápido o desfecho teria sido outro. “Este pensamento nunca mais me saiu da cabeça”, confessa.A ideia de criar uma associação de bombeiros germinou ainda antes do 25 de Abril, mas João Alemão esbarrou na desconfiança do regime de Salazar. Na altura era muito difícil criar uma associação porque o regime partia do princípio que havia algum cariz político por trás. Só praticamente um ano depois da revolução que instaurou a democracia em Portugal é que João Alemão pôs mãos a uma obra difícil. O pintor da construção civil teve de penar muito, juntamente com alguns amigos, para conseguir juntar dinheiro suficiente para comprar a primeira ambulância. “Íamos de porta em porta e até distribuíamos panfletos, mas a população também ajudava muito”, recorda. Pouco tempo depois surgiu a necessidade de se comprar uma segunda ambulância. Os cerca de 2000 associados que existiam na altura uniram-se, conseguiu-se o objectivo e como reconhecimento durante alguns anos beneficiaram de transporte gratuito para os hospitais. Os voluntários começaram a aparecer e o entusiasmo era cada vez maior. Um celeiro na Avenida O Século, cedido pela Companhia das Lezírias, tornou-se na primeira sede da associação. Segue-se depois a mudança para um quartel com melhores condições na Avenida Professor Egas Moniz.Em dia de festa pela existência de um novo quartel, João Alemão diz que fez o que tinha que fazer em prol da comunidade e não aceita os louros pelo esforço que teve, porque acredita que se não fosse ele, alguém se encarregaria de o fazer. “Com toda a certeza que teria surgido outra pessoa e hoje estaríamos na mesma a inaugurar o novo quartel”, diz com toda a modéstia. O livro serve também para não deixar cair em esquecimento muitos dos nomes que tiveram um papel importante na história da Associação dos Bombeiros Voluntários de Samora Correia.Primeiro comandante magoado por falta de reconhecimentoO primeiro comandante dos Bombeiros Voluntários de Samora Correia compareceu na inauguração do quartel mas não escondeu a mágoa por não ter sido escolhido para receber qualquer medalha de agradecimento pelo trabalho que fez na corporação. Júlio Pereira confessa também que ainda sente uma “mágoa profunda” por ter sido demitido da corporação, depois de uma ausência de dois anos em Macau.Júlio Pereira ainda teve direito a descerrar uma placa no início da comemoração, mas isso não o tranquilizou. “Foi um acto quase às escondidas, mas perante a população de Samora que assistia no quartel, nem uma palavra. Trabalhei muito para desenvolver o corpo de bombeiros e vi tanta gente a ser condecorada merecidamente que não consigo compreender como é que não tive direito a qualquer referência”, desabafou no final da cerimónia. Quando chegou à associação para criar a fanfarra, Júlio Pereira sentiu necessidade de ter pessoal qualificado para prestar socorro à população. Lutou durante 11 anos pela criação do corpo de bombeiros. “Diziam-nos que só poderia ser criado se surgisse um novo concelho ou então se criássemos uma secção dos bombeiros de Benavente”, explica. Devido à conhecida rivalidade entre a sede do concelho e Samora tal nunca chegou a acontecer. Muita burocracia depois, nasceu o corpo de bombeiros de Samora e Júlio Pereira tornou-se o primeiro comandante em 1990. Em 1993, o comandante aceitou o convite para o cargo de director pedagógico de um centro profissional em Macau. Prometeu que estaria de volta dentro de dois anos. Cumpriu a promessa, mas quando chegou recebeu a notícia de que tinha sido demitido. “Fizeram-me a cama. Ninguém merece tal tratamento depois de tanto trabalho”, confessa. Não aceita que digam que abandonou o quartel durante os anos que esteve em Macau. “Numa corporação quando não está o comandante, o segundo é o responsável e assim sucessivamente”, explica. Em relação ao novo quartel, confessa que melhor não poderia ter sido mas teme que o seu afastamento do centro da localidade possa trazer problemas no socorro.Construção do quartel demorou três anos e meioForam muitas as pessoas que no domingo, 25 de Março, assistiram à inauguração do novo quartel dos Bombeiros Voluntários de Samora Correia, localizado na Várzea das Vinhas, junto à Estrada Nacional 118. “Há mais de quinze anos que o anterior quartel se tinha tornado asfixiante perante o crescimento da população de Samora e o consequente crescimento do corpo de bombeiros”, confessou o comandante Miguel Cardia. Depois de muita luta, os bombeiros têm agora melhores condições para acudirem às populações da freguesia do concelho de Benavente e da região.As obras do novo quartel iniciaram-se a 17 de Novembro de 2008, mas devido às dificuldades dos empreiteiros arrastaram-se ao longo de três anos e meio. Na sua intervenção, o presidente da Câmara Municipal de Benavente, António José Ganhão, destacou o “longo calvário” percorrido. O autarca deixou ainda um recado ao secretário de Estado da Administração Interna, Filipe Lobo D’Ávila, que estava presente na sessão: “Precisamos que o Governo compreenda a importância dos bombeiros e que a política de contenção não seja excessiva. Os bombeiros são insubstituíveis na nossa vida colectiva”. Na resposta o governante disse que “apesar de os recursos serem escassos e ser preciso gastar mais racionalmente, o Governo não abdica do socorro à população”. O novo quartel custou perto de 1,5 milhões de euros. A Câmara de Benavente financiou as obras em 500 mil euros e a Autoridade Nacional de Protecção Civil com igual quantia. A Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Samora Correia espera agora vender o terreno onde se situa o antigo quartel por cerca de 400 mil euros, existindo já um contrato de promessa de compra e venda. Situado numa zona de alto risco sísmico, o novo quartel incorpora na sua construção várias técnicas de engenharia anti-sísmica para resistir a um cenário de terramoto.
Foi a morte da mãe que o levou a comprar a primeira ambulância de Samora

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