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“A escrita é uma amante implacável”

“A escrita é uma amante implacável”

Nuno Figueiredo e Humberto Oliveira são autores das obras vencedoras do prémio literário Alves Redol
“A escrita é uma amante implacável. Exige-nos o sol dos dias e os sonhos nocturnos. Envenena-nos o sangue e corrói-nos a alma. Às vezes dói. Às vezes escurece-nos. Às vezes retribui-nos os beijos com silêncios ominosos. Às vezes tira-nos o ar, sufoca-nos, pára-nos o coração ou lança-o num galope furioso. E, no entanto, como viver sem ela?”. Quem deixa a pergunta é Nuno Figueiredo, 60 anos, vencedor do prémio literário Alves Redol na categoria de romance, patrocinado pela Câmara Municipal de Vila Franca de Xira. O autor escolhido pelo júri é engenheiro civil de profissão e já tem outros livros publicados. Vive em Coimbra mas confessou na tarde de quinta-feira, 26 de Abril, durante a cerimónia oficial de entrega dos prémios, que decorreu na Biblioteca Municipal de Vila Franca de Xira, que os primeiros esboços de romance foram rabiscados não muito longe dali, quando cumpria o serviço militar em Tancos e era “influenciado descaradamente” pela leitura dos escritores neo-realistas como Soeiro Pereira Gomes, Alves Redol, Carlos de Oliveira e Manuel da Fonseca.Nuno Figueiredo não esqueceu de mencionar o patrono do prémio e concordou com Carlos Reis que considera que a presença de Alves Redol na vida cultural portuguesa merece ser reavaliada além do enquadramento que usualmente é atribuído ao autor de “Fanga”, um romance intemporal e de uma actividade e universalidade exemplares.Alves Redol tratou temas consistentes de forma universal fugindo à “espuma ideológica” que “não raras vezes invade as efemérides dedicadas” ao escritor. O filho do autor neo-realista, António Mota Redol, presente na cerimónia, ouviu emocionado a referência ao pai. Nuno Figueiredo, autor de “Rendição e trevas”, agradeceu aos deuses o mérito da epifania e à família, em especial aos filhos, irmãos e amigos, a quem rouba horas de convívio absorvido na interminável, fascinante e labiríntica odisseia da escrita, todo o apoio. Lembrou ainda a memória dos pais: “orgulhosos mas cheios de temor, acreditando em mim mas desconfiando - e com justa razão - das circunstâncias literárias, vivendo os meus pequenos triunfos com a exaltação excessiva dos momentos superiores”. Humberto Oliveira, 37 anos, organizador de espectáculos, residente em Ribafria, Peniche, autor do conto vencedor “Um eterno minuto de silêncio”, avisou no início do discurso que está mais talhado para a escrita do que para a oratória. Enalteceu igualmente Redol, identificou-se com os ideais da liberdade preconizados pelo autor e explicou por que razão abordou os temas da morte, da solidão e da tristeza num texto que se assemelha a um conto gótico. “Não é a única coisa que tenho na minha cabeça mas usei-os para alcançar outras finalidades”.Os mesmos sentimentos pesados são evocados em “Rendição e trevas” de Nuno Figueiredo. Os dois textos, salienta Manuel Frias Martins, vice-presidente da Associação de Críticos Literários, são sintomáticos de algo que atravessa o campo literário dos últimos anos: “o imaginário sombrio” fruto provavelmente também do excesso de informação veiculada na sociedade de hoje.A cerimónia de entrega dos prémios terminou com a leitura de “Sombra e sangue” de Alves Redol por Paulo Renato levando assim o público numa incursão taurina a terras de Espanha conduzida pelo escritor neo-realista. Vila Franca de Xira mantém prémio literário mesmo em época de criseO município de Vila Franca de Xira vai manter o prémio literário Alves Redol apesar da crise financeira que se atravessa e ao contrário do que fizeram muitas autarquias que decidiram cancelar este tipo de iniciativa para contenção de despesa.A garantia foi dada pela presidente da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, Maria da Luz Rosinha (PS), que admite que tem resistido à tentação de cortar na área da cultura dando continuidade ao trabalho iniciado há muito por vários vilafranquenses. “Há outras áreas onde se pode cortar. Vale a pena continuar a apostar na cultura e na educação”, garantiu a autarca lamentando não poder para já aumentar o valor pecuniário do prémio. O autor do romance vencedor recebe 7500 euros enquanto que o conto é premiado com 2500 euros. O número de obras duplicou em relação à edição anterior com 284 trabalhos a concurso oriundos de Portugal e do Brasil, o que complicou o trabalho do júri. “Um número razoável de obras foi no entanto eliminado ao fim de uma leitura rápida. Muitas outras ficaram para ser comparadas e lidas com mais rigor”, explicou o vice-presidente da Associação de Críticos Literários. Manuel Frias Martins lembra que Portugal é um dos poucos países da Europa com um número tão elevado de prémio literários promovidos por autarquias e considera que esta é uma forma de dar a conhecer às editoras novos autores já que muitas vezes não estão atentes ao que é proposto. Além de Manuel Frias Martins o júri incluiu ainda Vítor Figueiredo, em representação da Divisão de Bibliotecas da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, e o escritor Miguel Real.
“A escrita é uma amante implacável”

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