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“Vou dar lugar aos mais novos e aos críticos”

“Vou dar lugar aos mais novos e aos críticos”

Quatro anos depois de ter pegado nos “cacos” a que estava reduzido o Coruchense Ricardo Santos diz estar de saída com o sentido do dever cumprido

Depois de mais de quatro anos na presidência do Grupo Desportivo O Coruchense, Ricardo Ferreira dos Santos anuncia, em entrevista a O MIRANTE, que não se recandidata. Diz estar de saída com o sentido do dever cumprido, contribuindo para o clube seja caso único ou dos poucos com dívida zero no futebol amador da região. Sobre as eleições do final de Maio, diz que ficam para “os mais novos e para os críticos”.

É presidente do Grupo Desportivo O Coruchense há mais de quatro anos. Com que objectivo pegou no clube?Tomei posse em Março de 2008. Via o meu Coruchense no estado lastimoso em que estava, com dívida às finanças de 330 mil euros. Contavam-se várias versões. O CDS tinha uma versão, o PS outra, o PSD outra e os comunistas outra, foi uma tema altamente politizado. O Coruchense foi prato permanente ao sabor de várias correntes políticas e foi vítima dessa situação. Quando cheguei ao clube os livros de actas estavam escondidos em casa deste e daquele. Achei que era uma injustiça que estavam a fazer a esta instituição, que era respeitada e na altura deixou de o ser. E resolvi por a casa em ordem.Pega num clube que abandona o seu campo de sempre e vai para o estádio municipal?O Coruchense recebe a grande machadada a partir do momento em que sai do campo Horta da Nora e só o presidente Dionísio Mendes travou o processo ao adquirir o terreno do Montinho do Brito, onde se ia construir o estádio, senão o trambolhão do clube seria muito maior. Mas o campo no centro da vila tinha e tem dono.A direcção à época é que não teve a coragem e frontalidade de ir falar com o proprietário do campo, que durante décadas cobrou um escudo por ano, um valor simbólico, pela utilização do espaço. O proprietário tinha o direito de fazer o que quisesse com o que é seu mas devia ter havido uma negociação. Devíamos ter hoje os seniores no Horta da Nora e a formação no estádio municipal. Após uma dúzia de anos o velho campo está na mesma. O que ali está é uma chaga no meio da vila de Coruche e a memória do clube está ali a apodrecer. Como foi enfrentar a gestão de um Coruchense endividado?Fui falar com o chefe de finanças que me garantiu que não ia ser responsabilizado ao assumir os destinos do Coruchense. Passados 15 dias de ter tomado posse já lá estava um técnico no clube a pedir cópia da acta da tomada de posse. Mais tarde recebemos uma coima e a casa do presidente do Coruchense, na Fajarda, passou a ser a sede do clube, com as notificações que chegaram das finanças.Foi por isso que se teve a ideia de criar os Amigos do Coruchense?Formou-se Os Amigos do Coruchense no dia 28 de Agosto de 2008, com a intenção de funcionar como mola de suporte e acima de tudo continuar com a formação e constituir uma equipa de futebol sénior que mantivesse o nome do Grupo Desportivo O Coruchense. Funcionou nas épocas de 2008/2009 e 2009/2010. Foi o expediente que tivemos que encontrar porque o Coruchense não podia estar inscrito nem na Associação, onde pagámos novas inscrições. O caricato é que quando o Grupo Desportivo O Coruchense resolveu os seus problemas e voltou à competição, a cena repetiu-se e tivemos que inscrever todos os jogadores de novo.Como foi ter uma tarefa paralela de manter jogadores e técnicos em actividade e, por outro lado, gerir o contencioso fiscal de outro emblema? Foi muito desgastante. Muita mais do que gerir o problema dos grandes incêndios de 2003 quando estava nos serviços do Ministério da Agricultura e tinha uma estrutura para dirigir. Apareciam coimas para pagar todos os dias. Nem temos nem nunca tivemos um funcionário a trabalhar administrativamente no clube. Fui e sou eu que trato de tudo. Fiz todas as diligências para resolver o problema fiscal e andei mais de 30 mil quilómetros no meu carro por conta de O Coruchense.Só uma pessoa que sentisse o clube como um ícone da sua terra podia desenvolver essa tarefa?Talvez sim. Ainda bem que surge essa pergunta porque eu estou muito magoado com alguns sócios do clube e pessoas de Coruche. Eu não quero ser reconhecido por ninguém, quero estar bem com a minha consciência e neste momento sinto que cumpri o meu dever como cidadão de Coruche. De quê ou de quem é que se queixa?De situações que se passaram de Dezembro para cá. Desde a primeira hora que tenho tido o apoio do presidente da câmara, Dionísio Mendes, e da jurista da autarquia Sofia de Sousa que foram peças chaves na resolução do problema da dívida fiscal. Mas há muita gente que anda a fazer críticas sem qualquer razão. Críticas que me magoam muito. Só a grande ajuda da câmara tornou possível a resolução do problema e chegarmos a este mês de Maio de 2012 e termos declarações das Finanças e da Segurança Social a atestar que o clube não deve nada. Mais, numa declaração das finanças de 4 de Maio de 2012, diz que o clube é credor de mais de 73 mil euros. O que é que vai fazer com este crédito?Por uma questão de princípio não vou reclamar o seu pagamento. Já falei com o técnico oficial de contas e com uma advogada, e fui aconselhado a que as próprias finanças fossem fazendo o encontro de contas na altura em que o clube tenha impostos para pagar.Como é que se gere um clube que parte do zero em termos fiscais e que até é credor?Só é possível fazendo uma gestão ao cêntimo e também porque a Câmara Municipal de Coruche não falhou com a atribuição do subsídio anual que é concedido nos termos do regulamento de apoio ao desporto. Eliminámos todas as situações supérfluas. Não temos funcionário administrativo, comprámos três viaturas em segunda mão, que foram e são tratadas por um mecânico que nos ajuda muito. Temos o bar da sede que nos dá algumas verbas.Conseguiu juntar um grupo unido no Coruchense?Sem dúvida que sim. São poucos mas bons. Eu próprio deixei de exercer a minha profissão há quatro anos porque abracei esta causa. Não tenho feito o acompanhamento da minha quinta como gosto de fazer e até a família tem sido prejudicada com isso. Não estou aborrecido com isso, estou magoado com algumas críticas que aparecem do nada, como na internet têm aparecido comentários a dizer que vão colocar o Coruchense como o maior clube do Ribatejo. Quando cheguei ao Coruchense o clube era um terreno de charneca cheio de mato e giestas. Sou um burro que engataram ao arado e juntamente com o David Lopes, que foi o meu braço direito desde a primeira hora, lavrámos a terra, e agora que já começámos a colheita. Por isso está na hora de eu sair.“Lugar do Coruchense é na Divisão de Honra de Santarém”O Coruchense já é um clube apetecível?Sim. O Coruchense agora já é apetecível para as pessoas que na Internet e em alguns órgãos de comunicação social, vieram fazer comentários menos correctos em relação à minha pessoa, estão com uma intenção.O dirigente é sempre sujeito a críticas.Sim eu sei. Mas eu estou há quatro anos à frente desta causa, sinto que cumpri o meu dever, não posso de forma nenhuma alhear-me das críticas que me têm sido feitas. Sinto que tirei o Coruchense da lama. Mas sinto também que o vou transmitir para outras pessoas com condições para desenvolverem um bom trabalho.Não ter conseguido levar o clube à Divisão Principal logo no primeiro ano de regresso como Grupo Desportivo O Coruchense, foi uma derrota e uma desilusão?Não foi uma desilusão. Pelo contrário senti uma motivação maior. Não conhecia determinadas coisas do futebol em termos de balneário e não o consegui blindar. Este ano eu consegui isso e até não foi preciso fazer um investimento maior do que o que foi feito o ano passado.Quais foram as maiores satisfações destes quatro anos à frente do clube?Primeiro que nada é sentir a satisfação do dever cumprido. A concretização do pagamento da dívida e a conquista do título de campeão distrital e a subida à Divisão Principal são dois momentos inolvidáveis, que jamais esquecerei.O que é que planeia fazer no futuro?Planeio dar o lugar aos mais novos e aos críticos desta direcção. Vai fazer um ano sabático?Vou pensar mais em mim, porque para além do Coruchense há mais vida. Por mim está decidido, foram quatro anos de grande desgaste. Preciso de ter paz. Nos últimos seis meses houve algumas pessoas que me tiraram essa paz. Parafraseando Santana Lopes, vou andar por aí. Há três figuras incontornáveis neste processo, o presidente da Câmara de Coruche, Dionísio Mendes, o presidente da Assembleia-Geral do Coruchense, embaixador Luís Barros, e o treinador José Peseiro. Ando a dialogar com eles já há algum tempo, para que seja possível encontrar uma direcção de pessoas que não venha destruir o trabalho feito. Quando é que acaba o mandato?Até ao final deste mês de Maio. Já pedimos ao presidente da Assembleia-geral para marcar uma reunião para eleger uma nova direcção. Vai entregar o clube com condições de continuidade?Sim. Não devemos nada a ninguém. Temos o clube reorganizado. Temos uma sede digna e ainda temos algum dinheiro no banco. O que é que é preciso mais, quem vier pode continuar ainda com o subsídio da câmara.Militante do PSD com simpatia pela “causa rural” de Gonçalo Ribeiro TellesAos 61 anos, Ricardo Ferreira dos Santos vai voltar a exercer a profissão de engenheiro agrónomo, depois de ter passado seis anos pela presidência do PSD Coruche e do Grupo Desportivo O Coruchense. O convite de um grande empresário do mundo agrícola que vai investir no Ribatejo seduziu-o, seis anos depois de se ter aposentado como supervisor do Ministério da Agricultura.Ricardo Ferreira dos Santos nasceu em 10 de Julho de 1950 na freguesia de Coruche, mas radicou-se na Fajarda, onde tem uma quinta. Filho de pai e mãe empregados fabris na antiga cooperativa do Vale do Sorraia, seareiros e agricultores, de origens humildes.Tem dois filhos, Ricardo Santos, 40 anos, engenheiro, que chegou a jogar andebol no Sporting, e Liliana Santos, de 35 anos.Ricardo Santos fez todo o trajecto de formação no sector agrícola. Tirou o curso de iniciação agrícola em Benavila e o de regente técnico agrícola na Escola da Paiã. Passou pela Escola Industrial de Santarém e concluiu o bacharelato na Escola Superior Agrária. Mais tarde, licenciou-se em agronomia pela Universidade de Évora.Foi mobilizado para Ultramar numa comissão que durou dois anos e meio no enclave de Cabinda, Angola. “Estive nas matas mais densas do mundo na serra do Maiong, numa operação de sete horas e quinze minutos sem ver a luz do sol. Quando chegámos ao topo do cabeço e pensávamos que íamos ver o sol só havia mato e escuridão”, recorda.Profissionalmente ficou marcado pelo ano de 2003 quando liderava o agrupamento de zonas agrárias do Vale do Tejo e da Charneca. No ano em que os incêndios varreram vários concelhos, ajudou a recrutar meios desde o Sardoal a Benavente para ajudar os agricultores a fazerem os seus campos com os novos projectos.É militante do PSD desde 1978, partido que dirigiu durante dois anos e meio no concelho de Coruche, mas foi adepto da reforma agrária preconizada pelo também coruchense Gonçalo Ribeiro Telles.Ricardo Santos é sócio do Sporting com lugar cativo e é lá que costuma ir “sofrer”. Nos tempos livres gosta ainda de estar na sua quinta a cuidar do espaço rural e a conviver com os amigos. É adepto da gastronomia e do bom vinho e aficionado. Na quinta tem cavalos, gado bravo e um tentadero onde organiza alguns convívios. Preza especialmente estar com a família, em particular, com os netos.“Vejo a política da forma mais humanista, do dar e do receber”Só entrou no mundo associativo depois de se aposentar há seis anos.Reactivei a concelhia de Coruche do PSD que tinha uma dezena de militantes regulares, não havia sede e fundámos a actual sede. Presidi à concelhia durante dois anos e meio.É do PSD por que razão?Trabalhei em Almeirim na campania de cereais depois de vir do Ultramar. Frequentava o café Império e todos os meus amigos eram dessa área. Primeiro comecei por simpatizar com o PPM, mais por uma questão agrícola, porque achava que a reforma agrária preconizada por Gonçalo Ribeiro Telles era aquela que fazia sentido. No tempo da AD fui convidado a integrar os quadros do PSD. Fui membro do conselho de jurisdição do PSD em Coruche durante dois anos no final dos anos 70.Como presidente da concelhia do PSD não chegou a exercer qualquer cargo local.Fui candidato à Junta da Fajarda. Preferi ter a função de pôr o PSD a funcionar. Deixei 67 militantes activos e uma sede aberta dois anos e meio depois de ter arrancado. Saí quando senti que à minha volta havia gente a pôr-se em bicos de pés. Como disse Luísa Pato, uma militante com a qual me identifico, vejo a política de forma mais humanista do dar para receber, de semear para colher. É preciso saber estar e romper a tempo, e pôr a sinceridade das posições acima dos interesses pessoais. Esta é que é a única política. Continuo apenas como militante.A experiência política é para repetir?O futuro a Deus pertence, o dia de amanhã ninguém o viu e nunca se pode dizer nunca, mas neste momento política activa está fora de causa.Esteve no futebol, na política e está no associativismo. Qual dos mundos é mais traiçoeiro?São as pessoas que aparecem no futebol. Para mim o Centro de Reabilitação e Integração de Coruche é o grande desafio, projecto de âmbito social. As crianças com dificuldades de adaptação devem ser apoiadas. Disponho de tempo para ajudar o presidente da direcção, Ricardo Silva, no sentido dos responsáveis do Governo olharem para o novo centro de actividades ocupacionais que está a nascer.Faz 62 anos em Julho. O que lhe resta fazer?Vou dedicar-me à minha actividade profissional. Tenho um convite de um grande empresário que vai investir em agricultura no Ribatejo. Nasci com os pés dentro de um canteiro de arroz e regresso ao mundo rural para exercer a minha profissão como engenheiro agrónomo.
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