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A mulher que faz parar o trânsito há 30 anos

A mulher que faz parar o trânsito há 30 anos

A comandante da esquadra de trânsito de Santarém, Manuela Guerra, também faz de psicóloga

Tem o apelido Guerra e é uma mulher de armas. Há 30 anos que é polícia na cidade de Santarém, onde nasceu. Impôs o respeito e ganhou a admiração de colegas e cidadãos. Enérgica, simpática, não guarda o que tem para dizer, é procurada por muitas pessoas que querem apenas desabafar sobre os problemas que têm. A chefe principal Manuela Guerra é uma instituição dentro da instituição que é o comando da PSP de Santarém, que faz agora 136 anos de vida.

É uma mulher de armas e anda armada. Chama-se Manuela e tem o bélico apelido de Guerra apesar de ser pela paz e pelo diálogo. A chefe principal da PSP de Santarém comanda há dezenas de anos a esquadra de trânsito, apesar de normalmente estas serem lideradas por oficiais. Uma situação que revela as capacidades e a competência de uma mulher que está há 30 anos a trabalhar na cidade onde nasceu e que faz, literalmente, parar o trânsito. Foi colocada na esquadra integrando o primeiro grupo de mulheres polícias a seguir ao 25 de Abril. Os primeiros tempos não foram fáceis. Como era conhecida havia muita gente que “se armava em engraçadinha” porque a conhecia. Mas a chefe impôs-se e ganhou o respeito dos condutores e da cidade. E “não há dinheiro nenhum que pague isso”.No início da carreira, o que mais custou à então jovem na casa dos 20 anos “foi lidar com a falta de entendimento e respeito” de alguns que não gostavam de ver mulheres polícias e de outros que a conheciam e pensavam que ela podia fechar os olhos às infracções. Manuela lembra-se de há uns anos, quando circulava de moto perto do mercado municipal, ter-se deparado com um condutor em sentido proibido. Estava de cabelo curto e capacete. O homem começou a tratá-la por senhor, depois por menino. Até que disse que não era menino nenhum mas uma senhora e aí entornou-se o caldo. “Disse-me para ir para casa coser meias e tratar do almoço para o marido, que as mulheres não tinham sido feitas para serem polícias mas para tratarem da casa e dos filhos”, conta. Directa nas palavras, firme na liderança, a chefe principal é uma das mais antigas no comando de Santarém que esta quinta-feira, 17 de Maio, comemora 136 anos de existência. Há uma semana encontrámo-la numa operação nocturna na cidade a chefiar 14 homens. Manuela movimenta-se à vontade. Manda parar um carro na Estrada Nacional 3 perto do Centro Nacional de Exposições. Aborda a condutora com simpatia e a sorrir. Pede-lhe para fazer o teste do álcool, que não acusa a ingestão de bebidas alcoólicas. A chefe despede-se com um “foi um prazer”, depois deseja-lhe boa noite e boa viagem. É esta postura que faz dela uma mulher da autoridade com carisma e que por causa disso é procurada por muitas pessoas que a escolhem só para desabafar. “Há pessoas que entram na esquadra para falar comigo dizendo que só querem desabafar e alguém que as ouça. São pessoas com problemas familiares, que pedem conselhos sobre a sua vida particular. Talvez por reconhecerem que tenho experiência e que sei ouvi-las”, diz a chefe que por isto também se considera uma psicóloga, sobretudo numa época em que as pessoas não têm dinheiro para pagar consultas da área. Também já tem ligado para presidentes de junta a interceder para a resolução de alguns problemas que afectam as pessoas. Uma vez uma rapariga apareceu-lhe na esquadra com os olhos negros de uma tareia do marido. Ainda a violência doméstica não era crime público. A vítima não queria apresentar queixa, mas só falar. Manuela ouviu mas não quis dar-lhe nenhum conselho porque entende que não deve influenciar a vida das pessoas. Uns anos mais tarde encontrou a mesma mulher que lhe disse que o facto da chefe a ter ouvido a tinha ajudado a tomar a decisão mais importante da sua vida. Manuela não sabe qual foi, mas supõe que tenha sido o divórcio. Para alguns polícias do comando de Santarém, Manuela Guerra não é só uma colega de trabalho, é praticamente uma instituição dentro da instituição centenária. E não é por acaso que há crianças que obrigam os pais a pararem o carro à porta da esquadra para entrarem só para cumprimentarem a chefe que impõe o respeito e a autoridade com boa disposição e sorrisos. A condutora que lhe chamou marreca e feiaEm 30 anos de carreira e aos 52 anos de idade são muitas as peripécias que Manuela Guerra tem para contar. Uma ocorreu há uns anos no centro histórico de Santarém. Um carro mal estacionado e um carro da recolha de lixo que não conseguia passar. Formou-se uma fila de condutores que protestavam ruidosamente fazendo soar as buzinas das viaturas. A chefe da PSP soube que quem tinha deixado o carro mal estacionado era uma senhora que estava no cabeleireiro. Foi ao estabelecimento e pediu para retirar a viatura ou dar as chaves para a polícia o fazer. A senhora de cabelo molhado e rolos na cabeça barafustou, barafustou até que entregou as chaves e o conflito de trânsito foi resolvido. Uma hora mais tarde estava a chefe numa operação quando aparece a mesma condutora que não a reconheceu e disse que queria queixar-se de “uma polícia feia, marreca que a foi importunar no cabeleireiro a difamá-la que tinha o carro mal estacionado e que era tudo mentira”. Manuela Guerra respondeu: “Não me conhece? Essa polícia feia e marreca era eu”. E a condutora lá seguiu com uma lição de vida.“Somos todos iguais”“No meu serviço não há homens e mulheres. Não há diferenças, somos todos iguais. Falamos de igual para igual”, descreve a chefe Manuela, que não tem pruridos em participar em convívios com os homens que comanda ou em ouvir as anedotas que eles têm para contar nos momentos mais descontraídos. Casada e com dois filhos, de 23 e 29 anos, é a única na família a usar farda. Ganhou a paixão pela polícia quando em criança via no dia dos seus anos, a 28 de Maio, os polícias em farda de gala. Na altura, antes do 25 de Abril, nesse dia assinalava-se a data que marcara o início do Estado Novo em 1926. A mãe sempre a apoiou no sonho. O marido merecia uma condecoração porque, diz, nunca a chateou por chegar tarde, por fazer turno, por não ter tempo para tomar conta dos filhos. Manuela Guerra não é muito dada à cozinha e é o marido que costuma fazer as refeições. Era ele que tomava conta dos filhos bebés quando ela tinha que estar de serviço 24 horas seguidas. “O meu marido respeita muito a minha profissão”, sublinha. Como comandante da esquadra de trânsito diz que é importante motivar os subordinados e aproveitar e potenciar as qualidades de cada um. Manuela Guerra dedica o tempo à polícia e à família. Nos tempos livres gosta de ver filmes policiais e costuma acompanhar a série americana Cops em que equipas de filmagem acompanham os polícias no terreno.
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