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Todos contra a extinção de freguesias 

Não há quem defenda a extinção de freguesias. Nem presidentes de junta nem cidadãos em geral. Num concelho grande como Ourém, com uma grande área rural e com muita emigração a questão é ainda mais sensível. Apesar do que já foi decidido pelo governo há ainda quem garanta lutar “até à última gota de sangue” contra a reforma administrativa. E mesmo os que aceitam a fusão como inevitável mostram-se desapontados e alertam para os prejuízos que daí resultarão para a população. Com os emigrantes de férias em Agosto esse mês é reservado pelos autarcas para estar na terra. As férias são gozadas noutra altura. O MIRANTE quis saber também se vale tanto uma ida a Fátima a pé de alguém do concelho como a de alguém que venha de muito longe. A resposta foi invariavelmente a mesma. O que conta é a fé que não se mede em quilómetros.

Margarida Paulos, proprietária Mednatur, Fátima“Extinguir freguesias é um erro e o país vai pagar por isso”Margarida Paulos não concorda com a lei da extinção de freguesias que o Governo quer implementar ainda este ano e defende a importância das freguesias para as populações sobretudo as mais rurais. O facto de uma localidade ser freguesia é, na sua opinião, uma vantagem que ajuda a desenvolver os espaços rurais. “A extinção de freguesias vai contribuir ainda mais para a desertificação do país. As pessoas quando precisam de alguma coisa recorrem à junta de freguesia. Esta lei é um erro que o país vai pagar caro daqui a uns anos”, refere.Proprietária do espaço Mednatur, em Fátima, há cerca de cinco anos, Margarida Paulos teve que deixar alguns projectos na gaveta devido à crise. A sua intenção era comprar umas máquinas para tratamentos de drenagem linfática e depilação a laser, mas a situação actual não lhe permite grandes investimentos. “Se pudesse investir nessas máquinas expandia o negócio e até podia contratar uma ou duas funcionárias. Agora com a crise tão profunda que atravessamos tenho que lutar é para manter o negócio aberto”, lamenta. Se pudesse tirava férias repartidas durante o ano. Desde que abriu o negócio é raro ter férias, muito menos enquanto estiver sozinha à frente da loja. Na sua opinião, os peregrinos do concelho de Ourém não têm culpa de viverem tão perto do santuário. “A fé tem forças que a própria razão desconhece. Uma pessoa pode morar perto e fazer um sacrifício maior, carregar uma dor maior que alguém que decidiu fazer uma viagem de centenas de quilómetros a pé até de Fátima”, reflecte.Elias da Silva, Presidente da Junta de Freguesia de Alburitel“Freguesias urbanas podem ser extintas mas as rurais não” Para o presidente da Junta de Freguesia de Alburitel o ditado “entrada de leão saída de sendeiro” aplica-se que nem uma luva ao actual governo em relação à lei da reforma autárquica que querem aplicar. “Entraram com toda a força mas parece que agora estão a quebrar e é bom que não avancem com a lei como a queriam fazer inicialmente”, adverte o autarca reconhecendo, no entanto, que algumas freguesias devem ser extintas, sobretudo as urbanas. “As rurais são muito importantes para a população que na grande maioria dos casos é idosa e vê na junta de freguesia o seu único interlocutor e ponto de apoio”. Em tempos de crise Elias da Silva teve que deixar na gaveta alguns projectos que queria levar avante neste mandato. O parque de merendas e a nova sede para a junta que incluiria o complexo escolar são as principais obras que gostaria de avançar. “Não abandonei estes projectos porque sou persistente e teimoso e vou pedindo ajuda. Continuo à espera que a autarquia possa ajudar, mesmo sabendo como as coisas estão difíceis”, afirma. O autarca confessa que é raro tirar férias em Agosto e se o faz nunca vai para muito longe. Durante o mês de Agosto prefere estar por perto uma vez que é o mês de eleição do regresso às origens dos emigrantes e a freguesia aumenta a sua população nesses dias. Quando questionado sobre se os peregrinos do concelho de Ourém estão em vantagem aos peregrinos do resto do país que vão a Fátima pagar promessas, devido a terem que percorrer uma menor distância a pé, Elias da Silva, diz que tudo é uma questão de fé e que essa não se mede em quilómetros.Joaquim Gonçalves, Presidente da Junta de Freguesia de Nossa Senhora das Misericórdias“Vou lutar até à última gota de sangue para manter a minha freguesia”Joaquim Gonçalves não esconde a mágoa por a sua freguesia, a mais antiga do concelho de Ourém, ser uma das que está na lista para extinguir. Tudo porque o Governo considera-a urbana quando na realidade 99 por cento é rural. O autarca garante que vai lutar até à “última pinga de sangue” para manter a sua freguesia. “Pensava que vivíamos em democracia mas afinal vivemos em ditadura. Recuamos a tempos que são piores aos que se viviam quando Salazar estava no poder”, afirma sem esconder a mágoa e revolta.O presidente da junta de Nossa Senhora das Misericórdias orgulha-se de pagar todos os compromissos e não ter dívidas. O alcatroamento das estradas da freguesia está à espera de melhores dias. Joaquim Gonçalves confessa que nunca teve férias e que, actualmente, vai, no máximo dois ou três dias mas não se ausenta mais do que isso. Em Agosto está sempre na sua terra para o caso de surgir alguma emergência ou imprevisto.Adão Vasconcelos, Presidente da Junta de Freguesia de Urqueira“Projectos na gaveta à espera que a crise passe”Alcatroar estradas, arranjar fontanários e urbanizar espaço em frente à sede da junta são alguns dos projectos que Adão Vasconcelos tinha previsto avançar durante este mandato mas que devido à crise vão ter que ficar na gaveta à espera de melhores dias. O autarca concorda que o ditado “entrada de leão e saída de sendeiro” se aplica “perfeitamente” ao governo tendo em conta a forma como entraram “a matar” com a decisão de extinguir freguesias. O presidente da junta não concorda com a reorganização administrativa e afirma que as populações vão ser prejudicadas. “As populações rurais apoiam-se no presidente da junta para tudo. Todos nos conhecem e quando têm um problema é a quem recorrem em primeiro lugar. Não podem ‘matar’ o país sem pensar nas pessoas porque qualquer dia não existem pessoas. Há cada vez mais gente a emigrar e Portugal a definhar lentamente”, afirma. Como está reformado, Adão Vasconcelos tem a vantagem de poder tirar férias quando bem entende, mas mesmo assim confessa que são raros os dias que tira para se distrair. Em Agosto está sempre disponível uma vez que a sua freguesia tem muitos emigrantes que fazem férias nessa altura. O autarca admite que os peregrinos do concelho de Ourém estão em vantagem em relação aos demais mas garante que o mais importante não é a distância da peregrinação. E dá como exemplo a sua própria experiência. “Já fui a Fátima a pé e uma lesão que tinha no joelho agravou-se. Andei meses em massagistas para recuperar. Avisei logo a minha mulher e filhas que a partir dali quando quisessem prometer algo que não prometessem por mim porque as peregrinações para mim acabaram”, conta.Custódio Henriques, Presidente da Junta de Freguesia de Seiça“Vão surgir grandes injustiças quando começarem a extinguir freguesias”Custódio Henriques afirma que o poder político tem sido incoerente em relação à lei da reforma administrativa que prevê a extinção de freguesias e considera que vão acontecer “grandes” injustiças. “Não é aceitável que em alguns casos desapareçam freguesias com mil habitantes e noutras situações se mantenham freguesias com 600 pessoas. Isto não pode ser cortar com régua e esquadro nos gabinetes de Lisboa. É importante ir ao terreno ver a realidade”, sublinha.O autarca considera que a crise também traz oportunidades e é necessário adaptar-nos às dificuldades. Lamenta que tenham existido tempos de bonança e que não tenham sido devidamente aproveitados em prol das populações. Na sua freguesia vai ter que deixar em stand-by a requalificação da casa-museu. Apesar deste ser o seu primeiro mandato, Custódio Henriques tem o hábito de tirar férias apenas em Setembro. E este ano não vai ser diferente. “Gosto muito de receber os emigrantes e de realizar a festa do emigrante”, diz.Em matéria de Fé e com o Santuário perto, o presidente da junta recorda que, quando era criança ia todos os anos a pé ao santuário, na companhia dos amigos, agradecer por ter passado de ano ou pedir para passar no ano seguinte.Manuel Dias, Presidente da Junta de Freguesia de Rio de Couros“Processo de extinção de freguesias tem sido mal conduzido”Manuel Dias concorda que o governo está mais calmo com a reforma administrativa mas teme que as coisas avancem como os membros do governo têm em mente. Se isso acontecer será, diz, muito mau para o país. Apesar de concordar que a situação do país tinha que mudar, na sua opinião o processo tem sido muito mal conduzido desde o início. Na sua freguesia as opiniões dividem-se. “Alguns não se importam que nos agreguemos a outra freguesia mas quem precisa mais do apoio da junta acha que devemos lutar para mantermos a nossa freguesia. Essa é também a minha opinião”, refere.O autarca afirma que não idealiza projectos que sabe que não pode concluir. O alargamento do cemitério é a obra mais prioritária da freguesia mas que tem condições para avançar. Manuel Dias lamenta apenas que, depois de tantas promessas, a localidade de Rio de Couros ainda não tenha saneamento básico. “Espero que avance no final do ano como prometido”, diz.Como Agosto é o mês com maior volume de laboração na empresa onde trabalha, o autarca reparte as suas férias pelo resto do ano. Por isso, quando os emigrantes estão em Rio de Couros, Manuel Dias está mais disponível para eles. Filipe Batista, Presidente da Junta de Freguesia de Espite“Pessoas vão ser as maiores prejudicadas”Julho é o mês de eleição de Filipe Batista para gozar as suas férias. O presidente da junta de Espite não prescinde do mês de Agosto para estar na sua freguesia, ao dispor dos emigrantes. O autarca nota, no entanto, que regressam mais os emigrantes da primeira geração. “Os seus filhos vêm visitar os familiares que cá estão mas ficam menos tempo que os pais”, diz.Entrada de leão e saída de sendeiro é um provérbio popular que, na opinião de Filipe Batista, se aplica bem ao actual governo português em relação à reforma administrativa que quer implementar. O autarca considera que as pessoas vão ser as maiores prejudicadas com a extinção de freguesias. “Faz sentido acabarem com as freguesias urbanas uma vez que as pessoas estão perto do município, agora se extinguirem as freguesias rurais estão a ‘matar’ ainda mais o interior do país. Os velhos morrem e os jovens vão embora. Daqui a uns anos não temos ninguém no interior. É a consequência desta medida”, critica.Se a sua autarquia tivesse dinheiro, Filipe Batista já tinha restaurado aquela que considera ser a pior estrada do concelho de Ourém, que liga Espite a Mata; construía uma casa mortuária com melhores condições e requalificava o edifício da escola para espaço de lazer. São projectos que não vão sair do papel, pelo menos, nos próximos tempos.Sérgio Fernandes, Presidente da Junta de Freguesia de Casal dos BernardosPopulação decidiu por unanimidade agregar-se à freguesia vizinha de CaxariasA população de Casal dos Bernardos reuniu na semana passada e decidiu, por unanimidade, agregar-se à freguesia vizinha de Caxarias. Um exemplo raro no país. O presidente da junta explica que esta decisão não significa que concordem com a lei proposta pelo governo. “Ninguém na nossa freguesia concorda com a extinção de freguesias mas sabemos que a lei vai avançar e preferimos ser nós a decidir a quem nos queremos agregar do que chegar aqui alguém do governo e tomar uma decisão com a qual não concordamos”, explica, acrescentando que é a decisão mais sensata a tomar uma vez que, feitas as contas, daqui a 20 anos a freguesia ficaria reduzida a 200 pessoas e acabaria por se extinguir sozinha.Como no último mandato fizeram as principais obras, Sérgio Fernandes não tem projectos parados devido à crise. O único investimento importante que tem sido adiado por falta de verba é a construção de uma cozinha para dar apoio aos serviços domiciliários da freguesia. São cerca de 150 mil euros mais IVA mas apesar de existir um protocolo com a câmara não é possível avançar ainda com a obra. “A câmara vai pagar em cinco ou seis anos e nós não temos dinheiro para pagar ao empreiteiro e ele não pode esperar tanto tempo para receber”, justifica.Para Sérgio Fernandes, férias só no final de Agosto e início de Setembro. O mês de maior calor é para estar na junta disponível para os emigrantes que regressam à terra natal por essa altura. O autarca diz que os habitantes do concelho de Ourém que prometem ir a Fátima a pé não têm culpa que Nossa Senhora tenha aparecido ali tão perto e só lamenta que as aparições não se tenha dado no Casal dos Bernardos. “Já disse várias vezes ao presidente da junta de Fátima que trocava Nossa Senhora por toda a água que tenho aqui e que não é tão pouca como isso”, confessa, bem-disposto.

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