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O sonho de uma vida que se tornou realidade

O sonho de uma vida que se tornou realidade

Alexandre Rodrigues foi um dos mentores da escola nascida da vontade de um grupo de amigos

Conservatório de Música de Ourém-Fátima arrancou há dez anos e já conta com cerca de um milhar de alunos e 60 professores.

Uma auditoria feita pela Ministério da Educação (ME) considerou o Conservatório de Música de Ourém-Fátima um modelo a seguir em todo o país. Após uma década de actividade, iniciada em Janeiro de 2002, dá formação a cerca de mil alunos, a partir dos três anos, e possui 60 professores. É a maior escola de canto do país com sete professores a leccionarem a disciplina. É também o único conservatório do país que optou pelos cursos básicos de canto gregoriano. E possui sete orquestras sinfónicas.O director do conservatório, Alexandre Rodrigues, foi um dos principais mentores da criação do Conservatório de Música de Ourém-Fátima. O também professor não queria que os jovens do concelho de Ourém - onde sempre viveu - passassem pela sua experiência. Aos 14 anos teve de ir estudar para Lisboa - numa altura em que a auto-estrada ainda não estava concluída até à capital - porque não havia qualquer tipo de oferta na região onde morava.Alexandre Rodrigues falou da sua ideia a um grupo de 12 professores amigos que tinham em comum a paixão pela música sendo todos formados na área musical. O sonho só ganhou forma há dez anos. Apesar dos cursos serem reconhecidos pelo ME, durante os primeiros seis anos o conservatório funcionou sem qualquer apoio financeiro. “Foi um esforço muito grande que fizemos nessa altura, mas compensou”, refere o director. Após a obtenção do apoio financeiro do ministério, há cerca de quatro anos, o ensino musical ficou facilitado uma vez que grande parte dos alunos deixou de pagar para frequentar o conservatório. Nessa altura, a Câmara de Ourém pediu que abrissem uma secção em Fátima pois considerava que havia uma carência nessa área na cidade religiosa. A secção instalou-se no edifício dos Monfortinos, um antigo seminário. Ocupa três andares, com mais de 40 salas de aulas, e uma vista privilegiada para o santuário. Dos mil alunos, 531 estão em regime articulado através de parcerias feitas com os agrupamentos de escolas do concelho de Ourém e as escolas de Albergaria dos Doze, São Mamede, Caranguejeira, Santa Catarina da Serra, Porto de Mós, uma escola do Entroncamento e outra de Torres Novas.O segredo do sucesso, garante o director, é a qualidade do ensino. Alexandre Rodrigues confessa que é “muito” selectivo e que há determinados convites que não aceitam. “Não queremos baixar o nível da nossa qualidade”. Considera que o conservatório é uma mais valia para o concelho. O número elevado de actividades que organizam, nomeadamente concursos nacionais onde participam mais de três centenas de pessoas, traz visitantes a Ourém e Fátima desenvolvendo a economia local.Alexandre Rodrigues elogia o corpo docente e diz que a qualidade dos professores é fundamental para o sucesso do conservatório. Como se gere uma equipa tão grande. “Não é fácil. Existem opiniões diferentes, o que considero um privilégio. Sempre tive uma postura de abertura, assim é que se vai afinando um projecto”, sublinha acrescentando que quando começaram não tinham noção que a instituição crescesse tanto e tão rapidamente.Importância da música ainda não é reconhecidaO director do Conservatório de Música de Ourém-Fátima afirma que Portugal ainda tem um longo caminho a percorrer no desenvolvimento do ensino da música e na sua importância para o percurso intelectual dos jovens. Alexandre Rodrigues diz que é necessário mudar mentalidades. “Os responsáveis de instituições públicas muitas vezes não estão receptivos à verdadeira importância da música no desenvolvimento das crianças e jovens”, critica.Alexandre Rodrigues aponta o dedo às escolas de ensino regular cujos professores de educação musical, diz, não são especialistas do instrumento e não ensinam os alunos correctamente. “Quando os jovens chegam ao nono ano, por exemplo, e vêm para o conservatório porque querem especializar-se num instrumento, o resultado é catastrófico. Os vícios adquiridos são muito difíceis de recuperar. Podem destruir-se muitos sonhos e potenciais bons músicos porque não há uma preocupação de ensinar correctamente os instrumentos uma vez que os próprios professores não são especialistas”, critica. Fazer da música um modo de vidaNo dia em que O MIRANTE esteve nas instalações do Conservatório de Música, em Fátima, onde se realizou a reportagem, encontrou duas alunas. Ana Carolina Soares e Samanta Crispim, ambas de 13 anos. Estudam há quatro anos no conservatório e já não se imaginam a viver sem o ambiente musical. Ana Carolina, de Ourém, tinha nove anos quando pediu aos pais para que a inscrevessem no conservatório. Considerava a escola muito “monótona” e queria fazer algo que a divertisse. Os pais não se opuseram mas alertaram-na para a necessidade de não descurar os estudos. Ana Carolina cumpriu as indicações à risca. É boa aluna e consegue conciliar as aulas com a aprendizagem de guitarra clássica. Ainda não sabe o que quer ser quando for grande mas de uma coisa tem a certeza: a música fará sempre parte da sua vida. Só não viverá em exclusivo da música porque tem noção que isso é algo “impossível” em Portugal. Já participou em seis concursos nacionais e internacionais tendo arrecadado três primeiros prémios, um dos quais o prémio revelação.Samanta Crispim frequentava as aulas de ballet mas era algo que já não a entusiasmava. Uma amiga falou-lhe no conservatório e quando os pais lhe propuseram aprender a tocar um instrumento não hesitou. Escolheu o violino por ser diferente e pouco conhecido. “Queria experimentar uma coisa nova”, confessa, acrescentando que não se arrepende da decisão que tomou. Participou num concurso e passou à final mas não venceu, embora não lhe falte garra e determinação para trabalhar todos os dias e melhorar.Paixão pela música foi incutida e incentivada pelo paiAlexandre Rodrigues nasceu a 1 de Outubro de 1967, data em que se comemora o Dia Mundial da Música. Com seis meses emigrou com os pais para França, onde foram à procura de uma vida melhor. O pai era músico amador e tocava acordeão. Foi ele quem o iniciou e incentivou a estudar música. Começou também por aprender a tocar acordeão. Alexandre Rodrigues vem de uma família aficionada por música. Também o bisavô tocava guitarra.O pai do director do conservatório, com onze irmãos, tinha que ajudar no sustento para a casa. A única exigência que fez ao seu progenitor foi que lhe pagasse as aulas de música em troca do seu trabalho. Foi assim que aprendeu acordeão. Alexandre Rodrigues já nasceu noutros tempos e o pai colocou-o a aprender música numa escola. Quando regressou a Portugal, aos 13 anos, prosseguiu os estudos. Estudou no Conservatório Regional de Tomar, mas por pouco tempo. Exigente, o pai achava que aquela não era a escola ideal para o filho. Aos 14 anos foi para Lisboa. Três vezes por semana. Uns dias de comboio, outros de camioneta, numa altura em que a auto-estrada não estava concluída. “Foram tempos puxados e dispendiosos”, refere.Na altura, o curso de acordeão não era oficialmente reconhecido por isso optou por aprender piano. Assim que concluiu o curso de piano inscreveu-se na Escola Superior de Música de Lisboa tendo estudado também no Instituto Gregoriano de Lisboa. Entretanto, começou a dar aulas de música na capital e mais tarde tirou uma pós-graduação em Estudos da Criança, na Universidade do Minho. “Achei esta formação importante para avançar com o projecto do conservatório”, explica.Alexandre Rodrigues considera que se o pai não lhe tivesse incutido a paixão pela música dificilmente teria optado por esta carreira. Acrescenta que o facto de ter estudado em França facilitou. “Em França, um amador sabe tanto como os profissionais portugueses. A cultura francesa é muito mais avançada do que no resto da Europa”, realça.O conservatório foi um sucesso mas o director confessa que, por vezes, sente remorsos por ter sacrificado a vida familiar em detrimento deste projecto de vida. O filho mais velho, de 15 anos, seguiu o ramo de ciências mas também estuda piano. A filha mais nova, 9 anos, já desistiu várias vezes do conservatório. “Ela vê isto como um local de brincadeira e é difícil que se concentre. Tenho um problema: para ajudar os outros não consigo ajudar os meus”, diz em jeito de brincadeira. Até ao ano passado ainda conciliou dar aulas de direcção coral e de piano com a direcção da instituição, mas teve que optar porque não conseguia fazer tudo. A gestão do conservatório exige muito tempo e Alexandre Rodrigues teve que tomar uma decisão. Apesar de gostar de ensinar não se arrepende da decisão que tomou.
O sonho de uma vida que se tornou realidade

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