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Todos os dias há pessoas que são abandonadas nos hospitais

Há filhos que não querem os pais em casa desculpando-se com trabalho ou falta de espaço mas ficam-lhes com as reformas

Há quem lhes chame órfãos de idade. São idosos dependentes a quem os familiares mais próximos não conseguem ou não querem apoiar e que por falta de vagas em lugares próprios são muitas vezes abandonados nos hospitais.

Um doente assistido no Centro Hospitalar do Médio Tejo esteve dois anos internado na enfermaria depois de ter tido alta médica só porque a família não o queria levar para casa. Todos os dias há pessoas abandonadas nos hospitais de Santarém e nos de Tomar, Abrantes e Torres Novas, do centro hospitalar, porque as famílias não querem ou não podem cuidar delas por serem dependentes. São idosos na sua grande maioria e alguns acabam por fazer do hospital a sua casa e das equipas clínicas a sua família durante dias, semanas, meses a fio. No Hospital de Santarém o director das urgências, Fausto Roxo, arrisca uma média: Um caso por dia. Nos hospitais do norte do distrito de Santarém os números variam mas chegam a ser dez os casos mensais. “Os órfãos de idade”, como os intitulou a responsável dos serviços sociais do Centro Hospitalar do Médio Tejo (CHMT), Cidalina Mendes, num estudo recente sobre esta problemática, entram pelas urgências normalmente com indicações de que estão apáticos ou de queixas de que não se estão a sentir bem. Depois de vistos pelo médico e feitos os exames podem voltar a casa mas quem os levou desapareceu. Em muitos casos o hospital ainda consegue que ao primeiro telefonema algum familiar atenda, mas depois é o silêncio. Quando se consegue que o familiar vá ao hospital a primeira coisa que tenta é que o idoso fique internado, revela Fausto Roxo. Os filhos, sobretudo, desculpam-se que não podem deixar de trabalhar, que não têm condições em casa para ter o pai ou mãe e as situações arrastam-se, conta Cidalina Mendes. E o que é dramático é ver a tristeza no olhar de quem sofreu na vida para criar os filhos, dar-lhes as melhores condições e acabar abandonado. Com “uma agravante vergonhosa”, diz a directora dos serviços sociais do CHMT: “Recebem as reformas enquanto os pais estão internados”. Também há instituições que tentam atirar os mais velhos e mais dependentes para as camas dos hospitais contribuindo para a sobrelotação das enfermarias que às vezes precisam de camas disponíveis como de pão para a boca. Fausto Roxo explica que algumas instituições levam rapidamente o idoso ao hospital mas depois não o quer levar de volta com a justificação que as instalações do lar ou não têm oxigénio ou que não têm capacidade para fazer os tratamentos. E se isto se passa com os que já estão internados em lares pior é para um hospital que tenta encaminhar para instituições utentes que foram abandonados. “A rede de instituições tem muitas limitações”, sublinha Cidalina Mendes. Estes casos têm implicações psicológicas e de saúde para os que se vêem em situação de abandono (ver caixa), mas também para os serviços. O director das urgências de Santarém explica que um utente deixado horas no serviço de urgência até que seja encontrada uma solução implica a ocupação de uma cama que às vezes é precisa para alguém que está em estado grave. Mas também ocupam equipas de auxiliares e de enfermagem, o que afecta sempre a capacidade de atendimento. O MIRANTE contactou o Hospital de Vila Franca de Xira para saber se este tipo de ocorrências são frequentes tendo-nos sido dito que não.O risco para a saúde e a tristeza no olharUm utente que passa mais tempo que o necessário para ser visto e medicado nas urgências está a correr um risco. Sobretudo os idosos que já estão debilitados e que podem apanhar outras doenças, explica o director das urgências de Santarém. Alguns dos que são abandonados no serviço já têm algum grau de demência e ao estar muito tempo no hospital o seu estado de confusão mental agrava-se porque perde a referência do seu espaço, do seu quarto e das vivências do dia-a-dia. Psicologicamente o abandono é dramático, refere a directora dos Serviços Sociais do Centro Hospitalar do Médio Tejo. “Por muito má que seja a nossa casa é lá que temos as nossas memórias, os nossos bens”, refere, acrescentando que o utente abandonado fica amargurado, triste, fragilizado emocionalmente. Agarram-se à esperança que alguém os vá buscar mesmo sabendo que esse dia pode não chegar. Para alguns essa esperança morre com eles na cama do hospital. Com mais de 25 anos de trabalho, Cidalina Mendes conclui que estas são das situações mais angustiantes para os profissionais.

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