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Póvoa de Santa Iria terra de salineiros e agricultores antes de ser cidade dormitório

A Póvoa de Santa Iria não foi sempre uma selva de betão, cidade dormitório às portas de Lisboa. Já foi lugar de lavadeiras e terra de agricultores. O livro “Póvoa Antiga - Crónicas e Roteiros das Ruas”, escrito por um filho da terra e com lançamento marcado para sábado, 25 de Agosto às 18h30 no Grémio Dramático Povoense, mostra essa Póvoa de antigamente.“Os dias começam a aquecer. Alguma garotada banha-se no açude de água limpinha da Ribeira dos Caniços, que se começa a formar depois de atravessar a estrada nacional. Na margem esquerda do açude, mulheres ajoelhadas, como que em oração, lavam e esfregam roupa em lajes irregulares em local improvisado. Um pouco mais adiante, fora do açude, cora-se e seca-se a roupa lavada. Os brancos lençóis e a outra roupa colorida estendida sobre a erva muito verde completam o cenário”. Escreve António José Torres. A Póvoa de Santa Iria, cidade suburbana às portas de Lisboa, de ruas de prédios altos, foi inicialmente uma vila de casas baixas e pequeno comércio. Antes de receber as indústrias foi uma Póvoa rural de empregados tarefeiros, descarregadores de mar e terra, de camionetas e barcos. Foi a Póvoa do café da Tia Amélia do Galo, da mercearia do Cachané e da taberna do Ti Piluco. Ao lado, na Rua da República, vendia-se carvão e mulheres retiravam da horta sustento para a família comercializando os produtos frescos nos lugares de hortaliça.Quem quisesse fina modista, quase ao lado da mercearia, tinha a D. Maria Antónia Serra. “Comércio de barbearia de rés do chão no mesmo prédio. Se não for a tempo inteiro é porque o empregado já se foi embora e só haverá barbeiro quando o Ti Andrade regressar do trabalho principal”. Nesses tempos dessa Póvoa rural o desemprego não era problema. “Toda a gente conseguia emprego mesmo nas oficinas mais pequenas”, recorda o autor. A década de memórias que o autor retrata, para deixar aos mais novos o que foi a Póvoa antiga, é um exercício à base de memórias e da tradição oral. O grande incremento do urbanismo, aproveitando os terrenos da quinta, que deixou de ser atractiva para a produção agrícola, sentiu-se na década de 70 para servir Lisboa. O primeiro sinal de que alguma coisa não estava a evoluir bem foi quando se começou a construir a primeira banda de prédios de dez andares, junto ao cano da água, para lá da estrada nacional. Cortou a paisagem dos olivais que subiam até à Quinta da Piedade. “Chamávamos-lhe Muro de Berlim”, conta António José Torres que chama “Rua dos Moradores Sem Rua” ao casario que ainda subsiste por detrás do cano da água, terra de gente pobre que ali construiu para “experimentar as indústrias e arranjar novo modo de vida”.Nem os pregões dos vendedores de peixe, nem a água mineral engarrafada do mouchão foi esquecida. A extracção de sal, à beira rio, era então uma actividade de grande dimensão. “Durante a safra chegava a empregar 50 trabalhadores”. Mais importante do que erguer a urbanização que está prevista para o local, onde há pouco tempo foram demolidas as casas dos avieiros, é iniciar o processo de requalificação da zona ribeirinha. “Só há interesses de construção em altura. Vamos ficar com mais um paredão a tapar o Tejo”, critica António José Torres. “A Póvoa do meu tempo está esvaziada de conteúdos e de pessoas. A Póvoa nova, excêntrica, onde as pessoas não se conhecem, não é um lugar aprazível, com excepção da Quinta da Piedade”, lamenta.O autor nasceu há 68 anos na Quinta da Piedade. O pai, trabalhador rural, quis fazer dele serralheiro mas o funcionário da biblioteca itinerante da Gulbenkian em vez de lhe dar para ler um manual daquela profissão, deu-lhe o D. Quixote de La Mancha e o menino acabaria por estudar e ser engenheiro. Antes disso trabalhou dos 10 aos 14 anos numa loja de fazendas até poder ir para a indústria. Formou-se em engenharia mecânica como trabalhador estudante. Passou pela fábrica de bidões, Mague e OGMA até chegar à TAP onde terminou a sua carreira de 46 anos de trabalho.

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