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Aos 104 anos gosta de cantarolar no banho e de ver televisão

Aos 104 anos gosta de cantarolar no banho e de ver televisão

Domicilia Joaquina vive na Glória do Ribatejo nas casas das filhas que já têm mais de 70 anos

A única ajuda que precisa é para tomar banho e levantar-se da cadeira. Domicilia Joaquina, 104 anos, sempre teve uma saúde de ferro. Há mais de 20 anos que vai dividindo os seus dias pelas casas das filhas, na Glória do Ribatejo. Uma história de um envelhecimento tranquilo.

Às vezes já passa da uma da manhã e é preciso ir buscá-la ao sofá. A filha já sabe que está a passar tourada na televisão. Domicilia Joaquina, de 104 anos, vibra com os toiros e aguarda ansiosamente pelo momento dos forcados. Com alguma malícia diz que gosta de os ver voar e acrescenta: “quem os mandou ir para ali?”. Vestida de preto da cabeça aos pés é a matriarca da casa e quando puxam por ela, solta a língua para cantarolar músicas da sua juventude. É a mulher mais velha da Glória do Ribatejo e nunca se queixou da idade avançada. Ouve já muito mal, mas nunca teve problemas de saúde. Só agora é que lhe começaram a surgir algumas manchas na pele. A centenária só precisa de ajuda para tomar banho e levantar-se da cadeira. Nunca sofreu de incontinência, vai sozinha à casa de banho e também come sozinha. Não gosta de ir à rua. Ocupa os dias a ver televisão. O seu político preferido é o Paulo Portas e adora o actor e apresentador de televisão Fernando Mendes. Ao longo da semana está atenta às horas para não perder “O Preço Certo”. Teve cinco filhos, um dos quais já faleceu. Os restantes, com idades entre os 71 e 81 anos, vivem todos a escassos metros uns dos outros. Há 27 anos que o marido partiu e pouco tempo depois, Domicilia Joaquina começou a passar uma semana em casa de cada filho. Da mãe nunca ouviram uma única queixa por andar sempre a mudar de casa. Através de um apurado sentido diplomático tem beneficiado daquela situação sem sobressaltos. “O que ouve numa casa não conta na outra. Sabe bem como viver em concórdia”, conta a filha Jacinta. Há dias em que a memória de Domicilia lhe falha mas durante a visita de O MIRANTE fartou-se de recordar muitos momentos da sua longa vida. Nascida e criada na Glória, onde sempre viveu, lembra-se de jogar à malha com uma pedra ou andar nos campos a comer “saramagos” (planta comestível), enquanto amanhava a terra. Foram muitas as vezes em que ajudou o pai a descer do cavalo e a deitar-se para dormir até lhe passar a bebedeira. Espetava um pau no chão para ver o sentido da sombra e deste modo controlar as horas. Dos primeiros tamancos que teve, lembra-se que eram tão grandes que ficavam presos na lama quando tentava andar. Outro momento alto aconteceu quando ganhou com mais um grupo de conterrâneos a lotaria e com os 12 contos comprou uma mula e uma carroça. Memórias dispersas que vai contando desfiando rodeada por aqueles de quem mais gosta.À noite come um papo seco com queijo e bebe um chá directamente da sua caneca de alumínio. Não suporta alface, diz que é para os grilos. Não gosta de bicharada e a filhas já a apanharam a ameaçar um gato com uma faca. De vez em quando ainda a ouvem cantar no banho uma das suas cantigas preferidas: “Ó ladrão que me roubaste/ O meu rico pintainho/ Tenho um porco de cortiça/ Não chega a dar toucinho”. À medida que a tarde avança, a casa vai-se enchendo. Entra uma neta que a abraça e pergunta como está. Domicilia pára de comer a sua fatia de bolo para responder “é dia de festa”. Nunca se queixou ou manifestou o desejo de partir. De vez em quando olha para o céu e diz apenas que “Ele é que sabe”. No próximo dia 28 de Janeiro celebra o 105º aniversário.
Aos 104 anos gosta de cantarolar no banho e de ver televisão

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