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Crise obriga Misericórdia de Santarém a repensar projectos

Crise obriga Misericórdia de Santarém a repensar projectos

Mário Rebelo foi reeleito provedor para mais três anos, período em que a crise vai condicionar a gestão da instituição. Alguns projectos foram repensados ou simplesmente descartados, como o da construção de um hotel de charme ou o da cobertura da praça de touros.

Mário Rebelo, 63 anos, tomou recentemente posse para um segundo mandato como provedor da Santa Casa da Misericórdia de Santarém, uma das mais antigas do país com mais de cinco séculos de actividade. O engenheiro civil aposentado natural de Moçambique, onde passou toda a sua infância e juventude, fez quase toda a sua carreira profissional como quadro superior da Câmara de Santarém e diz que estar à frente da Misericórdia é como gerir uma média empresa. A Santa Casa tem mais de 200 funcionários e um orçamento de cerca de 5 milhões de euros para administrar, pouco menos que os de alguns dos mais pequenos municípios da região.Casado, pai de um casal e avô de três netos, Mário Rebelo é dono de um vasto currículo ligado ao movimento associativo, tendo desempenhado cargos de relevo quer no âmbito do movimento rotário quer na delegação de Santarém da Cruz Vermelha ou no Círculo Cultural Scalabitano, entre outros. Como homem ligado ao urbanismo, vê com alguma amargura o definhamento do centro histórico de Santarém, sinal dos tempos transversal a muitas cidades.A conversa decorre descontraidamente no salão nobre da sede da Misericórdia e a dada altura passa a ser presenciada pelo seu número dois na direcção, o advogado Luís Valente. Há disponibilidade para falar de tudo menos de política, uma área onde Mário Rebelo não gosta de se imiscuir apesar de já ter sido aliciado. Após a entrevista, proporciona-nos uma visita guiada pelo complexo junto ao Largo Cândido dos Reis onde a instituição tem múltiplas valências, como os serviços administrativos, lar, centro de dia, cozinhas e refeitório, lavandaria e uma unidade de cuidados continuados.A Misericórdia de Santarém presta serviços ou assistência a cerca de mil pessoas, entre utentes (que nada pagam pela assistência) e clientes (que pagam os serviços que lhe são prestados). “Temos mais clientes senão era uma verdadeira desgraça, pois não haveria sustentabilidade financeira”, diz o provedor, referindo que o Estado é, de forma geral, um bom pagador.O mesmo já não pode dizer da Câmara de Santarém, que tem uma dívida para com a instituição na ordem dos 190 mil euros e que Mário Rebelo espera ver saldada com as verbas que a autarquia poderá receber do empréstimo do PAEL - Programa de Apoio à Economia Local. “Para uma entidade como a nossa esse dinheiro faz diferença, pois temos que ter uma almofada financeira em tesouraria para pagar aos colaboradores. Felizmente até à data nunca tivemos problemas a esse nível e pagamos aos fornecedores até 60 dias”.“Há cada vez mais gente a procurar a Misericórdia”De que forma é que a crise que o país atravessa se manifesta no dia a dia da instituição?Temos cada vez mais pessoas a procurarem-nos. Estamos a fornecer 65 refeições por dia na cantina social e já demos indicação ao ministério que podemos aumentar para 100 refeições diárias.A situação de emergência social motivou medidas extraordinárias da vossa parte?Tivemos que reduzir despesas em determinadas áreas. Tudo se faz mediante concursos. Quanto às respostas sociais, temos capacidade instalada para as aumentar se for necessário. Neste momento há cerca de 20 pessoas que aqui vêm tomar banho três vezes por semana, deixam a roupa para lavar e comem aqui também. E no caso de algumas dessas pessoas até conseguimos criar projectos de vida para elas e integrámo-las na nossa estrutura em articulação com o centro de emprego, com quem temos excelente relação.A Misericórdia é proprietária de muitos imóveis na cidade, parte deles para habitação. As receitas daí provenientes dão para as despesas?Não. E com a saída, em 2012, dos serviços do centro de saúde, tivemos uma redução mensal de 5.200 euros. A Ordem dos Engenheiros também saiu de instalações nossas, tal como o CDS. Ou seja, são cerca de 80 mil euros de rendas a menos por ano.Essas instalações onde esteve o centro de saúde já estão a ser rentabilizadas?Não, porque ainda não temos a chave. Vamos passar o lar que está no terceiro andar para o espaço onde era antigamente o laboratório de análises e ponderamos ampliar os serviços para onde estava a urgência do antigo hospital e o centro de saúde. Temos de dar condições de trabalho condignas a quem cá trabalha, para podermos exigir. Estamos a negociar.O projecto Campus XXI que previa a construção de um parque de saúde e bem estar na quinta das Fontainhas, cedida pelo Estado por 99 anos, gorou-se. Que utilização pensam dar a esse complexo?Iremos tentar criar ali uma unidade para doentes de Alzheimer onde se possam albergar bem as pessoas. No espaço exterior pensamos criar hortas não só para a comunidade mas também que proporcione algum rendimento para a própria Santa Casa. As pessoas cultivam determinada área e parte da produção é para a instituição.Há alguns anos colocaram-se vários cenários para a Praça de Touros Celestino Graça, desde a demolição, venda ou até remodelação com instalação de uma cobertura. Neste momento há alguma solução ponderada?Não. Todos compreendemos que era preferível a praça ser mais pequena. É a maior praça do país e mesmo agora, com a numeração dos lugares, ainda ficou com uma lotação de 10500 lugares. É muito grande para este país, até porque há muitas corridas e muitas praças. Acontece que é preciso muito dinheiro para fazer a cobertura. Achamos que a cidade precisaria de uma coisa dessas, como há noutras cidades, mas não podemos aplicar o nosso dinheiro num projecto desses. O projecto para construção de um hotel de charme no largo Pedro Álvares Cabral também está em ponto morto?Quem é que vai investir hoje num hotel de charme onde era o edifício da Jotavinal? Ainda por cima o número de quartos não o tornava rentável. É um projecto que está descartado. A única ideia que temos para aquele imóvel é tentar que ele não caia, porque está muito degradado.É preciso criar condições para pôr gente nova na cidade antigaComo engenheiro civil e pessoa que esteve ligada aos serviços de obras e urbanismo da Câmara de Santarém o que pensa da evolução da cidade em termos urbanísticos?Desenvolveu-se muito a cidade para fora das muralhas e esqueceu-se um pouco o que se passa dentro da cidade antiga. Basta circular nas ruas 1º de Dezembro ou Guilherme de Azevedo e ver a quantidade de casas abandonadas. Julgo que a empresa municipal de reabilitação urbana está a encarar isso de modo a poder negociar com os bancos a sua recuperação. O problema é criar condições para pôr gente nova na cidade antiga. Falta estacionamento e infraestruturas, não há gás canalizado, por exemplo. Podia-se eventualmente demolir alguns imóveis e criar nesses espaços bolsas de estacionamento. É difícil de reverter este definhamento do centro histórico?Julgo que é possível, desde que se consiga estabelecer parcerias com os bancos, que mais depressa emprestam dinheiro para a reconstrução do que para aquisição de casa nova. O excesso de construção na periferia acelerou também esse cenário.Isso levou à desertificação do centro histórico, pois não se apostou na reconstrução. O bairro de São Domingos, por exemplo, é apontado como uma espécie de selva de betão. A interligação das vivendas com os prédios é que não me parece bem, mas o resto não me parece que seja mau. As pessoas têm que ir viver para algum lado. Como engenheiro civil custa-lhe ver tanto prédio por acabar e tanto prédio à venda?Custa-me muito ver isso, porque se dá a degradação do esqueleto, entra água e acabou. É muito difícil depois a sua recuperação.Houve muita construção desregrada?Basta dizer que a população de Portugal é de cerca de 10 milhões de habitantes e temos 13 milhões de casas.O facto das receitas municipais passarem muito pelos licenciamentos urbanísticos terá criado também algum incentivo a essa construção massiva.Exactamente. Houve uma espécie de incentivo ao licenciamento de novas construções porque era uma forma de financiamento da própria câmara. As autarquias agora têm que aprender a viver sem essas receitas e cortar nas chamadas gorduras. Ouvem-se frequentemente críticas à falta de fluidez do trânsito na cidade, nomeadamente em zonas como as das rotundas junto ao W Shopping e ao tribunal. Aquelas soluções convencem-nos?As rotundas são uma boa solução, mas essas de que falou não são bem rotundas. Esta no Largo Cândido dos Reis é uma ovolunda e a do tribunal tem um raio muito estreito que não facilita o fluxo do tráfego. Mas pior é a Avenida do Brasil, pois em caso de acidente entope tudo, devido ao lancil alto que tem no meio. Mas como aquilo foi um projecto de arquitecto e não de um engenheiro de tráfego, acho que respondi à sua pergunta...
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