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“Não é empresário quem quer”

“Não é empresário quem quer”

Rute Baptista Pato, empresária e dirigente associativa em Samora Correia, considera que a crise pode ser uma oportunidade para o comércio tradicional

Rute Baptista Pato é solicitadora e sócia-gerente de uma empresa de arquitectura, a Fluxoplano, em Samora Correia, que em 2007 recebeu o prémio de melhor micro-empresa atribuído pela Nersant e por O MIRANTE. Mãe de um jovem jogador de hóquei em patins do Sporting, com 11 anos, é ainda vice-presidente da Associação Para o Desenvolvimento Integrado da Criança de Samora e vice-presidente da associação de pais da freguesia, além de dirigente no núcleo do Sorraia da Nersant. Nesta entrevista esta mulher de armas com 40 anos que gosta de ler policiais e ir ao cinema, fala do concelho de Benavente e de Samora Correia, a terra onde vive desde os três anos depois de ter nascido em Lisboa. Rute Baptista Pato fala da situação económica da zona onde têm fechado empresas, diz que não pode ser empresário quem quer e sente-se preocupada com o agravar da situação social. Para ela o novo aeroporto pode ser importante para revitalizar o concelho, mas há desvantagens, e gostava que houvesse uma política de incentivos para a recuperação de imóveis, nem que fosse só para os pintar, para que as localidades tivessem um aspecto mais agradável.

Têm fechado várias empresas no concelho de Benavente e outras estão a despedir parte dos trabalhadores. Os problemas sociais estão a agravar-se?Sente-se que as pessoas estão a abdicar de certas coisas fundamentais como a educação dos filhos. Isto é assustador. Há meninos que têm como única refeição aquela que lhes é servida na escola. Os empresários não se prepararam para a crise?Esta conjuntura caiu abruptamente. Apesar de as pessoas estarem a ver alguns sinais de quebras nas vendas, por exemplo, não esperavam que as coisas se agudizassem tão rapidamente. Não tiveram tempo para se prepararem. As empresas não estavam preparadas para o aumento dos impostos que nalguns casos leva os empresários a começarem a pensar se vale a pena continuarem a trabalhar. O pior já passou ou ainda vai ser pior?Gostava que o pior já tivesse passado. As coisas podem agudizar-se ao longo deste ano. Sente que as pessoas estão pessimistas?Existe uma minoria de empresários que teve a visão em tempos para que as suas empresas se lançassem no mercado internacional ou que apostassem em nichos de mercado. Os problemas sentem-se mais ao nível das micro e pequenas empresas, sobretudo o comércio, a restauração. A formação destes pequenos empresários poderia ajudar a resolver algumas situações?A formação é essencial sempre. Qualquer pessoa antes de abrir um negócio devia preocupar-se em saber o que é ser empresário e quais as suas implicações. A associação empresarial Nersant tem programas de apoio aos empresários, de criação de empresas, ajuda a fazer planos de negócios. Não pode ser empresário quem quer?O que acontece é que qualquer pessoa que quer torna-se empresário. As pessoas caem no desemprego e a solução é criarem um negócio que às vezes ainda lhe vai trazer mais problemas económicos. Passam a ter uma situação mais dramática. Benavente sofre pelo facto de estar próximo de Lisboa?A proximidade à capital e a eixos rodoviários importantes ainda é o que nos vai gerando algumas oportunidades. Somos um concelho em comparação aos concelhos limítrofes que tem tentado fazer alguma coisa. Não será o suficiente. Mas nós crescemos rapidamente, tivemos um volume de construção muito grande na década de 90 e os equipamentos públicos não acompanharam isso. As escolas e os jardins ou o centro cultural não são suficientes em Samora Correia, por exemplo. E para se captar população e empresas é preciso que exista também condições para os acolher e qualidade de vida. Quem passa na estrada nacional fica com a ideia que o comércio em Benavente e Samora não evoluiu. É verdade que não existe comércio diversificado. Existem não sei quantos cafés em Samora Correia, muitas lojas dos chineses, cabeleireiros, mas falta algumas lojas diferentes. Os comerciantes têm que tentar inovar.Faz falta um centro comercial?Não será isso que o concelho precisa. Em Vila Franca existe um que está parado, mas tenho a ideia que o comércio tradicional nesta cidade funciona melhor. Mas esta crise pode ser benéfica para o comércio tradicional do concelho porque tem uma característica que os hipermercados e centros comerciais não têm, que é a proximidade com as pessoas e o facilitar o pagamento. Numa altura destas as pessoas tendem a procurar quem lhes possa facilitar a vida. Como solicitadora também sente a crise?Vejo que as pessoas têm dificuldades em ter dinheiro em pagar emolumentos, honorários. E na sua associação qual é o panorama?É inquietante. A ADIC (Associação Para o Desenvolvimento Integrado da Criança) tem uma série de valências para dar apoio às famílias da freguesia de Samora, como o ATL ou actividades de enriquecimento curricular. Para prestar um bom serviço temos que ter uma boa equipa, e tudo isto está a ser ameaçado por desistências de utentes. Temos tentado facilitar os pagamentos porque neste momento o mais importante é saber que as crianças estão numa instituição e não sozinhas em casa. Quando passa na estrada nacional com um trânsito intenso e o aspecto das casas de um lado e do outro o que é que sente?As casas estão a ficar degradadas não só porque as pessoas não têm dinheiro mas também porque não há uma política de incentivo à recuperação. Às vezes basta uma pintura da fachada que dá logo um melhor aspecto. Uma boa imagem é meio caminho andado para a satisfação, para a vontade de passar pelas terras. E o trânsito?É desagradável para quem vive e trabalha à beira da estrada nacional, mas ainda é esse trânsito intenso que faz com que muitos dos que passam parem e consumam algo. A transformação do IC3 em auto-estrada nesta região foi uma má opção?As pessoas só utilizam a auto-estrada se tiverem em cima da hora para chegarem a qualquer lugar. Esta auto-estrada a pagar está às moscas. Criámos infra-estruturas que não são usadas. Não percebo porque é que querendo-se que estas sejam utilizadas não se baixam as tarifas para que as pessoas as usem. O novo aeroporto será mesmo muito importante para o concelho?Tem vantagens e desvantagens. Do ponto de vista económico é importante porque vai trazer trabalho a começar com a sua construção. O comércio também irá beneficiar. Mas isso vai trazer-nos uma pior qualidade de vida, mais barulho, mais trânsito, mais poluição… Preferia manter alguma qualidade de vida e não ter aeroporto?Numa altura em que começamos a ver a desertificação das terras, com as pessoas a perderem as suas casas, as lojas a fecharem, os serviços a terem cada vez mais menos serviços, temos que fazer esse sacrifício. Perde-se as características mais bairristas, mais de vivência familiar, mas as terras vão ganhar porque acabam por não morrer. É o custo do progresso. Espero é que não sejamos mais dormitório do que somos já hoje um pouco. Estando o projecto do aeroporto suspenso, acredita que ainda vai ser construído no seu tempo?Não acho que o aeroporto seja prioritário. Primeiro precisamos de resolver problemas de educação, de saúde, de justiça para não ficarmos demasiado pobres. O aeroporto é um projecto muito ambicioso. Se calhar os custos serão demasiado pesados para os benefícios que iremos ter.
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