Existem pequenos episódios na vida de um jornalista que nem sempre são partilhados com os leitores nos textos das notícias mas que ficam na memória porque de alguma forma nos marcam. Há uns tempos assisti à detenção de um homem por possuir duas dezenas de plantas de cannabis em casa. O caso é conhecido e depois de uns tempos detido o indivíduo voltou a casa e continua com o seu estilo de vida errante. Nesse dia enquanto três polícias fardados vigiavam a entrada da casa e a carrinha onde seriam colocadas as plantas, outros agentes, vestidos à paisana, revistavam o interior da residência à procura de mais substâncias ilícitas. As duas crianças que também ali vivem andavam pelo quintal a observar o aparato. Estavam estranhamente tranquilas. No final os polícias ainda se despediram das meninas naquela que, para elas, devia ser uma visita de rotina.Este episódio trouxe-me à memória outro mais antigo e que durante ano e meio foi notícia em O MIRANTE. Foi quando acompanhei o caso das três crianças de Foros de Salvaterra que foram retiradas à família porque, alegadamente, a casa em que viviam não tinha condições de higiene e habitabilidade. Pergunto-me ainda, tanto tempo passado, sobre este estranho mundo em que vivemos, em que é considerado normal três meninos serem arrancados da cama a meio da noite, enquanto dormiam, debaixo de enorme aparato policial, só porque a casa onde viviam não tinha condições que um grupo de pessoas considerava adequadas, enquanto duas crianças crescem numa família onde o pai cultiva droga e as visitas da polícia são a coisa mais natural do mundo. Quais são os critérios das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens para retirarem menores aos pais? A que classes sociais pertencem as pessoas que as constituem e que tipo de casa e de vida consideram dever ser exigível às famílias? É mais perigoso viver numa casa pobre mas onde há amor e carinho, ou será preferível crescer numa casa onde com um jardim de Cannabis e polícias a entrar e a sair de tempos a tempos como se estivessem na esquadra? Ana Isabel Borrego - Jornalista