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“O sucesso dá muito trabalho”

“O sucesso dá muito trabalho”

João Neves Veloso, 53 anos, advogado, Santarém

Nasceu em Santarém, cidade onde estudou até ir tirar o curso de Direito. Casado e com três filhos, João Neves Veloso é uma pessoa reservada que preserva ao máximo a sua privacidade. Considera que a confiança é fundamental em qualquer relação. Gosta de livros, detesta a mentira e trabalha, no mínimo, doze horas por dia. Com muito gosto.

Divido-me entre Santarém e Lisboa. O meu irmão tinha um escritório em nome individual e a única coisa que podia fazer pela sua memória era dar continuidade ao mesmo. O escritório era noutro local mas, no ano passado, mudei para a Praça Sá da Bandeira. Regressei a Santarém quando nasceu o meu terceiro filho e até há quatro anos, quando fiquei com o escritório do meu irmão, deslocava-me para Lisboa todos os dias. Actualmente, e porque a idade também não perdoa, comecei a ir só uma ou duas vezes por semana à capital.Em criança queria ser electricista ou engenheiro. Sempre gostei muito de mexer nas coisas de electricidade, por exemplo, de mudar lâmpadas. Sou o primeiro advogado da família. O segundo era o meu irmão e espero que o terceiro seja um dos meus filhos. Depois decidi que seria engenheiro e fiz o ano propedêutico (actual 12.º ano) para Ciências mas resolvi que afinal queria Letras. Repeti dois anos e prossegui os estudos em Direito na Universidade Livre (actual Lusíada).A minha vida profissional é a escola da vida. Faço realmente o que gosto e pagam-me ainda por cima. Gosto de tudo o que faço e também só faço o que gosto. Não tenho áreas preferidas no Direito. Sou um generalista como a maior parte dos advogados no país. É uma profissão complicada, onde é preciso estudar muito e de forma contínua. A minha área é aquela que eu gosto.Passei noites sem dormir por causa do primeiro caso que defendi, como advogado oficioso. Para mim foi uma violência porque não concordava com aquilo e tive que aceitar. Era um processo crime e tive que estudar bastante. Digo muitas vezes aos estagiários que, se falharmos, a culpa não pode ser nossa. Pelo menos dormimos de consciência tranquila porque demos o nosso melhor.De manhã, em frente ao espelho, enquanto faço a barba estou contente com o que vejo. Não viro a cara para o lado, com vergonha. É este o modo como entendo a profissão. Tenho falado com colegas mais velhos, da Comarca de Santarém, e partilhamos que acordamos muitas vezes, de noite, a pensar se entregámos a documentação dentro do prazo ou se não nos enganamos no dia. É uma vida em sobressalto mas um sobressalto engraçado. Gosto de usar fato e gravata. Já usava quando era estudante. Quem entra num tribunal tem que respeitar a instituição.Entro no escritório às nove da manhã e quando saio daqui antes das dez da noite é uma festa. Exerço há 25 anos. Actualmente faço doze a catorze horas por dia de segunda a sexta e passo os sábados aqui enfiado. Quando um caso chega ao fim, chega mesmo ao fim. Temos que ser racionais, ter bom senso. As emoções ficam para o cliente. Sou exigente com as pessoas que trabalham comigo mas também sei reconhecer o seu mérito.Santarém é uma cidade bonita mas muito degradada não só a nível arquitectónico como de mentalidades. Há terras que param no tempo. Santarém não só parou no tempo como ainda está mais para trás. Isto tem a ver com a mentalidade de quem governou. O centro histórico, por exemplo, está uma desgraça. Tal como os outros, não foram pensados para os tempos modernos. As ruas têm buracos, as montras nunca mudam e não há estacionamento livre. Vou sempre ao Festival de Gastronomia de Santarém. Confesso que sou um bom garfo.As touradas fazem parte do Ser Português. É a nossa tradição. É uma pena a televisão já não as transmitir com regularidade embora a tourada, com sol e moscas, seja um espectáculo magnífico de agilidade, destreza e cor. Há episódios da História de Portugal ligados à tauromaquia. Os defensores anti-touradas tratam mal os “animais racionais” indo para a porta da Praça de Toiros, sempre que apelidam os toureiros de malandros e assassinos. Acho que perdem a noção do ridículo. Detesto fanatismos, sejam clubísticos, ideológicos, religiosos ou outros.Não gosto de política partidária. Acredito em causas mas não faz parte da minha maneira de ser andar a colar cartazes ou a gritar pelo voto num partido. Não me revejo em nenhum partido político português. Sou de Direita e voto sempre num de dois partidos. As manifestações anti-troika, além da escassa adesão, estão a ser cada vez mais aproveitadas pelos partidos políticos. A situação do país não se resolve com manifestações mas sim com trabalho.O sucesso dá muito trabalho. O meu avô paterno dizia-me que não interessa se consigo ou não fazer. Tenho é que saber o que vou fazer e esforçar-me para que as coisas fiquem bem feitas. Com 17, 18 anos comprei um rádio - que apesar de já não funcionar guardei até há pouco tempo - com o dinheiro que ganhei a trabalhar nas férias, a trabalhar numa empresa gerida pelo meu pai e fundada pelo meu avô materno. As coisas quando são conquistadas têm outro sabor. As novas gerações não sabem o que é isso.Sou uma pessoa muito reservada. O que é meu é meu. Não temos que andar na praça pública a dizer quem somos e o que fazemos. Se falasse da minha vida pessoal mais aprofundadamente, os meus amigos de infância, mandavam-me internar e diriam que o “João Vasco” (como me tratam) teria enlouquecido. Mas posso revelar que gosto muito de ler, todo o tipo de literatura. E se há coisa que me tira do sério é a mentira. Acho que a confiança é fundamental, em qualquer tipo de relação.Elsa Ribeiro Gonçalves
“O sucesso dá muito trabalho”

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