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“Sou tão importante como o homem que cola cartazes”

“Sou tão importante como o homem que cola cartazes”

João Osório é o responsável pelo PCP de Alpiarça e chefe de gabinete do presidente da câmara

João Pedro Osório é o responsável do Partido Comunista Português no concelho de Alpiarça. Acérrimo defensor do seu partido, isso já lhe causou alguns dissabores. Sobretudo após Joaquim Rosa do Céu ser eleito presidente da câmara pelo PS. Nessa altura, era funcionário do município e foi alvo de alguns inquéritos disciplinares, até que se despediu. Regressou em 2009 para um cargo de nomeação quando a CDU reconquistou a autarquia, velho bastião comunista. É chefe de gabinete do presidente e eleito na assembleia municipal, acumulação de cargos que lhe tem valido algumas críticas. Apesar de comunista, casou pela igreja e chegou a dar catequese.

Ana Isabel Borrego/António PalmeiroJoão Osório é visto como o “controleiro” do PCP em Alpiarça. O trabalho do PCP é um trabalho colectivo, as decisões não são de uma pessoa só, portanto não me revejo nesse papel de controleiro. O trabalho é conjunto.É das pessoas do partido com mais poder e influência.Sou o responsável do concelho a nível político. Tenho mais responsabilidades, mas as decisões não são individuais, são colectivas.Há uma estrutura que controla o que fazem os eleitos do partido?Os eleitos do PCP e da CDU são pessoas que estão nos órgãos e que têm autonomia e gestão própria dentro da linha política que o partido traça para as autarquias. Claro que os militantes comunistas reúnem e decidem em colectivo.E os eleitos não podem ir contra o que os militantes decidem.Acho que existe nas pessoas uma ideia errada do PCP. Somos o partido mais democrático que existe em Portugal, em funcionamento e na forma de estar. Cada um tem a sua ideia individual mas a ideia que sai para fora é a ideia colectiva. Aí é que está a diferença. Respeitamos a decisão colectiva.Democrático porque se vota de braço no ar?No último congresso a eleição para o comité central foi por voto secreto. Havia essa tradição, mas em algumas situações já se vota por voto secreto. No entanto os comunistas não têm problemas em votar de braço no ar. Sente-se mais à vontade se o voto for secreto?Não. Tenho a frontalidade de discordar e discutir uma determinada opinião. Tenho que ter argumentos para que o outro aceite a minha opinião ou não. Não temos uma cabeça iluminada que diz que tem uma tese e todos temos que votar na sua tese. Mesmo aqueles que discordam das ideias são precisos para este trabalho e esta luta.Foi para chefe de gabinete porque se ganha mais que no seu emprego nas Finanças?Só fico com o dinheiro igual ao meu ordenado de funcionário público. O resto entrego ao partido. As minhas senhas de presença na assembleia também vão para o PCP. É um princípio e eu aceito-o. O lugar que estou a ocupar não é meu. A minha disposição para o trabalho político no PCP é a mesma que se continuasse nas Finanças e quando saísse às cinco e meia ir para o partido. Aquele que cola o cartaz é tão importante como eu que estou no Gabinete de Apoio à Presidência. Somos todos iguais, a exposição é que é outra. O que é que leva hoje um jovem a filiar-se no PCP?Há cada vez mais jovens a filiarem-se no PCP. O partido tem um princípio ideológico muito bem constituído e vai-se renovando. Está mais que provado que o capitalismo não funciona. Os jovens vêem no PCP um partido que mantém o seu ideal e a sua postura de futuro. Fica irritado quando gozam com a cassete comunista?Levo a política com boa disposição. Essa história apareceu como uma provocação a Álvaro Cunhal num debate na Assembleia da República mas hoje em dia isso prova que o PCP é convicto, defende uma determinada linha. Tem vindo a aperfeiçoar as suas linhas de acção, mas o princípio do marxismo-leninismo está lá.Limitação de mandatos autárquicos não faz sentidoGostava de ser presidente da Câmara de Alpiarça?Não, porque são precisas características que não tenho. Sou mais terra-a-terra. Costumo dizer que sou o carregador de pianos. Aquele que vai tocar uma grande obra musical precisa de quem lhe carregue o piano para ele ter sucesso. Eu sou esse homem. Concorda com a limitação dos mandatos autárquicos?Não faz sentido. Vivemos numa democracia onde as pessoas são sujeitas a votos e a população é que decide quem são os presidentes. Por que é que a limitação de mandatos é só para os presidentes de câmara e não é também para os vice-presidentes e vereadores? Não é justo. Qual foi o crime que o presidente de câmara cometeu para ser o único a não se poder recandidatar?A acção política do PCP também passa pelo controlo das colectividades?O envolvimento do PCP faz-se na sociedade em que está inserido. Os militantes do PCP normalmente são pessoas activas nas suas terras e normalmente são chamados a essas responsabilidades. Alguns militantes comunistas que estão no trabalho associativo depois são chamados para outras responsabilidades no partido.Mas também é importante para o partido ter militantes nas colectividades.Sim, isso acontece até a nível nacional. Por exemplo, o presidente da Federação de Colectividades de Cultura e Recreio é comunista, o presidente do Sindicato dos Jornalistas é comunista, ninguém o esconde. Estamos a falar dos comunistas na sociedade. Não sei como se conseguem multiplicar se são tão poucos (risos).É curioso que só agora que se aproximam as eleições é que começam a fazer obras.A grande obra deste mandato foi o saneamento financeiro. Quando a CDU chegou à câmara não havia fornecedores que quisessem fornecer e estava até em risco não haver dinheiro para os combustíveis. Hoje há o PAEL mas a CDU antecipou-se, pagando obras feitas no tempo do Partido Socialista. Pessoas de bem e que estão na política com seriedade só mandam fazer quando têm dinheiro para pagar. Hoje pagamos aos fornecedores a 60 dias e teremos condições para pagar a 30 dias. Por que é que sendo chefe de gabinete ainda não renunciou ao cargo de eleito da assembleia municipal?Estou na assembleia porque o meu partido decidiu que devia regressar à assembleia. O lugar não é meu, é do partido. Tenho esse princípio ideológico. Deixava de ser o mesmo ao estar no gabinete do presidente e na assembleia? Deixava de defender o meu executivo? Não deixava. Em momento algum estaria contra as posições do executivo, que está a fazer um bom trabalho.NUNCA TIVE ALGUM CONFLITO COM A EX-SECRETÁRIA DO PRESIDENTEHá um conflito com o presidente da assembleia municipal. Parece que ultimamente andam com problemas com os independentes.Não. Sou amigo do Mário Santiago. Talvez seja mais um problema de feitio dele. Não estou arrependido de o ter ido buscar para as listas. O Mário Santigo não deverá fazer parte das próximas listas.As listas ainda estão em construção e discussão. Diz-se que foi o responsável pela saída da secretária do presidente, Vitória Brito. É a primeira vez que o estou a ouvir. Não sabia que constava isso. Nunca tive algum conflito com ela. Foi uma decisão dela e o local onde foi decidido que ela seria a secretária do presidente foi o mesmo onde ela disse que se queria ir embora.Surgiu uma candidatura independente em Alpiarça, o que pode vir complicar a vida à CDU. Não estamos preocupados com isso. Estamos tranquilos a fazer o nosso trabalho. Durante estes três anos e meio não temos tido oposição, é uma realidade. É bom haver debate político, surgimento de novas ideias e discussão sobre elas. Já estão convencidos que não vão ter dificuldades em vencer as eleições?Somos conscientes que só com trabalho se consegue ganhar votos. Temos um eleitorado fixo da CDU em Alpiarça mas isso só não chega. Ao contrário dos outros partidos, fazemos política todo o ano e não só na campanha eleitoral. Não estamos à espera das eleições para sairmos à rua para falarmos com as pessoas. Socialistas até lhe controlavam as chamadas quando era funcionário da câmaraFoi funcionário da Câmara de Alpiarça na altura do socialista Joaquim Rosa do Céu como presidente. Como se deu com ele?Quando ele chegou à câmara as coisas complicaram-se para o meu lado. Tinha praticamente um inquérito disciplinar por mês. A seguir a tomar posse disse-me que eu tinha perdido as eleições, que agora era ele que mandava por isso as minhas ideias políticas tinham que ficar fora do edifício da câmara. Respondi que isso era impossível, só se eu cortasse o pescoço, porque as minhas ideias estão na minha cabeça e eu tinha que as trazer comigo. A partir daí deixei de ter secretária, nunca mais tive lugar para me sentar.Quais eram os motivos para lhe serem instaurados inquéritos disciplinares?Qualquer coisa que acontecesse tinha que se averiguar se o João Osório estava implicado. A telefonista, na altura, tinha que fazer os registos de chamadas para saber para onde eu ligava. Era um perigoso subversivo (risos).Mas fazia política dentro da câmara?Na altura era presidente do Grupo Desportivo e Cultural dos Trabalhadores do município e nunca deixei de defender as minhas posições nos movimentos em que estava envolvido. Esse movimento também servia para fazer oposição. Oposição democrática. Continuou a falar com Rosa do Céu?Nunca mais me falou. Era um político que me dava luta e isso dá-me gozo. Obrigava-me a trabalhar bem nos processos. Eu quando ia para um debate na assembleia municipal preparava-me muito bem. Quando o confrontava com argumentos, provas e documentação deixava-o sem resposta.Qual foi o seu sentimento quando a CDU reconquistou a câmara nas últimas eleições?Deu-me gozo ter andado doze anos a lutar, como se costuma dizer, com o andor às costas para reconquistar a posição que a CDU e o PCP tinham perdido em Alpiarça e que eu achava que era injusto. Penso que temos marca própria e fazemos melhor por Alpiarça.O comunista que é casado pela igreja e já foi catequistaJoão Pedro Osório nasceu a 29 de Junho de 1958, em Lisboa, tendo vivido no bairro de Alfama até aos dez anos, altura em que se mudou com os pais para o Cacém. O primeiro emprego que teve foi aos 13 anos numa gravataria/camisaria na Rua do Ouro, na baixa lisboeta. O facto de ter começado a trabalhar cedo despertou-o para a luta política. Está ligado ao Partido Comunista Português (PCP) desde os 16 anos. Na década de 70 os pais mudaram-se para Alpiarça uma vez que o progenitor arranjou emprego na autarquia como aferidor de pesos e medidas. No início da década de 80 João Osório juntou-se aos pais tendo começado a trabalhar também na câmara. “Foi a única vez que consegui alguma coisa através de uma cunha”, revela em jeito de brincadeira. Para se integrar na sociedade alpiarcense dedicou-se ao associativismo. Fez parte dos órgãos sociais de “Os Águias”, integrou o conselho fiscal da Sociedade Filarmónica Alpiarcense 1º de Dezembro. Foi fundador do Grupo Desportivo dos Trabalhadores da Câmara e foi dirigente do Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local. Actualmente é presidente do conselho fiscal da Arpica.Confessa-se comunista e benfiquista orgulhoso. Duas ‘qualidades’ que herdou do seu padrinho. No entanto, é um comunista peculiar. João Osório é casado pela igreja e em criança fez a primeira comunhão e chegou a ser catequista. Na cómoda do quarto não falta uma bíblia. Lá em casa todos são comunistas e benfiquistas. Ele, a mulher e o filho. Conheceu a mulher no início dos anos 80 durante uma prova de ciclismo em Alpiarça, quando a futura esposa andava a vender senhas do PCP.O facto de ter começado a trabalhar cedo não lhe permitiu estudar. Concluiu o 12º ano mais tarde, quando já trabalhava. Tira férias sempre durante a Festa do Avante, onde é voluntário e ajuda na organização. Atrás da porta do escritório de sua casa tem uma tela grande com a imagem de Lenine. Uma oferta de amigos no dia em que fez 50 anos. Tem o sonho de conhecer Moscovo (Rússia) e Cuba. Entre os livros de eleição estão dois do líder Álvaro Cunhal: “O Partido com Paredes de Vidro” e “A Estrela de Seis Pontas”.
“Sou tão importante como o homem que cola cartazes”

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