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Fazer gravura em Portugal continua a ser só para os resistentes

Fazer gravura em Portugal continua a ser só para os resistentes

Dois dos maiores artistas plásticos portugueses estiveram no Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira. Júlio Pomar e Julião Sarmento falaram de uma das formas de expressão plástica que escolheram para dar largas à imaginação e ao talento: a gravura.

Fazer gravura em Portugal nos dias que correm é quase tão difícil e complicado como no tempo de Salazar. Os entraves aos artistas são os mesmos, a falta de material continua a ser desencorajadora e só uma mão cheia de resistentes consegue trabalhar e fazer chegar a sua arte aos consumidores, porque também não existem galerias interessadas em vender os trabalhos dos gravadores. A ideia passou num encontro entre dois dos maiores artistas plásticos portugueses, Júlio Pomar e Julião Sarmento, que foram ao Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca, na tarde de 18 de Maio para falar de gravura, no âmbito de uma exposição ali patente.“Escassez de meios, desinteresse do público, iliteracia e inabilidade. Tal como o Júlio enfrentei tudo isso. E pouca coisa mudou, hoje para fazer gravuras tenho de ir a Espanha, Dinamarca ou Alemanha, porque tenho condições que não tenho aqui”, lamentou Julião Sarmento perante um auditório lotado. Para o artista, as galerias “estão-se nas tintas” para a gravura e a arte entrou num processo de entropia que a levou a definhar. Hoje “praticamente não existe”.Júlio Pomar tem opinião semelhante. “Fazíamos muito com muito pouco e hoje os gravadores continuam a ter as mesmas dificuldades”, criticou. Também Delfim Sardo, um dos curadores da exposição vilafranquense, diz que além da falta de equipamentos em Portugal faltam canais de mediação que levem os trabalhos finais aos consumidores de arte. “Há um défice de galerias e não há especialistas em obras gravadas, o que é uma pena, porque há mercado para a gravura”, lamentou.A gravura tinha como missão intervir politicamente e era uma forma dos artistas contestarem o momento social vivido por um país dominado por uma ditadura. A exposição patente no Museu do Neo-Realismo tem a curadoria do director do museu, David Santos, e de Delfim Sardo. Resulta de uma parceria entre o museu e a Culturgest, encontrando-se patente ao público até 23 de Junho.Julião Sarmento é um dos maiores pintores e artistas plásticos nacionais, trabalhando com galerias de renome em Lisboa, Londres, Madrid, Munique, Nova Iorque ou São Paulo. Em 2011 viu a Tate Modern de Londres criar o seu Artist Room só com obras da sua autoria e no biénio 2012/2013 o Museu de Serralves organizou uma retrospectiva de trabalhos da sua autoria. Júlio Pomar, pintor, é creditado como um dos maiores nomes do modernismo português e uma das afirmações da corrente neo-realista, também ele já tendo exposto em locais como o Museu de Arte Moderna, Fundação Calouste Gulbenkian ou Museu de Arte Contemporânea de Serralves.Curso de Belas Artes tirado na leitaria GarrettJúlio Pomar e Julião Sarmento recordaram com o auditório alguns episódios da sua vida, sobressaindo a ideia de que o pior que pode acontecer a um jovem que goste de arte e queira ser artista é ser desencorajado pela família ou pelas instituições. Julião Sarmento lembrou o tempo em que era músico e, acabado de chegar à Escola Superior de Belas Artes, pensou que os gravadores eram os homens que gravavam discos. “Isto tudo enquanto passávamos o tempo na leitaria Garrett. O meu curso foi feito na leitaria”, recordou com uma risada.De uma outra geração falou Júlio Pomar. “Quando me interessei pela arte o meu pai queria que eu fosse engenheiro, porque um engenheiro naquele tempo mandava mais que um arquitecto”, disse, notando que o seu amor à pintura era “um vício secreto” que, para os pais, iria levar à ruína da família.
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