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Uma “maria-rapaz” que acabou seduzida pela costura sem a mãe saber

Uma “maria-rapaz” que acabou seduzida pela costura sem a mãe saber

Na adolescência a costureira era “maria-rapaz”, mas o dom com que nasceu levou a tomarense a criar autênticos vestidos de princesa. As peças “de época” de Leonilde Banha, complementadas com os respectivos adereços, podem ser vistas até 31 de Maio numa exposição patente na Casa dos Cubos, em Tomar.

Quem admira as sumptuosas peças de vestuário que estão, actualmente, expostas na Casa dos Cubos, em Tomar, dificilmente acredita que tudo começou quando a sua criadora costurou um par de calças, às escondidas da mãe. Leonilde Banha, 62 anos, sempre foi um pouco “maria-rapaz” na adolescência. Jogava à bola com os rapazes, ao botão, subia às árvores. Enfim, tudo o que não era esperado de uma menina. Certo dia, pediu à mãe que lhe comprasse um par de calças mas esta recusou. “Ela comprava restos de tecidos que tinha em casa para o que era preciso - porque dantes em casa costurava-se tudo - e tirei um retalho aos quadrados para fazer umas calças. Foi a primeira peça que fiz e ficaram impecáveis”, recorda. A ousadia não correu bem uma vez que levou uma tareia da mãe que não acreditou que as calças tivessem sido feitas pela filha mas antes mandadas fazer por ela, uma vez que sempre se recusou a ensinar-lhe costura. “Penso que nasci com este dom”, considera. Quando os ânimos acalmaram, propôs à mãe que a trancasse sozinha num quarto com alguns tecidos e lhe encomendasse serviço. Fez prova do seu talento e, a partir daí, a mãe começou a deixá-la fazer o que queria. A sua paixão pela moda do século XIX, e pelos chamados fatos de dama antiga, é notória. “Tudo o que se usava em 1800, em 1900 encanta-me. Acho que as pessoas tinham uma maneira de se vestir muito própria. Não é como agora que andam todos de igual”, confessa. Por isso, além do fato, cuida de costurar o saiote, escolhe as jóias e até os chapéus de renda foram feitos por si. Residente em Alverangel, São Pedro de Tomar, Leonilde Banha não se considera uma costureira profissional até porque nunca fez peças para vender. Prefere dizer que a costura é um passatempo, uma terapia. É a criar que se sente bem. Casou aos 23 anos e teve uma filha para quem costurava os fatos todos. Para as peças do grupo de teatro “Capítulo” (ver caixa) já fez dois ou três fatos por encomenda mas os restantes são resgatados do atelier que tem em casa. As ideias surgem quando menos se espera, seja a ver um programa de televisão ou até uma banda de desenhos animados. A “bagagem artística” de Leonilde Banha deriva do facto de ter estado emigrada durante 18 anos na Suíça, país onde trabalhou num lar de idosos como governanta, ajudando os utentes a vestirem-se a rigor para festas. “É um país onde se fazem muitas festas temáticas para distrair as pessoas de idade. Quer as pessoas de idade, quer os empregados vestem-se a rigor e, como tinha muito jeito para a costura, fui convidada a vestir a equipa da limpeza, da lavandaria e do escritório”, conta. O gosto pela moda adensou-se e, quando regressou a Portugal, trouxe os fatos que costurava para si própria e que usava nessas festas. “O meu marido era caçador e saía de casa às três da manhã. Eu levantava-me e ia trabalhar na costura. E se de noite tinha uma ideia tinha que a concretizar logo de manhã”, recorda. Já no nosso país, como não se voltou a empregar, continuou sempre a costurar mesmo sem um motivo específico. Sempre à frente do seu tempo, verificou que em São Pedro alguns homens juntavam-se para sair. Considerou que as senhoras tinham igual direito e formaram um grupo - “As Formiguinhas” - que saía todos os meses sendo que, no Carnaval, Leonilde costurava fatos para que todas se vestissem sob o mesmo tema. “Chegámos a ser vinte e tal e eu vestia-as todas”, recorda. Viúva há sete anos, acompanhou o marido na doença à cabeceira da cama e costurou um fato completo durante os 14 meses que durou a vigília. “Penso que isto é uma terapia. Nos meus momentos críticos - que também os tenho como toda a gente - o que me faz bem é a costura. Quando estamos a contar as malhas não estamos a pensar”, exemplifica. E, garante, vai continuar a costurar até que as mãos lhe deixem. Sempre sem dedal.Um tesouro resgatado do armárioAs peças “de época” de Leonilde Banha, complementadas com os respectivos adereços, podem ainda ser vistas até 31 de Maio na exposição “Costura - da criação e colecção de Leonilde Banha” patente na Casa dos Cubos em Tomar. A organização partiu do “Capítulo Clássico”, associação cultural de teatro, cinema e eventos sociais, que conta com a colaboração da artista que já cedeu vários fatos (e confeccionou alguns) nos projectos da associação. As peças estavam guardadas e escondidas dos olhares de todos numa divisão da casa de Leonilde Banha mas Joel Anjos, do grupo “Capítulo”, considerou que eram preciosas demais para estarem escondidas do olhar do público. A actriz Júlia Rita, tesoureira da associação “Capítulo Clássico”, agradece o apoio a todos os que tornaram possível a realização desta exposição, nomeadamente, à Junta de Freguesia de São Pedro, da casa He-Roy que cedeu os móveis antigos e ao Sabor da Pedra que emprestou os manequins e ao professor António Godinho, da Escola Secundária Jácome Ratton. “Graças ao teatro as minhas peças saíram do bolor. Estou muito grata por isso porque nunca pensei que as minhas peças tivessem esta divulgação”, atalha a rir Leonilde Banha, que herdou o apelido do pai.
Uma “maria-rapaz” que acabou seduzida pela costura sem a mãe saber

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