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Salvaterra de Magos deu pequenos passos mas não chegou a lado nenhum

Salvaterra de Magos deu pequenos passos mas não chegou a lado nenhum

Fátima Montemor, 46 anos, tem uma carreira de investigação assinalável na área da química e é uma crítica da actual gestão autárquica no concelho de Salvaterra de Magos, onde nasceu e reside. “O concelho é triste no que toca a atrair pessoas e empresas”, diz a engenheira química. Critica ainda a pouca aposta na área da investigação científica em Portugal e diz que se fosse mais nova emigrava.

Fátima Montemor é professora e investigadora no departamento de Engenharia Química no Instituto Superior Técnico, em Lisboa. Foi nomeada recentemente vice-presidente da Federação Europeia da Corrosão (interacção físico-química entre um metal e o meio envolvente) uma entidade que representa mais de 30 sociedades europeias sediadas em 25 países. Depois do período em que esteve a estudar e outros sete anos em que viveu na região de Lisboa, resolveu regressar à sua terra natal, Marinhais. Mora numa das ruas que ainda não tem saneamento básico. O que mais a preocupa é conseguir chegar a casa no Inverno já que a estrada de terra batida deixa os carros atascados. Já desistiu de pedir ajuda à Câmara de Salvaterra porque não obtém sequer resposta para os problemas que apresenta. O sossego que encontra em Marinhais acaba por sobrepor-se à falta de determinados serviços ou equipamentos básicos. Lamenta que o concelho de Salvaterra não tenha aproveitado as oportunidades para crescer e proporcionar maior qualidade de vida a quem nele reside. Vive numa rua sem saneamento básico e com piso de terra batida. Com tantas dificuldades, não seria mais simples morar em Lisboa?Tenho amizade à terra, às pessoas e apesar destes problemas gosto mesmo disto. É o meu descanso do mundo. Já me chegaram os anos que vivi em Lisboa num prédio onde as pessoas não se conhecem e têm pouco respeito umas pelas outras. Os amigos quando a visitam não devem achar graça a esta pacatez...Pelo contrário, gostam muito. Tive aqui recentemente uns amigos que deram um passeio de barco no Escaroupim. Foram depois visitar a Falcoaria Real. Disseram que Salvaterra era uma vila muito bonita. Temos este cartão de visita que é bom, mas depois pouco mais resta.É uma das 13 mil pessoas do concelho sem médico de família?Não. Ainda tenho médico de família mas recentemente recebi uma carta a avisar que o iria perder já que só o consultei uma única vez para levar uma vacina. Utiliza o seu seguro de saúde quando está doente?Sim. Tenho o exemplo da minha sogra que para ter uma consulta no posto da Glória do Ribatejo tem de ir para lá às 5h00. É algo impensável. Mora numa rua onde não existe um café ou uma mercearia e para chegar ao centro de Marinhais só de carro. Onde costuma realizar as compras?É por onde vou passando quando regresso do trabalho. Tanto pode ser Vila Franca de Xira, Benavente, Salvaterra ou mesmo Lisboa. Não suporto é centros comerciais. Salvaterra de Magos tem evoluído?Demos passos para a frente, mas não chegamos a lado nenhum. Perdemos oportunidade de implementar mais infra-estruturas e não crescemos para atrair empresas. Coruche é exemplo de um concelho que soube aproveitar melhor as oportunidades, mas também está mais isolado geograficamente. Salvaterra está próximo de outros concelhos e os autarcas deveriam ter-se unido para criarem um consórcio e desenvolverem mais esta zona. Mas todos gostam da sua paróquia e têm muita dificuldade em dialogar com o vizinho. Temos ainda muitos problemas básicos para resolver.Como por exemplo?Basta dar um passeio pelas margens do rio e encontra-se lixo por todo o lado. Falta muito civismo, mas também não se realizam limpezas pontuais. Falta planeamento a longo prazo. Não temos um circuito para correr ou andar de bicicleta e é uma pena porque temos um grande potencial com esta zona ribeirinha. Mais vale tocar poucos burros mas ir construindo algo a longo prazo. O concelho é triste no que toca a atrair pessoas e empresas. Nas últimas eleições autárquicas integrou como independente a lista do PS. Tem alguma aspiração a nível político?A política não é algo que me apaixone, mas sim os projectos com cabeça, tronco e membros. Um bom presidente de câmara deve ser pouco político, no sentido de não se deixar enlamear pelos jogos e lobbies dos partidos. É preciso ter visão, um projecto e uma boa equipa, mas geralmente essas pessoas acabam por ser afastadas por não compactuarem com esses joguinhos. Sou das que defendem que se deveria pagar a um bom CEO para governar o nosso país. Já surgiu algum convite para integrar alguma lista este ano?Já existem algumas conversações nesse sentido, mas não tomei qualquer decisão. Como já referi, tenho pouco tempo e quando entro nalguma coisa tem de ser por inteiro.Uma investigadora discreta que aprecia o campoFátima Montemor, casada e sem filhos, nasceu em Marinhais. Filha de trabalhadores rurais, lembra-se de ir de carroça com a avó todos os dias buscar água num cântaro. Era de bicicleta que ia para a escola. Os pais ainda recearam a sua ida para a universidade porque tinham medo de não aguentarem as despesas. Foi com o apoio da família que se mudou para Lisboa e tirou o curso de Engenharia Química no Instituto Superior Técnico. Mal concluiu o curso, surgiu um convite para um projecto de investigação e doutoramento. Depois de concluir essas etapas, um erro administrativo num concurso para técnica superior levou-a a lutar durante cinco anos até ser corrigido o erro e iniciar a sua carreira de docente na mesma universidade, paralelamente à de investigadora. Às 7h30 já está na universidade para começar a trabalhar e muitas vezes só sai depois das 20h00. Teve durante seis meses a televisão avariada. Diz que não liga a boatos e define-se como uma pessoa discreta. O trabalho é algo que a preenche. Todos os anos realiza mais de 20 viagens em trabalho, embora tenha tentado reduzir as viagens devido ao esforço que representam. Se tivesse de optar por algum país para viver seria um da Europa do Norte, como Suécia, Finlândia ou Noruega porque gosta do modo como a sociedade está organizada.“A carreira de investigação está bloqueada no nosso país”O que está a investigar?Quando temos um carro que fica com um risco, a melhor coisa que poderia acontecer era que esse risco desaparecesse. O meu trabalho é desenvolver revestimentos inteligentes que se reparam sozinhos e que têm aplicações no sector automóvel, aeronáutico ou tecnológico. Descobrimos também um método de recuperar baterias de um telemóvel num instante. São super condensadores muito baratos de produzir e amigos do ambiente. Tentamos descobrir uma empresa que comprasse a patente, mas em Portugal é impensável porque ninguém está interessado em avançar com grandes investimentos. Temos algumas propostas estrangeiras, mas ainda estamos a ponderar. Em Portugal aposta-se pouco na investigação?Não só não se aposta, como se está a matar. Os apoios são diminutos e cada vez menos. Tenho 15 pessoas a trabalhar comigo e todos os meses tenho de andar à procurar de empresas internacionais ou de outros projectos internacionais para ir conseguindo pagar os ordenados. Nunca pensou em emigrar?Vou recebendo algumas propostas, mas com esta idade não queria abandonar o país. Se fosse jovem, não pensava duas vezes. Ou se tem uma capacidade de resistência acima da média ou entra-se em depressão. Os portugueses são extraordinários. Passamos por tantas dificuldades que com o tempo vamo-nos tornando mais resistentes e capazes. Tenho um amigo holandês que me diz que eu trabalho dez vezes mais do que ele para conseguir dez vezes menos. Que projectos têm para o futuro?Vou avançar com o meu grupo de assistentes para a criação de uma empresa de base tecnológica para desenvolvermos os produtos que resultam da nossa investigação. Vamos todos lutar para isto acontecer até ao final do ano. Estamos à procura de financiamento. É preciso encontrar alternativas para os mais jovens.
Salvaterra de Magos deu pequenos passos mas não chegou a lado nenhum

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